domingo, 17 de maio de 2020

Nunca é tarde





Nunca é tarde para amar! Pode acontecer aos 20 anos, aos 40... por aí fora e até na velhice verdadeira de um lar de terceira idade. Imagine-se um velhinho simpático que fica feliz só por ter alguém (uma colega de lar com quem criou mais empatia) que lhe cortava as unhas dos pés.
Todos já ouvimos histórias assim: a das unhas dos pés passou-se mesmo com uma parente minha que vive num lar e que, não obstante o romantismo da tarefa e o desvelo do galã, nunca cedeu aos avanços. Amor assolapado, impossível, portanto. Contudo, enquanto durou aquela ilusão, tinham talvez sonhos de amor à noite, cada qual na sua ala da residência. Ele morreu primeiro, ela teve um desvelo de viúva na proximidade do fim... não perguntei, mas uma memória rosa permaneceu, concerteza, até o esquecimento e a demência lhe terem levado tudo.

É bonito saber que quando se tem um coração quente, ele se pode manter ativo e feliz, quente na mente, de pila fria. Ou talvez não, afinal o que sabe uma mulher como eu, um pouco mais nova, do que pode ser a vida de um velho senhor.
Eu que tenho a sorte de nunca ter deixado de ter o coração quente, e até de conseguir que nem todos ficassem indiferentes ao meu calor, sinto que sou uma privilegiada, vivi um contínuo amoroso raro e bom. Efervescente, batalhador ... mas com luz, cor e vida... noites de reboliço ou de calmo prazer, em continuidade e conjugalidade, com altos e baixos, mas com sabor. Com verdadeiro sabor a prazer! Noites e também dias, vida, enfim! Esse passado ninguém me o tira. Com excepção de uma desilusão, já lá vão 9 anos, tive sempre a sorte de ser aquecida por dentro e por fora. Ás vezes, tão por dentro, tão total e absorvente era o lavrar das chamas no meu interior, que era com verdadeiro fascínio e espanto que contemplava a beleza do incêndio... apesar de saber que, no que respeita a incêndios, mais cedo ou mais tarde, alguém virá para os extinguir. Felizmente que é assim, senão seria hoje um cavaco carbonizado, podre e acabado, em vez de me manter um pinhalzito que já ardeu, mas de onde a verdura voltou a despontar e a natureza a renascer.
Acho maravilhoso saber que poderei ainda inflamar corações  de homens bons (e porque não de mulheres?) com o calor que tenho para dar. Gostaria muito que o futuro próximo fosse mais calmo, num morno aconchego, sem envolver os bombeiros, sem chamar as lágrimas, nem consultar psicólogos.

Excluindo um período depressivo que durou um ano, findo o qual fui resgatada para a vida por um bom amigo, tenho uma vivencia longa cheia de sucessos e alegrias. Fui bem amada e acho que soube amar com toda a plenitude. Também sei que fiz sofrer, sem o querer. Infelizmente é a contrapartida de quem vive intensamente o amor, de quem ambiciona demais, de quem se quer manter no trapézio do equilibrista, no ponto mais alto e de maior risco. 
Esse amigo que me salvou da tristeza, não me curando as insónias nem o desassossego, acordou-me para a vida, para o sabor gostoso da amizade verdadeira, para o mundo dos afectos plurais. Deixei de ser a pobre desgraçada, abandonada e mal-amada e passei a rainha das conquistas. Nem eu sabia quão fácil e bom é dar alegria a homens mal-casados, mal-amados, mal-vividos e aborrecidos com o seu pouco sucesso amoroso. E foi esse amigo que me fez ver como são parvos todos os homens, em geral. Primários, com pouco jeito para construir um mundo de afetos e de fantasia, até aqueles que em tempos tiveram jeito para engatar meio mundo e fazer uma mulher "feliz", sob todos os pontos de vista, desde a oferta de rosas aos afagos. Escusava era de se ter apaixonada de caixão à cova. Fez-lhe mal a ele e, quanto a mim, desorientou-me... mas vivemos uma coisa bonita. Passou, fica a memória de um tempo de sonho. Ficam os mails que davam para escrever um romance e os raros contactos que, com pena, são cada vez mais espaçados.
Sofrendo as atribulações boas de relações amorosas com mais ou menos amor, manteve-se o meu calor interior em lume brando, em alegria de viver, num espaço de liberdade que entretanto conquistei, mas sempre na inquietude que me alimenta, sempre com medo de cair do alto trapézio (lugar de que não abdico).
Umas vezes com dramas, outras com paz... foi uma vida cheia de Amor. 
Imagino, talvez com exagero e soberba, que fui uma nuvem ampla e branca que cobriu de sol (e alguns aguaceiros) quem comigo se cruzou.
Sou uma pessoa realizada, privilegiada mesmo... porque nunca estive só, no fundo fui tendo um ou mais pilares afetivos que me mantinham de pé e me mantêm viva. Apesar de tudo,  inquieta e insegura, vou mantendo a esperança de haver, para cada dia da minha vida, um pãozinho de afeto que me irá alimentar. Não deixarei de sonhar com uma refeição melhorada, quiçá um dia. Ou até uma refeição reaquecida, apurada ... melhor ainda.

