domingo, 29 de novembro de 2020

Ler ...

 

Renoir, Girl Reading, 1874

Ler é viver a cores!

É viver num mundo em que a nitidez é perfeita, em que tudo se entende como sendo a verdadeira cor que cada coisa tem, como o verdadeiro som que cada música ou voz emite.

A literatura é a realidade em estado puro, aquela que, mais tarde, a vida pessoal se encarregará de nos provar que é verdadeira. Se não no seu todo, pelo menos naquilo que se vier a cruzar com as nossas experiências, comprovando que existem mesmo, que existem para além do conhecimento que adquirimos nos livros, nas arte , na música, na filosofia... 

Menos nítidas na vida, as cores resplandessem quando constatamos que já tinham sido descobertas num livro.

Ler é viver por antecipação.

A leitura - sobretudo a poética - traz-nos do mundo um saber antes do tempo. 

Só mais tarde com o amadurecimento pessoal, com a reflexão e o saber... e com a leitura, claro, é que conseguiremos comprovar que aquela vivência, que nos acontece no presente, já foi vivida e descrita por alguém antes de nós.

Por isso, os clássicos são tão importantes, são eternos. Transportam a natureza humana em estado teórico, limpo e perfeito, referência que dará conforto à nossa vida imperfeita...

Dá sossego saber que antes de nós, séculos ou semanas atrás, já alguém sentiu o mesmo, e escreveu o que lemos hoje. Lemos... helás, já sabíamos! Estamos portanto à frente de quem não o faz tão bem, temos ferramentas de orientação para descobrir dentro de nós o mundo que já foi descoberto por outros... os muitos escritores e pensadores de quem bebemos e quem gostamos por nos serem iguais. Por nos terem preparado e precedido, dando-nos com a sua escrita e leitura a "endurance" necessária para enfrentar a vida mais seguros, calmos, felizes... e quiçá sábios... se lermos muito.

Ao contrário daquilo que muitos pensam, a ficção não é um campo da fantasia e de mentira que nos desfoca quando a vida diverge do modelo lido (sonhado, por vezes mal lido e empolgado). A ficção e o ensaio de séculos de pensadores/escritores que nos precederam são a “cama”, a nossa cama de leitura e conforto, onde acreditamos seguir com confiança. Porque esperamos do mundo aquilo que já lá está há séculos à nossa espera. 

A literatura não cria ilusões, nem fantasias exotéricas ou vãs. Cria verdade, é o caminho que vamos recorrer como familiar quando lá chegarmos. 

Ler é caminhar na direção da nossa casa futura, mais pobrezinha em lindas palavras e sonoras frases... mas mais rica porque a “ideia”, a substância que absorvemos da leitura, é bem mais valiosa.

É a nossa experiência vivida, a emoção ao vivo, a alegria, a tristeza, o amor-paixão, os afectos amigos sentidos na nossa pele ... muito depois de lidos no papel.

Felizes daqueles que lêem e encontram em cada dia o seu lugar dentro de uma página, no meio de uma linha da grande literatura e se acham abonados por isso. Porque nada é melhor que viver, desde que se tenha sabido antes pela literatura ou pelo saber antigo o que da vida nos espera.

Infelizes daqueles que não lêem porque também não pensam, esses não têm esperança de encontrar no caminho a tal frase do tal livro, a tal lenda antiga, não têm a possibilidade de reconhecer a tal bela flor que encontraram num jardim, sobre a qual nada leram, nada sabem. Infelizes os que não conseguem apreender na poesia a essência das palavras, naquilo que é verdadeiramente importante. Poderão estes reconhecer um amor-paixão, aos primeiros sinais, se nada sabem de Tristão e Isolda ou da Mariana do Camilo? Claro que podem, mas não é a mesma coisa! O amor vivido é único. Não é substituível pelo melhor poema ou romance, mas se a leitura do escrito comandar a leitura interior dos sentimentos que emergem, a explosão será total!

Livros para os confusos, precisam-se! Para que estes fiquem melhores, mais ricos e nunca jamais se sintam desiludidos, para que não digam que a vida lhes parecem pior do que o romance ou o filme. Só um mau livro ou uma má película pode trazer este desconsolo.

Porque ler é o melhor de tudo e logo a seguir, um pouco acima ou abaixo, vem a vida.

Se pudermos carregar a bateria  da literatura antes de sair de casa, se conseguirmos ver e sentir em abstrato as coisas que talvez nos venham a acontecer (ou talvez não) estaremos a antecipar a grande jogada da felicidade e a cantar vitória. Ou a entender melhor a derrota.

Eu encontrei em real o que li: sinto que sou igual, melhor ou pior, mais sensível ou se calhar mais trôpega do que aquela personagem Dostoiévskiana... que me foi apresentada num livro e que tanto me ajudou a ser o que sou. A ser melhor porque a leitura ou a compreensão dos símbolos anteriores a nós e que vão para além da escrita, são um trunfo para quem leu e por isso está à frente.

Á frente no caminho da vida real... limpa de fantasias romanceadas, de delírios espirituais, de sucedâneos religiosos ou meditações transcendentais... É o que acontece com os livros de auto-ajuda um bálsamo para algumas dores. Mas não são a pedra sólida do caminho que dorme sobre os livros. Dos bons. Não dos vendilhões de dançaria ilusória e desmoralizante...

Porque se lêem os clássicos e se representam as mesmas peças, ano após ano em todo o mundo, já pensaram?

Nem toda a leitura é fumo, nem ilusão de espetáculo tipo “André de Rieu”. Há sabedoria na literatura. Há vida antecipada que nos motiva a ir ver como é "na real". E quando a encontrarmos “em tons pastel” saberemos apreciar aquela que lemos em cores garridas nos nossos livros preferidos. 

Então a suavidade da cor e da emoção sabermo-nos-á melhor! Serão a paz do encontro que junta o livro amado com a vida ou com a pessoa amada (que é muito melhor em carne e osso do que em papel... se tivermos a sorte de encontrar alguém com alma!).

A literatura é o parente rico, o que não faz da vida o parente pobre, uma sua fraca e desiludida imitação! Pensar o contrário, é viver em permanente estado de ilusão fantasiosamente à espera de que o romance em papel tenha alma, corpo e pele de gente....


terça-feira, 10 de novembro de 2020

Amar como missão de vida

 

MEC - na última entrevista ao Expresso -  disse: amar pode ser apenas e por si só uma missão para uma vida!

Não sei se foram exatamente estas as palavras certas, mas foi este o eco que fez no meu coração . Amar como o único valor importante para conduzir uma vida, como o único objetivo porque vale a pena lutar, a única razão que leva a abrir um olho ensonado de manhã, ao mesmo tempo que, a custo, se põe o pé descalço na beira da cama e se faz um esforço inaudito para levantar, sair da cama, ensonada e trôpega.

Demasiado trôpega para pensar, demasiado lenta para trabalhar ao ritmo esperado de uma ex-profissional de sucesso. A urgência em acordar para mais um dia de trabalho, acaba por falar mais alto, mas é uma tortura para quem tem sono, um sono paralisante e cansado. Um sono estonteado, pedrado, acarretado de drogas anti insônias ou de insônias passadas a lutar, perante a evidência de que elas (as drogas) são necessárias... mas tentndo a todo o custo evitar.

