terça-feira, 12 de maio de 2020

O caminho faz-se em frente



A vida é complexa, como um emaranhado de  troncos e de raízes antigas, imbricadas umas nas outras, cujo fim e principio se confundem. Caminhos tortuosos, cheios de erros e de reviravoltas podem, numa planta de sol e de amor, transformar o negrume em viçoso verde. 

É costume dizer-se que se aprende mais com os erros do que com as aprendizagens de sucesso.
Porque será?

Talvez porque um erro nos coloca à beira do abismo, inadvertidamente, no lugar onde somos confrontados com a nossa própria sobrevivência.



Ali, onde a morte nos espreita do fundo da escuridão, onde o futuro próximo é uma realidade cruel e dolorosa, temos de suspender um pouco a marcha e reflectir. 
Refletir nos enganos e olhar o abismo.

Será que quero ir por aí? 
Será que ainda há hipóteses de voltar atrás, emendar o erro cometido? Tantas vezes se erra por desleixo, por estupidez, sem ser por maldade, sem ser deliberado, sem más intenções. Quantas e quantas misérias e tristezas foram rotuladas de erro e o meu "crime" foi mera injustiça...

O erro ou o pecado para os crentes terá perdão? Haverá remissão do nosso engano, quando já estamos nessa borda de falésia que nos puxa magneticamente para o fim? 

Sei que nem sempre o retrocesso é possível, nem sempre os nossos actos infelizes têm conserto e aquilo que foi apenas fruto de falta de senso, nos pode condenar à derrota à infelicidade, à rotura do que nos é mais querido.

Estou nesse planalto muito estreito de todas as decisões, joga-se a minha vida...

Não é a primeira vez que perco tudo, por ser uma irrefletida desalmada, por ser excessiva, extrovertida, escadalosamente sincera, frontal, de crítica acesa na ponta na língua... Bem tenho penado por isso, pelo meu mau-feitio, pela impaciência, pelo destrambelhamento. Sei que é a angústia da perda que me desatina e me leva à imprudência da loucura. Como se a loucura pudesse ser prudente ou sensata... que disparate! 

Confesso: não sou uma menina bem comportada, certinha, obediente, cordata, amorosa, submissa...
Não sou e não é agora depois dos 60 que vou mudar. Tenho a alma inquieta, a imaginação desalvorada a flutuar em meu redor, sobre os meus mais queridos, os mais amados ou até os mais odiados compartes... 
Sou assim, ponto final.
Quem me conhece, sabe. Quem não me liga, não quer saber e desliga...
Esses, os que não têm paciência para o meu feitio - efusivamente cortante, eternamente insatisfeito e desmesuradamente exigente e apaixonado - afastam-se.

Alguns desprezam-me, outros bombardeia-me de raiva contida ou explícita, há ainda os que fazem chantagem emocional (desses tenho anos e anos de prática) e os que me tentam dominar pelo medo. Desses tenho medo, confesso. Porque sou frágil...
Sou muito frágil, apesar da imagem de segurança e de garra. É mentira! Sou mais frágil do que um biscuit delicado, (não tão bonita, claro), que se parte se for mal cuidado. Sou mais vulnerável do que uma princesa mimada.

Esses, de quem tenho medo, afastam-se porque me temem e eu tenho medo de que se afastem porque não me entendem, porque se assustam, porque têm receio da diferença que se calhar manifesto e não vem a fragilidade que contém.
O horror à diferença facilmente vira ódio. (Não vou falar de chauvinismos, nem de guerras ideológicas ou reais baseadas na incompreensão pelo outro).
Mesmo que o sentimento do interlocutor não seja tão forte, não seja de verdadeiro ódio, facilmente resvala para a indiferença e para o fastio.
Para quê aturar uma louca apaixonada e "demanding", crítica e insatisfeita... se se pode ter paz e submissão, doçura e mansidão?
Realmente, eu não sou para todos os estômagos, mas sou assim!
Esforço-me muito por mudar (na medida do possível e dentro da civilidade necessária) mas há demónios que me assaltam e transtornam. 
Não é todos os dias, que consigo desempenhar o papel de mulher ideal, de parceira perfeita, de amiga afetuosa, de mãe ou de filha desveladas, de profissional séria, fria e competente. Esforço-me bastante e tenho passado a vida inteira a representar (com alguma proficiência, diga-se) os papéis que a cada momento esperam de mim.
Em geral, desempenho-o com êxito (visto por quem está de fora e é objeto da minha ação). 
Em geral, faço-o com sacrifício próprio, com renúncia à minha liberdade e maneira de ser.
E nos dias maus, expludo! É quando não consigo representar o êxito e assumir o sacrifício, nas doses certas.

Há que encontrar um equilíbrio entre a natureza selvagem e ardente que me inflama por dentro e o politicamente correto que a família, os amigos ou a sociedade me impõem.
Conseguir esse equilíbrio sempre foi um objetivo que tive em mente, na minha caminhada pela vida... 
Considero que ele é importante porque me dá paz, porque sei que ser uma alma inquieta me pode levar à beira do abismo.
Todos precisamos de algum escape - e para mim só os amigos (poucos e bons, íntimos e compreensivos) me podem salvar, ajudando a pôr cá fora o que me queima por dentro. Ajudando-me com muita vitamina F a curar os erros, a desviar-me do abismo e a encontrar um caminho que vá em frente e seja bom, um caminho de paz, mas simultaneamente onde possa seguir de cabeça erguida, sem vergonha, sem pecado, sem viver em clandestinidade.

O caminho faz-se em frente, com bondade e compreensão - que é isso que se espera de um amigo - alguém que ouça, que acalme, que não faça muitos juízos de valor, mas aconselhe e critique os maus passos.
Esses são os verdadeiros amigos. Não aqueles que gritam, se ofendem, partem para longe e nos abandonam quando mais precisamos.

Preciso de vitamina F que, para quem não sabe, vem de Friends, a coisa melhor para nos tirar da beira da infelicidade suicida. É tão importante quanto a vitamina D, que o sol nos dá... para não falar daquela que não existe à venda, nem se pede emprestado - a A, com A grande.

E vou encontrar esse caminho, tortuoso e imbricado como todos os trilhos da vida; e vou recheá-lo de flores regadas a vitamina F, fazer muitas coisas boas que ainda não escolhi  mas de certo serão para dar...sempre para dar a coisa certa,  aos amigos certos e amados, aos desconhecidos por descobrir... Vou deixar para trás os erros - merda de cão que pisei sem querer e limparei sem nódoa - por ora, vou em frente...
Por enquanto, o abismo que espere. Para já a aventura, mais uma, a de estar só e caminhar direita.

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