terça-feira, 4 de agosto de 2020

Privacidade versus intimidade

Há quem seja um livro aberto e quem se feche em páginas de mistério.
Livros, um mundo por descobrir, tal como as pessoas .

Todos temos direito à nossa privacidade, aos nossos segredos, a não querer partilhar com a família, os amigos ou os companheiros amorosos, tudo o que nos vai na alma. Nem mesmo os pequenos factos do dia a dia, por vezes, gostamos de contar, quanto mais as grandes vivências que marcaram o passado.

Todos temos direito ao silêncio, ao segredo, a ser uma ilha isolada dentro de cada um de nós, de ser uma fortaleza inexpugnável fechada mesmo para quem nos é próximo. Claro que sim. 
O silêncio é nosso, a partilha não é obrigatória. É respeitável esta postura, deve ser entendida e aceite por que está de fora ... Mas confesso que, às vezes, gostava de ter mais um bocadinho desta intimidade escondida. 
Creio que na palavra escondida nem sempre se esconde nada de reprovável, que seja preciso esconder. 
É simplesmente uma prática que uma pessoa reservada, acha a mais certa. E por isso temos o dever de calar, nada exigir e dizer sim... sim, eu compreendo que nada tenho de saber da tua vida interior. Mesmo sobre a vida exterior, o direito da liberdade individual tem o seu lugar... Não é preciso contar tudo. Pessoas reservadas podem ser boas pessoas, nasceram assim ou fizeram-se assim por força das suas vivências, traumas, historial próprio.
São como são, pronto... repito o meu dever de respeito e sentido de tolerância. Calo-me, tento não ser invasiva, nem passar críticas implícitas. 
Reconheço , porém, que nem sempre é fácil cair na tentação de perguntar, sem maldade nem segundas intenções: 
Em que estás a pensar? Como se sentes hoje? Estás bem, pareces tão. introspectivo! 
Se for um amigo especial, um amante ou um membro do casal de que fazemos parte , achamos naturaL perguntar ...
E o silêncio ou a nega de uma resposta pode soar mal. Então esta “fuga” de mim, este silêncio de distanciamento não é prova de falta de confiança ou de falta de intimidade?
A resposta certa é: não! Pode ser apenas feitio.
Mas cai mal, quem recebe uma nega a um apelo, para quem como eu, muitas vezes, uma pergunta mais íntima pode significar um pedido de ajuda, um grito de insegurança, custa não obter resposta com o argumento do direito à privacidade. Uma pessoa sente-se como um deficiente que pede apoio para atravessar uma estrada ou algo do gênero, e essa ajuda lhe é negada.
Para quem ouve essa nega, para quem gere mal os silêncios e a falta de intimidade, é um contra-senso à ideia de não-partilha.
 O direito à privacidade de um choca com o gosto pela intimidade do outro. Parecem dois inimigos que se degladiam discretamente em silêncio.
E das duas uma: ou se entendem as duas posições antagônicas e se aceitam com tolerância... ou dá para o torto!
Se as pessoas em causa forem amantes, se houver um relacionamento especial do tipo amoroso - platônico ou não, com base sexual ou não - mas intenso e sério, o assunto torna-se relevante.

Dois amantes (se ambos sentirem que o são, porque pode haver quem ame sozinho... pelos dois) esperam ter tudo do outro. Falo dos bens espirituais, da plenitude dos sentimentos, das ideias traduzidas em palavras.. 
Eu acredito e espero que a liberdade se ganha com a partilha da intimidade, com a quase ausência de segredos e omissões, acredito e gosto que ambos tirem a roupa na cama e que quando o fazem estão a tirar e a dar mais alguma coisa. Também acredito que é bom, saudável para uma relação andarem “nús” durante o dia. Que dois amantes ou amigos especiais não devem ter vergonha de si, dos seus corpos, dos seus espíritos, das suas vidas presentes e passadas, de abrir a sua alma. Que não devem ter medo de se abrir, de se dar por inteiro, por partilhar. Claro que não se trata de espiolhar e esgravatar a alma alheia até ao último dos seus pecados ou virtudes. Trata-se tão só de dar e receber o que nos é íntimo e maravilhoso. Partilhar,  porque (para mim) nada é mais maravilhoso do que dar um bocadinho de mim a quem amo e é natural que espere idêntico retorno. Contrapartida que pode ser dada em moldes diferentes, mas que seja recebida em modo de dádiva. 
Partilhar porque amor é sobretudo dádiva, agradar ao ser amado e esperar que ele também fique feliz por dar ... o que tem para nós. Algo especial e único: a sua Intimidade. 
Quero intimidade benévola e voluntária, aquela que não belisca a liberdade a que cada um tem direito.
Por isso, em relação a quem amo, aos amigos... eu prefiro ouvir... saber sem perguntar. Não ser invasiva, mas chegar ao fundo do seu poço devagar ... suavemente , porque foi ele e o Amor que o escavaram, esperando encontrar o tesouro que me faz feliz. E eu gosto tanto de ouvir, de ouvir com a alma, de ouvir palavras mornas no calor das almofadas, na escuridão da noite...
Sem cambalhotas ou com elas (se vierem a jeito), mas com ternura, com afago, com toque e com pele ... sobretudo com palavras, estórias, emoções ... e intimidade .
Este é o meu maior sonho, ter alguém que me dê tudo ... ele próprio núzinho da Silva... ou quase.
Aceito que a nudez não seja total, que possa mantenha uma pequena tanga de privacidade.
É pedir muito?
Talvez, mas eu sou desmesuradamente exigente, só quero aquilo que verdadeiramente importa, calor humano e companheirismo real.
Ou seja, Tudo !!!

E este tudo não retira liberdade ao outro, acrescenta valor, reforça a verdade, acrescenta beleza.
Intimidade é Amor . Não há que ter medo nem de um nem de outro. São fonte de prazer ... não são prisão, nem compromisso traumático, definitivo.
São maravilhosos enquanto duram!
Por isso, gosto de os viver hoje, com toda a intensidade e com a certeza de que amanhã poderei não estar aqui para usufruir deles.
Viver o presente das coisas simples e genuínas, sem a sombra da omissão, que nem chega a ser traição porque nada existe entre nós que nos prenda e atrofie.
Existe apenas o doce fluir dos dias, leves de amizade e de carinho, de muito afecto, de muita paz... sem cobrar nada, mas esperando Tudo!
Porque é aí que reside a felicidade. 
No momento inteiro e único, em que o beijo e a palavra são a verdade toda, são o agora que importa. 


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