O que tem isto a ver com o amor? Muito! Quem acorda com um objetivo, com o coração cheio do prazer da espera do amor, acorda senão mais leve, pelo menos, com um brilhozinho de alegria na alma, que justifica uma ida à casa de banho para lavar a cara com água fria. Para que o choque térmico traga a lucidez de encarar uma promessa de alegria e dissolva o sono. Para que o novo dia não seja o prolongamento da angústia ensonada da noite, mas antes uma brisa de suspeita de algo mais...  da emoção de um amor sonhado, vivido, inventado, real , longínquo ou passado ... que talvez exista, sei lá ! Existe real ou virtualmente e vai trazer sol no coração... que nos transporta para a esperança, para a busca, para a imaginação ... que procura modos de encontro, com a certeza de que, por mais complexo que possa ser , haverá um caminho , um esquema rebuscado para comunicar, ver, apalpar, sentir sem toque, olhar, mergulhar na mente... e fazer tantas coisas que só o amor nos permite engendrar! 

É preciso é haver amor, que exista um qualquer ser que nos ame - com ou sem reciprocidade - que torne a vida na tal missão, a única porque vale a pena viver e acordar feliz em cada dia.

Pode ser o amor a uma causa, a um projeto... ou a uma pessoa especial.

Pode ser tudo, desde que lhe chamemos amor.

Pode ter nascido de uma paixão avassaladora, de um delírio louco, pode ser uma amizade especial, pode ser um cabaz de afectos, um depósito de intimidades... vale tudo, chamemo-lhe qualquer nome.

Amor é Todos Os Nomes. É o tudo universal que nos mantém vivos a sorrir, quentes no inverno, na velhice, na pobreza ou na doença. Estas últimas partes são desejavelmente dispensáveis, mas existem... e o Amor aguenta-se.

Triste de quem nunca se apaixonou e perdeu a chance maravilhosa de perceber que amar pode ser uma missão gratificante e total, pode ser A Missão! 

Estou velha -  oficialmente daqui a dias - na prática, estou velha desde a última vez que perdi uma paixão-amor, suave e doce! Estou velha mas não atrasada, estamos sempre a tempo de amar e ser amado.Todos nós, sem idade, sem pressa e sem prazo.

Para além das perdas e dos equívocos, continuo a amar e a sentir-me amada, feliz por espalhar alegria e conforto a todos os meus amantes reais, virtuais, irreais, fantasmagóricos ou mesmo os equivocados, os frios e os descrentes nesta causa, que se têm cruzado comigo nos últimos anos. Todos transportam ou buscam esse elixir que os pode transformar em agentes secretos da tal missão espantosa - 007 Ordem Para Amar!


segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Forrest Gump

Run, Forrest run!


O estranho síndrome Forrest Gump assalta-me por vezes com grande acuidade, como uma força que impele a urgência de fugir, de correr sem parar, para fugir daqui, depressa... já... sem destino, só pelo prazer de sair para um lugar incerto... que fica em frente e não tem retorno à vista. O maior prazer é saber que fica em frente, numa estrada que se abre mas cujo destino se desconhece. É um impulso que vem de dentro. Uma mola chamada Ir!

Pode ser estranho, um pouco assustador mas simultaneamente parece fácil de executar, não carece de objetivos precisos nem de planos traçados, basta ir em frente, pois será o próprio caminho a orientar a senda a prosseguir.

As surpresas da viagem são o único empurrão, a força motriz, a par daquilo que é preciso mesmo fazer para ir sobrevivendo: comer, dormir, responder talvez a algum rasto de espanto...  Ir é o único objetivo, a única certeza é que não se pode parar, há que continuar a correr ou a caminhar mais lentamente se o corpo cansar, sabendo que é o destino que nos orienta e surpreende e que não tenho de me preocupar muito mais com as consequências.

É ir, mochila às costas, mantimentos básicos, alguns abrigos para pernoitar, um lugar quente para parar, refletir, descansar e prosseguir ...  até onde não sei e essa é a parte gira.

Ir porque sim, porque o imobilismo e a angústia me tolhem e cortam pedaços de vida. Ir porque o meu lugar pode não ser aqui, porque pode não ser em lado nenhum, mas só o movimento o comprovará. Porque a vida, o amor e o meu papel de gotinha insignificante no universo deve estar algures por aí, à minha espera.

Ir porque a estrada é larga e parece comprida demais para que faça sentido fixar uma meta. Por isso, há que ir sem ambições, nem destino, pelo amor à natureza, à vida e aos outros (eventuais avatares), pessoas não familiares, sem compromissos. 

Gente que encontrarei e me será indiferente, me tornará invisível, gente simpática e acolhedora mas sem amor para dar. Gente louca e capaz de se apaixonar e de me levar a voar. Gente simples que me aquecerá as noites mas não a alma, gente boa, gente má... que nas bermas da estrada encontrarei. 

Não sei muito bem para onde vou, mas talvez reconheça essas pessoas e esse lugar de destino, aquele que me dará um abrigo feliz e a plenitude de me sentir útil aos outros. Só essa retribuição me dá alento. Esse lugar de paz, de me encontrar com a minha própria existência, da qual até eu própria duvido, é essencial. Há um ponto de equilíbrio e recompensa, de felicidade, até ... no fim desse caminho para onde vou a correr estupida e caoticamente como o F.G.. Onde fica, não sei .

Talvez descubra, talvez não!

Mas para isso é preciso correr sozinha, que é como estou e me sinto. 

Foi a solidão da liberdade que escolhi, foi nela que mergulhei conscientemente e em alegria. Não culpo ninguém, não posso esperar nada dos outros; nem de apoio, nem de compreensão por parte de alguém.

Não posso exigir nada. A única coisa que ambiciono não se exige, nem se compra, nem se procura. Alguns encontram, como que por acaso ou por milagre, têm sorte. 

Também já tive: vislumbrei e vivi intensamente, enquanto foi possível, a centelha brilhante de um alma enamorada, espelhada em olhos alheios, que me confirmaram a sua existência. Foi bom. A paixão dura o tempo da passagem do cometa mas fica, cá dentro, um brilho que até na escuridão eu vejo. E sei ver se é amor, se a poeira dourada deixada pelo astro é minha e me alimenta e adormece. Mais ninguém vê, muitos nem sabem desta reserva de energia vital. Armazenei uma reserva de paixões vividas e consequentes, fazem parte de mim. São talvez o motor que me impele a correr pela estrada imensa, de aparente non sense, que a simplicidade de um Forrest Gump meio tonto me inspira.

Pego na mochila. É noite de nevoeiro, o outono chegou de mansinho, com calor diurno e com frio e humidade na noite que sobe do mar. Vou para a rua num lugar quase desabitado, rural, distante? Só teria o barulho do mar como companhia e orientação. 

Se sair agora vou enfrentar o desconforto da noite. Posso esperar pela claridade da manhã e partirei com alegria no bolso, à procura de um aconchego. De um abraço com dois braços e não apenas um encosto de um só braço. De um beijo com dois lábios e não de um toque atarantado. De um sono a quatro pernas em vez de uma caminhada só com duas (as minhas). De uma vida a duas vozes, de vozes que transmitem os pensamentos de duas mentes, que sendo diferentes as trocam como iguais

Porque o melhor do mundo é a intimidade, a amizade amorosa repartida num almofada, um abraço colado e sentido... de dois braços.

