quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Treinando a indiferença

 


De férias na praia, a vida vai-se vivendo em modo de realidade virtual... tudo é fluido, alegre, distante da realidade do dia a dia. 
Os problemas ficam longe, os medos meio esquecidos não assustam, sobre o futuro pensa-se mais tarde, os afectos de hoje mesmo à distância de um telefonema parecem chegados, queridos e seguros. 

A presença da sua ausência dá-me uma sensação de tranquilidade.

Estranhamente, quando volto à cidade e mergulho no real, nas contingências da minha vida tão inconstante do ponto de amoroso, o stress regressa. É a insegurança de se saber (ainda) amado, é a percepção de que ele foi sujeito a doses maçicas de amor e carinho doentiamente marcantes, bruxaria a que não é imune...  que está de barriga cheia e, como resultado, eu não faço muita falta. 

Apetece-me perguntar: então como foi? E nós como estamos depois do teu mergulho na outra piscina de água fresca de beijos quentes? O que mudou? Porque as pessoas que passam ao nosso lado, por pouco dias que sejam não nos deixam indiferentes, por muito ligeira que a relação possa ser (eu sei que é séria e perigosa!), algo muda. E quanto maior o silêncio dele, mais eu suspeito que algo mudou ... e pode vir a distorcer os caminhos que eu vejo tortuosos e complexos.

O não falar sobre o que se passou no fim de semana é sintomático de que não há coragem para contar, para não falar em sentimentos e intimidades, em mudanças sérias, nas razões profundas para que o políamos tenha voltado a estar na berlinda (a carta da Beatrice, certamente ajudou a fazer a cabeça) ... não vá o tema levar ao ciúme ou à reprimenda... não vá aguçar a dor.

O lar do qual eu intermitentemente faço parte é um lugar acolhedor e não deveria ser fonte de angústia. Não é a minha casa mas podia ser um porto de abrigo, confortável, acolhedor e amistoso. Lindo e cosy como é. Devia ter um bom feng shui. Porque tenho então tanta dificuldade em regressar e adaptar- me ao ambiente? Porque sinto que na minha ausência, algo pode ter mudado com consequências negativas para mim ...  e eu não sei.

 

Comigo, esperava e preferia abertura e transparência. Saber tudo o que vai naquelas cabeças. Como correm as suas práticas gestuais. Porque só com essas informações sinceras e abertas, eu poderei avaliar o meu lugar no meio desta vida. De outro modo, sinto-me uma intrusa que não está à vontade para viver em alegria uns dias de intimidade e amizade sólida. Á vontade e com liberdade para ser eu, a quente. Sinto-me tímida e deslocada. Sinto-me estranha numa casa, que sei não ser minha, mas onde poderia estar em paz e sentir-me confortável e desejada por aquilo que sou como ser humano. Por ser valorizada pelos meus sentimentos que são nobres, sérios e desinteressados... carregados do afeição que trago para esta relação. E que às vezes tenho vergonha de expressar - como gosto e me é natural - porque temo ser recebida com indiferença. Daqui só espero amor, ou pelo menos afecto amoroso numa dose razoável e digna. Algo que me acolha com dignidade. Que não me faça sentir a mais, que não me sinta como sendo uma opção pior que as outras. Não venho por inércia, nem para ocupar tempos livres, nem para fazer agenda.

O meu lugar de felicidade, pontual e controlada,  é aqui. Porque me sinto bem se houver reciprocidade. Se me receberem com gosto e com desejo... se for frouxamente acariciada ou mesmo repudiada com o argumento da velhice.

Sei que a velhice física (mecânica) não existe, com ele e neste momento. Apenas a velhice sensaborona, psicológica, de quem precisa de novidade, do picante de mulheres diferentes e capazes de surpreender pela inovacção, pela perspectiva de vir a ser uma conquista de resultado imprevisível. É alguém que carrega o glamour de uma quase ausência ou maior afastamento conjuntural. Quando veem, sendo raras... sabem melhor... trazem o exotismo e o picante... agarram-se com outra chama...

Sinto a falta dessa chama mais quente da novidade inicial, quanto tudo era novo, eu era um bem escasso, era excitante e os encontros secretos e difíceis. Esse picante poderá ser renovado, imaginação não me falta... mas as antenas estão viradas para o excêntrico das situações mais raras e potencialmente mas excitantes.

Daí que talvez esteja mais interessado em guardar o vigor físico para sessões mais importantes.

E eu de lado, atrofio e não ponho o meu potencial na mesa. Sinto-me deslocada, intrusa, chata e incompetente na cama.

Naquela mesma cama, onde outros abraços tiveram outros sabores ... certamente gostosos. 

E por isso mesmo me retraio e a frieza instala-se durante o dia, porque a noite foi morna de interesse e desejos. 

Porque eu não quero estar aqui por obrigação para marcar agenda.

Quero estar porque gostam de mim e faço falta... por sou eu, e tenho valor como ser humano que tem muito para dar... porque sou eu e sou diferente e única. E o tipo de amor que tenho para dar é sólido e real, é especial porque eu também o sou. 

Talvez esteja a investir o meu talento no foco errado. Talvez a solução seja ficar fleumaticamente indiferente ao que se passa aqui e encontrar uma alternativa, nem seja para ocupar tempos livres. 

Fazer um part-time num ambiente onde seja compreendida e amada pelo que sou, pelo meu jeito especial para amar todos e muita gente. 

Gente aberta e receptiva, sem a cabeça enxameada de investidas femininas. Enjoado de tanta meiguice, ele foge dos compromissos quentes, prefere a liberdade da frieza e segue uma via pontual e distante. Quanto mais longe, mais frio e mais livre a relação... e mais só!

Quanto mais plural, menos monopolista e compremetedora será. Nenhuma terá privilégios, nem exigências. Todas estamos na mesma situação de risco de sermos despachadas, se reclamarmos ou mostrarmos insatisfação.

Por mim, sei que sou livre de fugir daqui logo que me sinta desconfortável e caso venha a ouvir: a porta da rua é a serventia da casa!

Este lugar é algo que me atrai e me repele. Uma casa acolhedora, mas amor e uma cabana é sonho impossível... é mais uma porta de quintal que se abre à minha fuga. 

Na certeza, porém, de que não haverá lágrimas para regar o jardim. 


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