quarta-feira, 20 de maio de 2020

Tanta coisa por fazer



A alegria é o que a esperança nos concede. 

Mas é também o que acontece sem ser esperado.

Demasiada fé na realização dos sonhos não é saudável, porque se corre o risco de se inventar uma fantasia-redoma, que em breve será prisão. 
Já assisti a isso, ao longo da minha longa vida. Gente que sonhou demais e viveu realisticamente de menos. Gente (neste caso só me estou a lembrar de mulheres) que fixaram objetivos a atingir - um casamento, filhos, carreira profissional, casa e vestidos e, sobretudo, um marido "bem-visto" pelas outras e que quando não atingiram esse ideal sonhado, deprimem.

Claro que o conceito de parceiro "bem-visto" é um pouco vago e subjetivo, ela até pode nem ambicionar um marido rico e bonito, bastando-lhe um homem bom, seguro, que dê estabilidade e respeito. O que importa para essas mulheres - umas mais sonhadoras, outras mais determinadas - é o sucesso da sua capacidade de sedução/realização. É demonstrarem, a si e às outras, que foram capazes de atingir enquanto mulheres um estatuto invejável, que não ficaram sós na vida, que foram suficientemente competentes para sacar um homem, de preferência bem visto, que encontraram o conforto dado de bandeja pela sorte. Para a maioria, isso significa casar. Para outras, basta um parceiro... o que, hoje em dia, vale quase o mesmo e até é uma coisa moderna. Há, também, aquelas que optaram por ser solteiras e investir na carreira, e fazem-no conscientemente. Por decisão livre... 
E depois, naturalmente, haverá sempre as mal-amadas - aquelas que sonharam demais e tiveram de menos. Sentem-se azaradas e carentes talvez porque o desejo entrou pelo caminho da ilusão e da fantasia. Imaginaram o mundo ideal: uma vida feliz, um homem modelo, o orgasmo perfeito, o jantar à luz da vela num resort idílico... e correram atrás da aventura, correram e perderam-se atrás da perfeição imaginada, naturalmente com pouco sucesso, porque o Santo Graal não existe. 
Algumas, pelo caminho, cansam-se de correr e aceitam a imperfeição colhida na berma da estrada... sucedâneo capaz de acalmar o desejo de mais e melhor. Essas, as acomodadas, serão talvez mais felizes.

As sonhadoras perseguirão eternamente o inatingível... e sofrem.
São as que inventaram o amor antes de o ter vivido. 

Ora, o amor só se sabe o que é, depois de sentido, em direto e ao vivo. Ler livros e ver filmes, saber a teoria imaginária e fantástica, sem aprendizagem própria, não chega e pode dar mau resultado. Pode-se estar à espera de um milagre e deixar passar ao lado uma situação maravilhosamente boa e real. 

A alegria é o que a esperança nos concede e é muito bom quando essa esperança se realiza...  

Mas quem espera demasiado da vida, corre o risco de ser uma eterna desiludida. E neste grupo existem, pelo menos, dois tipos: as otimistas/esperançadas e as pessimistas/ressabiadas.
Podem parecem diferentes, extremos opostos de postura perante a vida, mas têm muito de comum. 
São mulheres que vivem a perseguir uma ilusão, aventuram-se com alegria nas promessas hipotéticas, embarcam em qualquer barco... sonham, auto-alimentam-se da imagem grandiosa que criaram de si próprias e esquecem-se de viver a vida real.

Para essas, a alegria que a esperança lhes concedeu, pode ser um pedacinho de sonho inventado, uma personagem que representam no seu próprio teatro. E por aí ficam apalermadas e numa espécie de alegria ilusória...
Depois, há as outras, as negativistas, certamente mais infelizes porque ambicionam, não atingem e logo se sentem perdedoras. São mais realistas que as primeiras, mas igualmente desfasadas do seu caminho, do seu tempo neste mundo. 

Porque a vida não é nem cor-de-rosa, nem negra.
Tem muitas cores, tal como as flores.
A vida é o que acontece sem ser esperado.


Se não esperarmos demasiado do destino, se estivermos de coração aberto ao que chega, pode muita coisa boa acontecer.
De nada vale ler o horóscopo, deitar cartas ou búzios para saber o que aí vem. De nada vale, esperar que o príncipe encantado nos beijará ao entardecer, nos fará flutuar e ver estrelas. De nada vale, pensar que um romance é um conjunto de folhas de papel cheias de fantasia. Nada disso, o romance é o que o nosso coração constrói com aquilo que vai encontrando pelo caminho.
Não se deve comparar esse achado, com nada. Deve-se aceitar, moldando esse presente real, com amor, dedicação, resiliência e... muita determinação. Porque é único, é nosso, acabou de ser inventado e é incomparável no nosso coração.
Felizes os que não sonham, mas encontram um lugar na terra tão bom que até parece um sonho. Felizes os que em vez copiar modelos dos romances, lhes acontece encontrar um amor que até parece saído de um livro. Mas não é fição, é o seu real chão!

Sou terrena, gosto de gostar do que tem sentido e é verdadeiro.
Gosto de me sentir segura por aquilo que conquistei sem pretensões de imitar ou de roubar ideias exotéricas e romanescas.

Gosto do que é meu por mérito próprio, do que aceitei de coração aberto, da sorte que não chegou por acaso, da vida que se vive sem ambição. 
Não espero que os sonhos se realizem, espero ser capaz de estar atenta ao que me rodeia, de estar disponível para aceitar quem vier por bem e de ignorar o que me pode fazer mal. 
Não vale a pena insistir, em forçar o destino a dar-nos a fantasia sonhada, de nada serve procurar aquilo (ou quem) não quer ser encontrado... 

O Amor não se procura, encontra-se...
E não se inventa, existe!

Está na Terra e não no Céu. 
É realidade, não é esperança.

É um passeio à beira-mar, uma noite maravilhosa, um sofá da sala ou um grandioso pôr-do-sol no Alqueva.
O aqui e agora é que interessa. No futuro, estamos todos mortos... mas até lá, em vez de sonhar, espero estar viva e acordada!

E há tanta coisa por fazer... 

Sem comentários:

Enviar um comentário