E a solidão da partida pela estrada aberta da liberdade só tem um braço, ou nenhum. 





quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Poema de Amor



fico admirado quando alguém, por acaso e quase sempre
sem motivo, me diz que não sabe o que é o amor.
eu sei exactamente o que é o amor. o amor é saber
que existe uma parte de nós que deixou de nos pertencer.
o amor é saber que vamos perdoar tudo a essa parte
de nós que não é nossa. o amor é sermos fracos.
o amor é ter medo e querer morrer.
José Luís Peixoto, in A Criança em Ruinas


segunda-feira, 24 de agosto de 2020

A vida vive-se hoje


 

A vida vive-se hoje !
Na paisagem bucólica das margens do Rio Lizandro, roubei marmelos. Marmelos não são roubo, são nossos e da natureza. Tal como os beijos roubados pertencem a quem os dá. 
Quanto à marmelada, logo se vê. Espero fazê-la na cama, no sofá, na relva, na praia... mas não na cozinha (reservada a outros dotes).
Não vou pensar nisso, agora, porque faço intenções de provar das duas marmeladas. A vida vive-se hoje e nos amanhãs que sonharmos, com alegria e esperança. Com a doçura da marmelada, das compotas e do amor. Esse mesmo! Amor do bom, daquele que não necessita de adição de açúcar .
O meu doce sou é que o faço, saboreio e devoro... imune às declarações de velhice ou desculpas de faltas de líbido. Isso é estar morto e não ter interesse em viver a vida hoje, tal como ela se apresenta...  a vida que é tão boa... até esteve sol! Essa é para mim, que acredito e vivo o presente, com tanta força, alegria e determinação que serei capaz de afastar as estúpidas sombras da decadência libidiana (ou será libidinosa?). 
Porque sei que se eu não agarrar a pequena faísca e a atiçar... as chamas crescerão noutro terreno longe de mim.  Eu quero o fogo, o calor, o melhor, tudo aquilo que mereço e fabrico com a imaginação e a devoção que sentimentos verdadeiros tornam fáceis.
O penúltimo fim de semana já passou, tentarei esquecer... será uma nuvem escura, que passou e não deixou brilho... apenas sapatos velhos... até ao dia em que esses pobres trastes arderem, não de paixão, mas no lixo do esquecimento .
Agora estou cá eu, para brilhar e ser feliz!



quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Treinando a indiferença

 


De férias na praia, a vida vai-se vivendo em modo de realidade virtual... tudo é fluido, alegre, distante da realidade do dia a dia. 
Os problemas ficam longe, os medos meio esquecidos não assustam, sobre o futuro pensa-se mais tarde, os afectos de hoje mesmo à distância de um telefonema parecem chegados, queridos e seguros. 

A presença da sua ausência dá-me uma sensação de tranquilidade.

Estranhamente, quando volto à cidade e mergulho no real, nas contingências da minha vida tão inconstante do ponto de amoroso, o stress regressa. É a insegurança de se saber (ainda) amado, é a percepção de que ele foi sujeito a doses maçicas de amor e carinho doentiamente marcantes, bruxaria a que não é imune...  que está de barriga cheia e, como resultado, eu não faço muita falta. 

Apetece-me perguntar: então como foi? E nós como estamos depois do teu mergulho na outra piscina de água fresca de beijos quentes? O que mudou? Porque as pessoas que passam ao nosso lado, por pouco dias que sejam não nos deixam indiferentes, por muito ligeira que a relação possa ser (eu sei que é séria e perigosa!), algo muda. E quanto maior o silêncio dele, mais eu suspeito que algo mudou ... e pode vir a distorcer os caminhos que eu vejo tortuosos e complexos.

O não falar sobre o que se passou no fim de semana é sintomático de que não há coragem para contar, para não falar em sentimentos e intimidades, em mudanças sérias, nas razões profundas para que o políamos tenha voltado a estar na berlinda (a carta da Beatrice, certamente ajudou a fazer a cabeça) ... não vá o tema levar ao ciúme ou à reprimenda... não vá aguçar a dor.

O lar do qual eu intermitentemente faço parte é um lugar acolhedor e não deveria ser fonte de angústia. Não é a minha casa mas podia ser um porto de abrigo, confortável, acolhedor e amistoso. Lindo e cosy como é. Devia ter um bom feng shui. Porque tenho então tanta dificuldade em regressar e adaptar- me ao ambiente? Porque sinto que na minha ausência, algo pode ter mudado com consequências negativas para mim ...  e eu não sei.

 

Comigo, esperava e preferia abertura e transparência. Saber tudo o que vai naquelas cabeças. Como correm as suas práticas gestuais. Porque só com essas informações sinceras e abertas, eu poderei avaliar o meu lugar no meio desta vida. De outro modo, sinto-me uma intrusa que não está à vontade para viver em alegria uns dias de intimidade e amizade sólida. Á vontade e com liberdade para ser eu, a quente. Sinto-me tímida e deslocada. Sinto-me estranha numa casa, que sei não ser minha, mas onde poderia estar em paz e sentir-me confortável e desejada por aquilo que sou como ser humano. Por ser valorizada pelos meus sentimentos que são nobres, sérios e desinteressados... carregados do afeição que trago para esta relação. E que às vezes tenho vergonha de expressar - como gosto e me é natural - porque temo ser recebida com indiferença. Daqui só espero amor, ou pelo menos afecto amoroso numa dose razoável e digna. Algo que me acolha com dignidade. Que não me faça sentir a mais, que não me sinta como sendo uma opção pior que as outras. Não venho por inércia, nem para ocupar tempos livres, nem para fazer agenda.

O meu lugar de felicidade, pontual e controlada,  é aqui. Porque me sinto bem se houver reciprocidade. Se me receberem com gosto e com desejo... se for frouxamente acariciada ou mesmo repudiada com o argumento da velhice.

Sei que a velhice física (mecânica) não existe, com ele e neste momento. Apenas a velhice sensaborona, psicológica, de quem precisa de novidade, do picante de mulheres diferentes e capazes de surpreender pela inovacção, pela perspectiva de vir a ser uma conquista de resultado imprevisível. É alguém que carrega o glamour de uma quase ausência ou maior afastamento conjuntural. Quando veem, sendo raras... sabem melhor... trazem o exotismo e o picante... agarram-se com outra chama...

Sinto a falta dessa chama mais quente da novidade inicial, quanto tudo era novo, eu era um bem escasso, era excitante e os encontros secretos e difíceis. Esse picante poderá ser renovado, imaginação não me falta... mas as antenas estão viradas para o excêntrico das situações mais raras e potencialmente mas excitantes.

Daí que talvez esteja mais interessado em guardar o vigor físico para sessões mais importantes.

E eu de lado, atrofio e não ponho o meu potencial na mesa. Sinto-me deslocada, intrusa, chata e incompetente na cama.

Naquela mesma cama, onde outros abraços tiveram outros sabores ... certamente gostosos. 

E por isso mesmo me retraio e a frieza instala-se durante o dia, porque a noite foi morna de interesse e desejos. 

Porque eu não quero estar aqui por obrigação para marcar agenda.