Que melhor coisa pode haver, que uma pessoa acordar de manhã e saber que existe alguém para quem importo, haver um ser amado (gostado) em quem se pensa logo, ao primeiro olho ensonado que abre, que bom haver gente amiga com quem se imaginam passeios, beijos, afagos ou uma simples mensagem a dizer: Estou aqui, acordei, está sol para passear (hoje não podemos, estás longe, tenho saudades, fica para o fim de semana). Ou então, dizer: Acordei, azonzada das drogas contra a insónia, entorpecida pelo desgosto que me destes (ou eu inventei, sou muito sensível), acizentada porque o tempo está de chuva. Ou atrever um outro dito: Olha, sabes, em vez de ir trabalhar, o que eu queria mesmo era mais um pouquinho de cama contigo dentro de mim... ouvindo a chuva bater na janela ... olhando o relógio e a hora de ir pegar ao trabalho, vendo o tempo a fugir à nossa frente, atrapalhando
a nossa pressa ou vagar de saborear mais um pouco um do outro.
Sabendo que há um alguém especial, longe ou perto, sabendo que há outros que nos estimam e que há a família no seu silêncio calado de quem já tudo disse entre si e para quem a minha felicidade não é assunto... os dias seguem a sua normalidade.

A alegria é o que a esperança nos concede.
Quem não sonha e não espera, não vai encontrar a felicidade num cestinho à porta de casa ou na caixa do correio. 

Sonhando com o encontro seguinte, pensando em pequenos prazeres, pensando não só no pilar especial do momento, mas em todos os outros amigos que gravitam na nuvem de poeira e de estrelas que tenho para dar luz aos outros. Também isso é uma forma de amor.
Memorizando o passado - foi grandioso, se pensar bem no assunto, grandioso porque intenso, não pela variedade mas pela riqueza intrínseca de quem comigo se cruzou. Espero continuar a encontrar no meu caminho pessoas boas de quem gostar, pessoas que não tenham medo de amar, porque isso é a coisa mais importante de tudo.

Esperançada em que floresça uma relação sólida daquilo que foi uma frágil e tímida planta, semeada em morno encontro, que ganhou raízes fundas e sólidas, parecido com o apego sério e duradouro próprio das ervas bravias e livres, que não se arrancam com facilidade. Dessas ervas tão entranhadas na terra, que não se deixam arrancar por uma qualquer jardineira ligeira.
E espero que na intimidade, sejamos abençoados pelo dom da transcendência espiritual e que esta ultrapasse a agradabilidade física, animal e primária. Para que ganhe a solidez de um elo completo, gratificante, tolerante e livre.
Firmar uma coisa só nossa, especial - que eu acabei de inventar - porque também eu sou especial e inventiva. E se não for hoje, aqui e agora, irei por aí ... até encontrar o que gosto. 
Não interessa se é igual ou parecido com o que já tive, se é melhor ou mais intenso, sei que tudo muda com a idade e com a perspectiva que vamos tendo dos sentimentos e das emoções, nossas e alheias.
O que importa é acrescentar calor a um coração quente.



Um coração que gosta de rosas - de todas as espécies e das amarelas, em particular, que nascem fraquinhas, clarinhas e se tornam cada dia mais exuberantes e marcadas de cor.

Que esta linda, a primeira, seja o início de uma nova era!

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