quarta-feira, 29 de julho de 2020

Fantasia e Realidade


Quando é que a fantasia de transformou em realidade?

Porque é que a minha vida é uma constante montanha russa do cimo da qual se tem uma visão alterada da vida e ora se imagina que o inimigo está agindo em estúpida fantasia romântica e inofensiva, ora é mesmo um agente ativo e real?

Já não sei em que acreditar: a minha perceção dos factos, oscila entre o otimismo de uma fantasia ingenuamente irreal e o medo de uma realidade firme.
Vivo num cenário em que o meu papel depende da forma como as outras personagens atuam e interagem. E sei pouco sobre a peça que ensaiam às escondidas. 
Não tenho a certeza de que se trata de uma peça de teatro, ficção irreal e passageira, ou se pelo contrário se trata mesmo de uma cena da vida real. Assisto. Tento ter calma e assistir discretamente ao desenrolar da coisa, num estranho limbo que ora me parece exotérico, ora me cheira a sério. 
Assim atentamente, porque disso depende o meu caminho. Estranha vida esta que depende a todo o tempo da leitura que faço das interações entre duas outras pessoas, de um conjunto de que não faço parte. Pouco sei que me permita guiar. Ando às apalpadelas. Socorro-me de pequenos sinais, de objetos deixados por aí... 
Sinto-me segura se vejo Fantasia na outra parte, vacilo quando ela tem contornos de Realidade.

O que é um facto é que a fantasia não vive do nada, ela tem de ser alimentada. E eu vejo que há auto-alimento de um lado e algum incentivo do outro. Com o passar do tempo, os hábitos que podem parecer infantis, românticos e inóquos deixam de o ser... passam a ser vivências reais e sólidas. O estatuto consolida-se, com base nas práticas. É uma especie de direito consuetudinário.
Há precendentes, há um historial, há gestos e factos... e os precedentes, como todos sabem em jurisprudência, fazem lei.
Um(a) amante não o é por via de ter um estatuto escrito, por haver aceitação social, pela visibilidade pública que os cerca. Também não são os pequenos grandes gestos que se praticam e são comuns a qualquer tipo de relação amorosa/conjugal que definem o conteúdo intrinseco de uma relação - mais beijo, menos carícia, mais abraços, menos cambalhota - o que importa mesmo é o conteúdo sentimental da relação. Também não é decisivo o tempo de permanência conjunta dos amantes, a distância até pode ser polarizadora da intensidade das emoções.
O que conta são os laços de afecto que se estabelecem entre o par, que se mantêm até quando os envolvidos lhe chamam de amizade. Se forem fortes esses laços, a relação é realmente amorosa. Pode não ser de paixão, mas é sólida. Chamem-lhe o que quiserem, mas se duas pessoas se mantêm envolvidas afetuosamente durante quatro anos, quando na prática não há motivos materiais de interesse, nem a conjuntura dos encontros é a mais favorável para a persistência da relação, é porque lá no fundo há algo de sério e importante. É porque o verbo gostar faz sentido para eles. Mesmo que a noção de amor seja difusa e não consensual, mesmo que na verbalização recusem um compromisso amoroso ou outros, mesmo que o desapego e a liberdade individual sejam a bandeira que empunham (para se defenderem), a verdade é que a permanência da união em espírito, marca!
Marca e comanda um eventual futuro. Quatro anos é demasiado tempo para brincar, não é tempo de namorico, nem aventura de gabirú, a idade e o contexto não é esse. Numa idade em que o aconchego, a companhia, o calor humano e a bondade contam mais dos que os amplexos estonteantes do amor romântico ou carnal, o que mais importa é a calma feliz da amizade com conteúdo.
Friends with benefits!

O termo serve para referir outra coisa, aqui serve perfeitamente para justificar esta friend que traz como benefits não necessariamente uma noite mais colorida, mas um profundo amor escondido debaixo da pele. Amor que não existia ao princípio e que foi sendo forjado como matéria de interesse.
O certo é que mesmo nascido da carência material e do interesse, se transformou em fantasia... e que, com o passar do tempo, o sonho virou realidade. Primeiro, só para uma das partes,
depois a doença poder-se-á ter pegado, alastrou ao par...
Hoje não sei se a fantasia não é já vista pelos dois como realidade.
A relação tem todas as condições para isso. É do interesse de ambas as partes, pode não ser a solução ideal para uma, mas é agradável e preenche um buraco enorme de carência, romantismo e auto-estima. Só por isso se torna muito gratificante. 
Se a tudo isto somarmos uma boa dose de tolerância, um adequado sentido de respeito pela liberdade do par, a imensa resiliência de uma heroína e o espírito de aventura de uma alma curiosa, temos os ingredientes certos para que dê certo...
Certo, duradouro e imparável. Porque não há nada que pare a esperança.

Nem tudo é cor-de-rosa certamente para esta heroína. Haverá momentos de quebra e desalento, haverá dúvida sobre um futuro um pouco sombrio, mas o otimismo prevalecerá. Uma alma alegre, aventureira e com fé, que vive no presente e só para isso, sobrevive melhor às agruras. Depois quem já não tem nada de seu (ou tem muito pouco) também não tem muito a perder. É pouco exigente, agradece à fé, aos deuses ou à sorte, ou àquilo em  que que acredita, tudo o que tem hoje. Pouco importa o amanhã... que só poderá ser melhor, concerteza. Vive o presente, porque leva o coração cheio de amor.
Transporta amor e energia interior em tal doses, em tal quantidade que nunca falta para dar aos amigos e aos amantes reais ou imaginários. Semeia carinho, esperando colher os frutos mais apetitosos mais doces. Faz compota de beijos amargos. faz marmelada com ou sem marmelos e fica feliz... mesmo que o açúcar não fique no ponto.
O tal amor construído que por vezes eu vejo como Fantasia e depois descobro que afinal pode ser Realidade!
Dói. Dói, porque a realidade é crua e dura, é verdadeira enquanto a percecionamos assim.
Tal como a montanha russa, um dia a realidade está em cima de mim, noutros dias dá a volta e eu creio só ver fantasia. 
A fantasia é menos preocupante, parece incorpórea e passageira.
Hoje devo ser eu que estou a ver mal, parece-me mesmo estar em frente da realidade na sua dureza mais crua. É aí que devo morar... e aguentar. Os sonhos ficam para outro dia... para quando a fantasia da bruxa me sobrevoar bem alto, voar para longe. a cavalo na sua bicicleta alada.


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