Quero estar porque gostam de mim e faço falta... por sou eu, e tenho valor como ser humano que tem muito para dar... porque sou eu e sou diferente e única. E o tipo de amor que tenho para dar é sólido e real, é especial porque eu também o sou. 

Talvez esteja a investir o meu talento no foco errado. Talvez a solução seja ficar fleumaticamente indiferente ao que se passa aqui e encontrar uma alternativa, nem seja para ocupar tempos livres. 

Fazer um part-time num ambiente onde seja compreendida e amada pelo que sou, pelo meu jeito especial para amar todos e muita gente. 

Gente aberta e receptiva, sem a cabeça enxameada de investidas femininas. Enjoado de tanta meiguice, ele foge dos compromissos quentes, prefere a liberdade da frieza e segue uma via pontual e distante. Quanto mais longe, mais frio e mais livre a relação... e mais só!

Quanto mais plural, menos monopolista e compremetedora será. Nenhuma terá privilégios, nem exigências. Todas estamos na mesma situação de risco de sermos despachadas, se reclamarmos ou mostrarmos insatisfação.

Por mim, sei que sou livre de fugir daqui logo que me sinta desconfortável e caso venha a ouvir: a porta da rua é a serventia da casa!

Este lugar é algo que me atrai e me repele. Uma casa acolhedora, mas amor e uma cabana é sonho impossível... é mais uma porta de quintal que se abre à minha fuga. 

Na certeza, porém, de que não haverá lágrimas para regar o jardim. 


segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Indiferença

Não encontro melhor nome para chamar ao estado de letargia e de distanciamento face à vida, às suas contingências e problemas. Um estado a prolongar-se no relacionamento com os outros... sobretudo, com aqueles que verdadeiramente importam nas nossas vidas. 

Chegar a este ponto de frieza pura e de ausência presente é talvez como chegar ao nirvana, para quem sabe e entende o que isso é. 

Está-se por cá, mas não se sentem as dores de viver...

Bom ou mau? Não sei, mas é um modo de estar, talvez com vantagens, talvez não. Uma maneira de viver em linha infinita, isenta de sensações, como o horizonte de um mar de paz, cinzento e seguro, imenso e azul.

A indiferença pode fazer a diferença entre a sensação de paz e a ansiedade.

Pode ser uma paspalhice chata, mas também um antídoto contra a inquietude, o amor, a dor de viver e todas aquelas coisas que nos desatinam por dentro. Coisas capazes de trazer alegrias e tristezas, coisas incertas, inseguras, surpreeendentes... para o bem ou para o mal. Perante a turbulência, a indiferença será a solução?

A indiferença é como uma espécie de férias (prolongáveis, se possível), um interregno, uma proteção contra o desgaste, contra os problemas, contra o medo, contra o futuro. A indiferença isola-nos, retira-nos do meio onde vivemos - agitado, fervilhante... perigoso até - e, assim, evita maiores dores.

É uma forma de branqueamento da alma inquieta, uma limpeza higiénica dos problemas e dos muitos tipos de vírus que a relação com os outros e com o mundo nos poderá trazer. Claro que se a desinfeção for muita, na água do balde vão também as paixões e as alegrias maiores.

A indiferença evita fleumaticamente os extremos - nem demasiado calor perante os afetos e a sorte, nem demasiado sofrimento para com os lados mais escuros da mente e da vida.

Ter uma camada protetora para minimizar os estragos tem como consequência não aproveitar a plenitude dos sentimentos. 

A indiferença, como modo de estar, é uma espécie de preservativo - evita acidentes mas reduz o prazer

Será que a tranquilidade só é possível para quem grangeia uma certa maneira de viver o mundo, a frio e com distância?

Será que é preciso tomar como vacina a Indiferença para sobreviver nesta selva?

Indiferença traz distanciamento (real ou sentido) e pode virar esquecimento, a prazo...

Traz frio... congela corações ardentes. Traz quietude e o bem-estar do sossego, talvez...

É bom parar, olhar o mar e pensar, por pouco tempo que seja, que o mundo real está longe... que não incomoda e não é perigoso, que as paixões não existem e não magoam... 

Que o mundo é cor-de-rosa...

Uma droga psicadélica daria os mesmos resultados, talvez, um ansiolítico moderno, também. Mas para alguns basta um banho de indiferença interior para que fiquem naturalmente protegidos dos incentivos gritantes de fora. 
Para quem consegue um certo grau de distanciamento e quietude interior, o mundo pode não ser cor-de-rosa, mas talvez não seja totalmente cinzento, pode ser azul claro desmaiado ou amarelinho casca de ovo. Para esses, certamente é melhor assim, do que viver com cores fortes: vermelho-paixão, roxo-fantasia, turqueza-alegria ou amarelo-sol. 
São cores demasiado "demanding"...
Quem quer uma maior proteção contra o mundo do amor, do compromisso e da ansiedade, deve tomar Indiferença e deixar-se ir...
Boa ideia! 
De qualquer modo, é para nos deixarmos ir que nós cá estamos: para ir sem muito esforço, nem muito gozo... ir em liberdade, sem compromisso, desabrigadamente sós...
E assim, dormir sossegado, sem insónias, pensando que amanhã não há nada para fazer, nenhum sentimento maligno para nos incomodar, nada para nos assustar... que amanhã será mais um dia de sol e de mar... para pasmar e não pensar. 


sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Sexy


O que é ser sexy?

Quando é que uma mulher deixa de ser sexy? 

Temo que ninguém me vai poder ajudar a encontrar uma resposta. 

Terei de ser eu, sozinha mais uma vez, a encontrar o porquê das coisas.

Porque ser sexy não depende só de nós , dos nossos atributos físicos, da nossa capacidade de atração, de ser capaz de seduzir, sem esforço, nem artifícios o sexo oposto.

Ser sexy é algo que trazemos conosco, que podemos até cultivar e melhorar ... mas é sobretudo aferido pelo impacto que provocamos nos outros .

No meu caso estou a pensar em homens, mas quiçá eu até possa vir a interessar a uma mulher. Não descarto nenhuma possibilidade. 

Ser sexy não é ter pernas longas, sapatos altos, corpo de estrela ou vestidos provocantes. Claro que todos estes apetrechos ajudam a fomentar o imaginário masculino, mas não chegam para se passar à prática.

Depois de despidos os adereços e a maquilhagem, numa nudez verdadeira assumida, num corpo que não sendo perfeito é muito estimado por mim... eu sinto-me sexy. Sinto que carrego a energia poderosa da atração, da alegria partilhada, sinto-me capaz de semear numa mente masculina o elixir da juventude, o interesse pela vida..  

Sei que sou sexy, se quiser e me esmerar!

Tenho força para isso, gosto pela coisa e nada me dá mais prazer do que fazer um homem sentir-se homem. Homem por inteiro, cabeça e coração em alvoroço perante o suave perfume da feminilidade.

Pode ser velho, estar cansado, ser mesmo fisicamente impotente... mas é a mente que comanda a vida, é o interesse por mim ou por outras mulheres ( ou homens se ele for doutro clube).

A sexualidade é uma coisa intrigante, misteriosa, variável ao longo da vida... mas não deve desaparecer, ninguém deve desistir dela . Parar de ter interesse pela coisa é morrer. A velhice não é desculpa!

Infelizmente, há tantos mal-entendidos sobre o assunto que muitos pensam que uma pilinha avariada é o fim de carreira... lol

Um dispare completo!

Há caminhos insondáveis que nos podem conduzir a uma sexualidade sã, descomplexada, adaptada ao ritmo de vida, que vai mudando com a idade e as rotinas domésticas. 

Que estas não sejam desculpa para a falta de interesse. 

Eu sei que posso agradar a muitos homens , eu sei que mereço ser reconhecida como sexy, por isso se alguém deixa de olhar para mim com “objeção sexual”, fico triste. Se olha com desfastio, como se eu fosse uma peça da mobília, útil e confortável, agradável se estiver calma, calada e não reclamar muito... serei apreciada, mas não me chega. 

Apreciada como uma companhia simpática, como uma boa pessoa... mas não como alguém com algum  interesse sexual é bom, mas sabe a pouco. Sentirei que sou gostada pela utilidade que tenho e não pelo ser humano que sou!

Do mesmo modo que preciso de carinho, de afagos, da ternura de uma meia idade de doçura e companheirismo, preciso de me sentir mulher.

Eu sinto-me mulher, gosto de mim e do meu corpo, sei da minha meiguice... do meu talento para amar... 

Mas tenho de admitir que posso não atrair toda a gente. Nestas coisas há um ingrediente secreto que faz com que a empatia não exista entre todas as pessoas. Há quem se ligue genuína e automaticamente - diz-se “nasceram um para o outro”, há outros porém que criam laços baseados em fatores mais físicos ou mais amorosos , sentimentais...

Todos são relacionamentos empáticos. 

Todos são válidos e gratificantes, se ambos se sentirem bem assim.

A única coisa insuportável para mim é o desinteresse pela minha pessoa, mais concretamente a indiferença, a falta daquele “piquinho a picante” que se pressente no calor de uma mão dada, porque apeteceu inopinadamente, num encosto, num afago, no prazer do contacto da pele, do sabor das mãos navegando por todas as partes queridas, das pernas entrelaçadas, de conversas soltas ou entrelaçadas nas mesmas pernas ou sob a forma de um abraço . 

Gostar disto tudo, ter imaginação para inventar combinações variadas e gostosas destas coisas todas, é ser sexy. 

E reparem que já referi muitas maravilhas de carinho ... sem falar em amor ou em sexo na sua forma mais prosaica  e limitada - penetração “toca e foge”, em versão rotineira.

Eu sei que consigo ser sexy e dar alegria e carinho  a um homem, mesmo cansado e velho. Mesmo sem sexo “tradicional”. Com ou sem Viagra...

Mas o facto de eu me sentir sexy, não significa que todos me vejam assim, até quem já me olhou, em tempos, com interesse sexual, pode sentir-se farto da rotina e querer variedade.

Não  sei se serei capaz de forçar alguém para me ver como eu acho que sou.

Os olhos dos outros é que importam. 

Talvez eu possa melhorar o meu visual, ser mais alegre e menos “complexa”, puxar mais por mim para valorizar a minha sensualidade intrínseca, dar o muito que tenho para dar em afecto e prazer. 

Mas para eu dar é preciso que haja quem esteja predisposto para o receber.

Se calhar estou a dirigir as minhas atenções para o alvo errado... que está com a cabeça noutro lado. 

Tem “novidade” e diversidade em fila de espera, precisa de alento para gozar essas benesses. 

Para mim, pode estar velho e não me achar sexy  mas acho que poderá encontrar um planalto de sensualidade tranquila, calma, feliz e excitante num promontório à beira mar, noutra companhia. Certamente o fará e aí não vai dar a desculpa da velhice. 

E deve fazê-lo se é isso que o faz feliz. Tem uma conquista difícil pela frente - as mulheres difíceis e que dão muitas negas, são as mais apetitosas - porque quando eles conseguem uma vitória nesse campo, sabe a um louvor ao seu potencial masculino. São um desafio! Uma vitória se houver sucesso. E os homens gostam de poder e de vencer.

Que melhor prenda do que receber a meio da noite uma mulher na cama, aberta para si, aquela que horas antes se fez rogada e lhe deu tampa,  mas depois retrocedeu, sucumbiu ao desejo pela sua pessoa... e rendida caiu nua nos seus braços?

Se pelo contrário, na fila de espera há uma virgem carente de afeto, desamparada e pseudo-apaixonada, pronta para tudo em troca de uma ilusão de carinho... aí, o prazer ainda é maior. Tem dois resultados bons: 

1) por um lado, ele sente que está a fazer uma boa ação, a elevar a auto-estima dela e a dar-lhe a migalha que a fará feliz, compensando assim o seu desvelo;

2) em segundo lugar, receberá belas contrapartidas de carinho genuíno , empolgada pela fantasia do amor apaixonada, aliada ao sentido trágico de que a pobre virgem desvalida, sofre e sabe ter um amor impossível. Ama pelos dois, dá tudo o que tem ao seu paxá, abre-se de pernas e braços, acredita na sorte e no fantástico futuro em que ele (o pobre tonto , ignorante nestas coisas do amor) um dia acorda e vai reparar na boa amante apaixonada. 

E o tempo passa, um amor inventado pela fantasia da precisão vira compromisso sério. Quatro anos não são apenas muitas cambalhotas alegres, são laços fortes que se podem tornar nós. 

Ser amante não é o mesmo que ser amigo. Tem a agradabilidade das benesses recebidas, mas uma ameaça de “prisão” afectiva. 

Em contrapartida e no extremo oposto, gostar de uma pessoa e ser sexy também não é garantia de se conseguir ser aceite e vista como tal. 

Portanto o que eu penso sobre mim e sobre as outras todas, não tem grande interesse para o desenrolar dos acontecimentos...

É ele que contará a estória da sensualidade condicionada, da maneira que lhe convier e a quem interessar,  é ele que se deixará gastar por quem tiver mais força  mais fome , melhor estratégia de invasão territorial e capacidade de dar a volta à pilinha e à mente de um “velho”.

Estou neste limbo de velhice falsa, forçada e explorada... mas estou porque quero!

Mais um vez a decisão é minha, de partir ou de ficar ... decidir se devo investir mais em mim, de acordar a minha sensualidade desprezada e mostrar o seu poder ... ou então, considerar que é mais prático que alguém o acorde a ele por mim.... e desligar ... deixar andar ...

A novidade e a escassez de tempo da vida com as outras, aguçam o engenho e certamente virão artilhadas para vitórias de sucesso, capazes de combater a velhice ditada pela morronice da minha rotina despretenciosa, talvez preguiçosa...

Preguiçosa eu sou, mas não estou a dormir ... e sou sexy.


PS - sou sexy para quem me entende e merece. Eu sei que ele merece, mas nem sempre me entende. Quero um velho de cabeça nova , o resto “repara-se”... se houver vontade.

Posso é não ser eu a mecânica escolhida . Há stands com grandes recursos e tecnologias. Não quero concorrer.

Quero ser eu! Sou boa, só preciso de uns saltos altos (não para ser mais sexy, mas para me verem melhor!).










quarta-feira, 29 de julho de 2020

Fantasia e Realidade


Quando é que a fantasia de transformou em realidade?

Porque é que a minha vida é uma constante montanha russa do cimo da qual se tem uma visão alterada da vida e ora se imagina que o inimigo está agindo em estúpida fantasia romântica e inofensiva, ora é mesmo um agente ativo e real?

Já não sei em que acreditar: a minha perceção dos factos, oscila entre o otimismo de uma fantasia ingenuamente irreal e o medo de uma realidade firme.
Vivo num cenário em que o meu papel depende da forma como as outras personagens atuam e interagem. E sei pouco sobre a peça que ensaiam às escondidas. 
Não tenho a certeza de que se trata de uma peça de teatro, ficção irreal e passageira, ou se pelo contrário se trata mesmo de uma cena da vida real. Assisto. Tento ter calma e assistir discretamente ao desenrolar da coisa, num estranho limbo que ora me parece exotérico, ora me cheira a sério. 
Assim atentamente, porque disso depende o meu caminho. Estranha vida esta que depende a todo o tempo da leitura que faço das interações entre duas outras pessoas, de um conjunto de que não faço parte. Pouco sei que me permita guiar. Ando às apalpadelas. Socorro-me de pequenos sinais, de objetos deixados por aí... 
Sinto-me segura se vejo Fantasia na outra parte, vacilo quando ela tem contornos de Realidade.

O que é um facto é que a fantasia não vive do nada, ela tem de ser alimentada. E eu vejo que há auto-alimento de um lado e algum incentivo do outro. Com o passar do tempo, os hábitos que podem parecer infantis, românticos e inóquos deixam de o ser... passam a ser vivências reais e sólidas. O estatuto consolida-se, com base nas práticas. É uma especie de direito consuetudinário.
Há precendentes, há um historial, há gestos e factos... e os precedentes, como todos sabem em jurisprudência, fazem lei.
Um(a) amante não o é por via de ter um estatuto escrito, por haver aceitação social, pela visibilidade pública que os cerca. Também não são os pequenos grandes gestos que se praticam e são comuns a qualquer tipo de relação amorosa/conjugal que definem o conteúdo intrinseco de uma relação - mais beijo, menos carícia, mais abraços, menos cambalhota - o que importa mesmo é o conteúdo sentimental da relação. Também não é decisivo o tempo de permanência conjunta dos amantes, a distância até pode ser polarizadora da intensidade das emoções.
O que conta são os laços de afecto que se estabelecem entre o par, que se mantêm até quando os envolvidos lhe chamam de amizade. Se forem fortes esses laços, a relação é realmente amorosa. Pode não ser de paixão, mas é sólida. Chamem-lhe o que quiserem, mas se duas pessoas se mantêm envolvidas afetuosamente durante quatro anos, quando na prática não há motivos materiais de interesse, nem a conjuntura dos encontros é a mais favorável para a persistência da relação, é porque lá no fundo há algo de sério e importante. É porque o verbo gostar faz sentido para eles. Mesmo que a noção de amor seja difusa e não consensual, mesmo que na verbalização recusem um compromisso amoroso ou outros, mesmo que o desapego e a liberdade individual sejam a bandeira que empunham (para se defenderem), a verdade é que a permanência da união em espírito, marca!
Marca e comanda um eventual futuro. Quatro anos é demasiado tempo para brincar, não é tempo de namorico, nem aventura de gabirú, a idade e o contexto não é esse. Numa idade em que o aconchego, a companhia, o calor humano e a bondade contam mais dos que os amplexos estonteantes do amor romântico ou carnal, o que mais importa é a calma feliz da amizade com conteúdo.
Friends with benefits!

O termo serve para referir outra coisa, aqui serve perfeitamente para justificar esta friend que traz como benefits não necessariamente uma noite mais colorida, mas um profundo amor escondido debaixo da pele. Amor que não existia ao princípio e que foi sendo forjado como matéria de interesse.
O certo é que mesmo nascido da carência material e do interesse, se transformou em fantasia... e que, com o passar do tempo, o sonho virou realidade. Primeiro, só para uma das partes,
depois a doença poder-se-á ter pegado, alastrou ao par...
Hoje não sei se a fantasia não é já vista pelos dois como realidade.
A relação tem todas as condições para isso. É do interesse de ambas as partes, pode não ser a solução ideal para uma, mas é agradável e preenche um buraco enorme de carência, romantismo e auto-estima. Só por isso se torna muito gratificante. 
Se a tudo isto somarmos uma boa dose de tolerância, um adequado sentido de respeito pela liberdade do par, a imensa resiliência de uma heroína e o espírito de aventura de uma alma curiosa, temos os ingredientes certos para que dê certo...
Certo, duradouro e imparável. Porque não há nada que pare a esperança.

Nem tudo é cor-de-rosa certamente para esta heroína. Haverá momentos de quebra e desalento, haverá dúvida sobre um futuro um pouco sombrio, mas o otimismo prevalecerá. Uma alma alegre, aventureira e com fé, que vive no presente e só para isso, sobrevive melhor às agruras. Depois quem já não tem nada de seu (ou tem muito pouco) também não tem muito a perder. É pouco exigente, agradece à fé, aos deuses ou à sorte, ou àquilo em  que que acredita, tudo o que tem hoje. Pouco importa o amanhã... que só poderá ser melhor, concerteza. Vive o presente, porque leva o coração cheio de amor.
Transporta amor e energia interior em tal doses, em tal quantidade que nunca falta para dar aos amigos e aos amantes reais ou imaginários. Semeia carinho, esperando colher os frutos mais apetitosos mais doces. Faz compota de beijos amargos. faz marmelada com ou sem marmelos e fica feliz... mesmo que o açúcar não fique no ponto.
O tal amor construído que por vezes eu vejo como Fantasia e depois descobro que afinal pode ser Realidade!
Dói. Dói, porque a realidade é crua e dura, é verdadeira enquanto a percecionamos assim.
Tal como a montanha russa, um dia a realidade está em cima de mim, noutros dias dá a volta e eu creio só ver fantasia. 
A fantasia é menos preocupante, parece incorpórea e passageira.
Hoje devo ser eu que estou a ver mal, parece-me mesmo estar em frente da realidade na sua dureza mais crua. É aí que devo morar... e aguentar. Os sonhos ficam para outro dia... para quando a fantasia da bruxa me sobrevoar bem alto, voar para longe. a cavalo na sua bicicleta alada.


segunda-feira, 27 de julho de 2020

Mar


Amar rima com mar!
E tal como o mar é belo, inspira cuidados, transita em perigos. Assusta e atrai.
Amar ... a plena sensação de completude e de que  vale a pena viver.
O amor preenche-nos e submerge-nos, é um mergulho em águas profundas, quentes, um pouco escuras ou nebulosas, para os que ficam toldados pela energia avassaladora dos sentimentos. Quem ama não vê o que se passa à sua volta. Cego, enrolado sobre si, embrulho de emoções em movimento circular, molhado de mar profundo, vindo à tona de água, o amante respira o sol e agradece a felicidade. Quando disso tem consciência, claro. Porque, na maior parte das vezes, um estado de paixão é de tal modo inconsciente que nem se tem a percepção de que se está a viver um momento excepcional ... e finito. 
Não se pára para pensar: estou feliz! Perda de tempo pensar, vive-se, simples e sofregamente o acontecimento - o estado de graça ... algo que vem de dentro, não se limita a acontecer.
 A maravilhosa sensação de bem absoluto cobre tudo e voa-se, vive-se no ar ... julgando que será para sempre... Perde-se a noção de espaço e de tempo. Está-se nas nuvens, diriam os românticos, está-se em paz e simultaneamente em reboliço interior. É uma confortável contradição, os amantes julgam-se diferentes, especiais, benditos, predestinados.
Estar in love deve ser algo de parecido com a sensação de poder de um revolucionário, é-se militante de uma causa em que se acredita com tal força que nada os faz parar. 
Esta revolução emocional, este estado de turbulência de ondas quebradas na areia pode ser vivido e sentido, a sós ou em parceria. 
Quantas vezes é a sós, quantas vezes o Amor é um sentimento unilaterial, incompreendido pelo ser amado, prazer individual e solitário, sem contrapartidas, nem retorno afectivo, impossível ... e não obstante intenso.



Mas se for a dois, elás!
Se ambos souberem nadar com o mesmo ritmo e energia (raramente acontece), então o mergulho será total, no fundo da gruta marinha,  espraiando-se felizes entre conchas e búzios, bichos estranhos que nos parecem radiosos, adormecendo por fim na caverna de Ali-babá, cercados de pedras preciosas raras, descobrindo outras joias, em cada pedaço dos seus corpos, com o desvelo de um ourives marinho que inventa preciosos artefactos de prazer novo.

No meio dos limos e das algas, das sombras e do ondear das águas, os amantes reluzem a luz emanada dessas joias raras, dos beijos e dos olhares, dos sonos entrelaçados qual lianas marinhas. Do acordar em esplendor porque o corpo também conhece auroras boreais ou simplesmente o alegre nascer do sol, que acontece devagarinho sobre os corpos nus ainda adormecidos.
O amor é raro e precioso. É quase tão impossível quanto achar o segredo da gruta do Abre-te Sésamo. 
O amor é uma história... acredita quem quiser, a coleção de pedras preciosas e os ouros que carrega, se alguém os achou um dia, serão fonte de riqueza para sempre.
Quem ama não esquece. 
Mesmo que o objeto-pessoa desse amor se esvaia, fica a marca do sentimento vivido. Riqueza insubstituível da memória.
Nem todos têm a felicidade de ver essa luz maravilhosa, de tocar o ouro, de o trazer para casa, ... para o perder um dia. 
Lembrar-se-á, mais tarde, que foi rico, que ainda é rico porque um banho nesse mar, já memória, será fonte de vida para sempre.
Quem sabe que ele - o Amor - existe, nunca perderá a esperança.
O sonho do (re)achamento é um barco onde se pode navegar em segurança... O sonho leva-nos longe, comanda a sorte e levar-nos-á a bom
porto, talvez a um outro amor, talvez a uma nova morte ...



Quem tem medo do mar, quem desconfia do poder mágico das ondas e do prazer, da profundeza dos fundos ricos de descoberta partilhada, quem não fantasia, talvez nunca o encontre. É no fundo do mar e de nós mesmos, no lugar revelado em intimidade pura e aberta, que se encontra o segredo. Dar tudo - corpo e alma - para tudo receber. 
Dar, sobretudo, Intimidade que é a fonte do amor partilhado.
Porque o amor não existe para todos, não se mostra e não é visto pelo comum dos humanos racionais e outros que tais. 
Só os príncipes serão capazes de o alcançar: no céu, nas estrelas ou no fundo do mar. 
Só os artistas o saberão criar. Porque é preciso arte e talento para tal bem forjar. Porque é preciso a inteligência da alma para o alcançar.
Amor é ficção, construção solitária ou em
parceria. É edificação invisível para quem está de fora, mas bem real para quem, lá dentro, vive o aconchego desse lugar mágico. Pode morar em sítio seguro e duradouro ou viver tipo cigano, em bolandas. Pode ser fugidio, curto e intenso. Mas também ser calmas águas de um infinito oceano azul e doce, que conduz os amantes ao êxtase até ao fim...
Pode ser jovem e inconsciente, pode ser maduro e constante, pode ser doloroso ou gratificante. Pode ser e é isto tudo.
Gosto de pensar que será uma onda gigante e eterna de beijos e afagos, sentidos com a seriedade que se exige e com a loucura da desorientação que comporta.
Porque se não começa por ser louco  e destrambelhado, é porque não mexeu o suficiente com os nossos interiores para os mudar e nos levar a ser melhor. Sim, porque quem ama é melhor pessoa do quem desconfia, foge e teme o mar do amor.   Há quem nade para a costa que nem um náufrago atarantado, quem fuja do amor (e do compromisso) como se de doença se tratasse. 
É doença, realmente, mas benigna e deixa marcas para sempre, que são giras e bem nossas.
A primeira vez que me apaixonei fui parar ao
Hospital, o transtorno psico-somático foi tal que tudo se revolucionou... sem mais, sem qualquer invasão física, as entranhas de cima e as de baixo ficaram às voltas sem saber o que fazer. Cabeça, coração e corpo esbracejando num mar revolto, recém descoberto e onde não sabia nadar.  Consegue-se, quanto muito, vir a tona e boiar. Aí suavemente deixar-no-emos levar pelas ondas do mar diurno e solar. Aí, em tom de cruzeiro, o
passeio será doce, o calor dos corpos apreciando o baloiçar do azul, até onde o horizonte nos levar.
Sempre com medo de que o infinito não exista, que a linha do horizonte seja já ali, atrás daquela rocha... onde se poderá naufragar. 
Mas o amor é também isto: medo da sua finitude, certeza da sua ficção.
Amor é Mentira (bem sabemos, porque fomos nós que o inventámos), mas intimamente é Verdade, a nossa querida verdade amorosa, que tanto prazer nos dá.

in "Memórias de uma amante nostálgica, bemfejada pela sorte, crente que o deserto afetivo de hoje, um dia será mar".

sexta-feira, 24 de julho de 2020

Poema de Verão



Todos precisamos de cor e de amor, na nossa vida.

De cobrir, com sol e alegria, a solidão da alma inquieta ou perdida.

Coloridos e variados, mas gostados, estes são os meus beijos-coração ... 

são para ti, quer tu queiras quer não!


quinta-feira, 23 de julho de 2020

O que queres ser quando fores...



O que queres ser quando fores... grande?

Esta é a pergunta que se faz às crianças, questão que vai sendo reformulada, com o passar dos anos da juventude, para algo do genéro: o que queres estudar, em que queres trabalhar, que sonhos e realizações, até onde ambicionas chegar?

As respostas mudam ao longo da vida, com o repensar permanente dos nossos objetivos, navegando na onda fluída que é perceção que vamos tendo dos nossos talentos, das nossas ambições e das nossas possibilidades.
Apesar de esta ser uma pergunta que nos persegue pelo caminho da vida, nada tem o mesmo glamour que a pergunta e a resposta infantil. Essa é a mais pura expressão do desejo inicial, ingénuo e limpo, ainda não condicionado pelas limitações de contexto, ainda assente em sonhos e produto das vivências em que cada infância mergulha, a das crianças mais ou as menos protegidas, desde as pobres às mais prósperas. As respostas refletem esse caldo vivencial, sem deixar de ser genuínas e simples, são o coração que fala, o sonho que comanda a criança que diz o que lhe parece melhor, o cenário mais amado à luz do seu talento e fantasia.

O que queres ser quando fores grande? 
É a pergunta mais corriqueira mas, ao mesmo tempo, mais maravilhosa... porque à sua frente se abre um mundo de respostas, uma infinitude de possibilidades.
Nada parece estar vedado. A resposta é tão livre quanto o sonho que a comanda. Naquele escasso minuto de réplica, a criança pode dizer tudo, querer é o máximo do poder que lhe é concedido.
Tudo é possivel, basta pensar um pouco e responder conforme lhe manda o coração, a alegria e o futuro promissor que certamente lhe estará destinado. 
Se assim não fosse, que sentido faria fazerem-lhe essa pergunta? - perguntaria o menino.
Se lhe pedem para escolher dentro de um catálogo infinito de opções de vida, de profissões, de artes, de construção de afectos e famílias ou até de não fazer nada, é porque tudo é válido e possível.
Um mundo se abre a uma criança... pelos menos àquelas que conhecemos, ou seja, as que vivem no nosso mundo "Global North", onde até para os menos ricos está aberto o acesso à educação, ao crescimento pessoal e social... haja sorte e talento.

Se às crianças deste mundo todas as opções estão teoricamente em aberto, penso e amarguro-me sobre o que acontece quando se reformula a pergunta e a dirigimos para gente como eu.

O queres ser quando fores... velha?

O que queres ser quando deixares de trabalhar das nove às cindo (às vezes muito mais) e tiveres todo o tempo do dia para fazer escolhas?

Ninguém pergunta isto a um adulto maduro ou a alguém que está à beira da reforma. Porquê?

Muitas explicações e teorias poderiam ser construídas à volta deste tema. Eu tenho para mim a mais simples. Ninguém pergunta porque ninguém se rala. É óbvio que a velha vai para casa, arrumadinha para não chatear muito, fazer crochet e ver tv.
Uma velha não serve para grande coisa: tem pouco valor produtivo, tem pouco valor em termos de conhecimento/sabedoria, tem pouco valor como cidadão e mesmo como pessoa-ser humano... só terá valor "estimativo" para os que lhe são próximos.
Resumindo, velho não é bem gente - é mais um bibelot querido enquanto tiver saúde e alegrar os seus; um problema quando ficar doente ou dependente.

Mas eu sou velha e gostaria de encetar uma nova "carreira" de cidadã de plenos direitos e deveres, de escolher atividades e de desenvolver talentos... de querer ser alguma coisa...
Ainda vou a tempo de escolher uma "profissão de velhice" ou um hobby divertido, ainda tenho artes para inventar, transformar, fazer a diferença... agir sobre os objetos, as pessoas e o mundo.
Devia haver um catálogo de profissões para velhos - onde caberiam praticamente todas as boas ocupações. As más que fiquem para os novos... LOL
Acredito que poucos velhos ambicionem ser astronautas ou bombeiros (como tantas crianças), também não importa. Era muito trabalhoso ir estudar para a NASA e está muito calor para ir para aí para as matas de mangueira em punho.
Tirando isso, é quase tudo bom de fazer. Quer dizer, também dispensava ser mineira... por exemplo.

O problema é fazer escolhas.

Tanto que fazer, tanta gente a quem poderia "tocar" com a minha passagem pela terra... e eu sem saber por onde ir.

Quando era pequenina, respondia à clássica pergunta, dizendo: quando for grande quero ser ceramista-pintora. Coisa sofisticada, como se vê! As minhas amigas queriam ser professoras ou cabeleireiras... eu era mais chique! Desenhava por brincadeira... mas nada fiz no mundo das artes e ainda bem porque não seria grande coisa nessa sofisticada e admirada profissão. 
Agora posso ser tudo!

Depois da reforma, até posso ser ceramista, ou pintora ou bordadeira... mesmo de má qualidade, não tem problema.

Posso ser uma péssima escritora, uma má desenhadora, uma cozinheira insonsa... que ninguém me vai avaliar. 


Como não preciso de ter especial talento, nem ganhar a vida com isso, vale tudo desde que me dê prazer. Excelente!
Posto isto, então porquê a angústia de não saber o que fazer quando for velha? Se posso fazer tudo e até posso fazer mal feito, não me devia preocupar. 

A verdade é que as escolhas custam... entre tantas hipóteses, nada se revela como certo. Tudo parece difícil de concretizar. 
Porque atividades há muitas, mas o mais importante nesta fase da vida são as pessoas e os afectos... não são as coisas, nem as tarefas.

Pessoas boas e que gostem de nós e nós delas é muito complicado encontrar.

Ora vejamos: a família por vezes cansa, as mulheres são chatas e intriguistas, para amigas nem sempre dá. Os homens são mais atrativos, gosto mais de homens do que mulheres, como amigos e basicamente para tudo. 
Mas os homens têm um problema: São como os wc públicos. Ou estão ocupados ou são uma merda!
Os bons estão casados/comprometidos/cativos e desses um sub-conjunto apreciável está mais ou menos preso em casa, por uma megera horrorosa e ciumenta (é o que me diz a experiência, devo estar a ser injusta, mas lá que há destas bruxas, há!).

Além disso, quanto aos homens - quer os livres quer os outros - ainda têm outro problema: se forem novos ou assim-assim... pensam logo em saltar para a cueca e a gente (as mulheres) somos  mais seletivas neste aspecto. Cama sim, desde que... Complicado! Umas metem muito romantismo na salada, outras dinheiro, outras querem mais segurança e estatuto marital...
Levar uma mulher para a cama, de forma desinteressada, é mentira! Se algum homem se gabar de o ter feito, desconfiem.

Se forem mais velhos é ótimo, bons amigos, podem é não alinhar em programas mais radicais (fora da cama) como subir à serra de Sintra ou saltar de paraquedas... para já não falar que não gostam de discotecas barulhentas daquelas de abanar o capacete, se deitam cedo e têm demasiado sono à noite, incapazes portanto para fazer uma tertúlia literária ou poética até às 3 da manhã! 

No meio deste molho de enguias escorregadias e embrulhadas, que atrapalham o caminho para uma velhice feliz, se o assunto não for bem gerido e contornado, vira solidão. 
Solidão, sim! Esse velho fantasma de um velho.
Para espantar este demónio, sempre à espreita na porta de saída para a reforma/velhide, há encontrar algum afecto.

Portanto, em vez de decidir se me vou dedicar à jardinagem ou à filosofia, se vou fazer cerâmica ou escrever poemas... o melhor mesmo é concentrar-me em criar laços de amor. 
É preciso preencher a solidão dos velhos como eu, com muitas florinhas e corações, muita conversa e ternura, muito alegria e sonhos, porque não se deve deixar de sonhar...
Os hobbies e os passeios, as tertúlias e os cafés são apenas o pretexto para gerar afetos, para deixar fluir o que de melhor tem o ser humano - que é ser ele mesmo.
A minha maior ambição é ser eu mesma e os outros gostarem de mim pelo meu "ser"!
Queria deixar de ser gostada pelo que faço, pelo que dou, pelo que pareço.
Passar a ser eu mesma, sendo perfeitamente inútil, burra, preguiçosa e sem talentos... e mesmo assim amada.

Grande profissão para o pós-reforma: construir e viver numa comunidade de afetos e ser eu mesma - inútil e gostada.