segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Indiferença

Não encontro melhor nome para chamar ao estado de letargia e de distanciamento face à vida, às suas contingências e problemas. Um estado a prolongar-se no relacionamento com os outros... sobretudo, com aqueles que verdadeiramente importam nas nossas vidas. 

Chegar a este ponto de frieza pura e de ausência presente é talvez como chegar ao nirvana, para quem sabe e entende o que isso é. 

Está-se por cá, mas não se sentem as dores de viver...

Bom ou mau? Não sei, mas é um modo de estar, talvez com vantagens, talvez não. Uma maneira de viver em linha infinita, isenta de sensações, como o horizonte de um mar de paz, cinzento e seguro, imenso e azul.

A indiferença pode fazer a diferença entre a sensação de paz e a ansiedade.

Pode ser uma paspalhice chata, mas também um antídoto contra a inquietude, o amor, a dor de viver e todas aquelas coisas que nos desatinam por dentro. Coisas capazes de trazer alegrias e tristezas, coisas incertas, inseguras, surpreeendentes... para o bem ou para o mal. Perante a turbulência, a indiferença será a solução?

A indiferença é como uma espécie de férias (prolongáveis, se possível), um interregno, uma proteção contra o desgaste, contra os problemas, contra o medo, contra o futuro. A indiferença isola-nos, retira-nos do meio onde vivemos - agitado, fervilhante... perigoso até - e, assim, evita maiores dores.

É uma forma de branqueamento da alma inquieta, uma limpeza higiénica dos problemas e dos muitos tipos de vírus que a relação com os outros e com o mundo nos poderá trazer. Claro que se a desinfeção for muita, na água do balde vão também as paixões e as alegrias maiores.

A indiferença evita fleumaticamente os extremos - nem demasiado calor perante os afetos e a sorte, nem demasiado sofrimento para com os lados mais escuros da mente e da vida.

Ter uma camada protetora para minimizar os estragos tem como consequência não aproveitar a plenitude dos sentimentos. 

A indiferença, como modo de estar, é uma espécie de preservativo - evita acidentes mas reduz o prazer

Será que a tranquilidade só é possível para quem grangeia uma certa maneira de viver o mundo, a frio e com distância?

Será que é preciso tomar como vacina a Indiferença para sobreviver nesta selva?

Indiferença traz distanciamento (real ou sentido) e pode virar esquecimento, a prazo...

Traz frio... congela corações ardentes. Traz quietude e o bem-estar do sossego, talvez...

É bom parar, olhar o mar e pensar, por pouco tempo que seja, que o mundo real está longe... que não incomoda e não é perigoso, que as paixões não existem e não magoam... 

Que o mundo é cor-de-rosa...

Uma droga psicadélica daria os mesmos resultados, talvez, um ansiolítico moderno, também. Mas para alguns basta um banho de indiferença interior para que fiquem naturalmente protegidos dos incentivos gritantes de fora. 
Para quem consegue um certo grau de distanciamento e quietude interior, o mundo pode não ser cor-de-rosa, mas talvez não seja totalmente cinzento, pode ser azul claro desmaiado ou amarelinho casca de ovo. Para esses, certamente é melhor assim, do que viver com cores fortes: vermelho-paixão, roxo-fantasia, turqueza-alegria ou amarelo-sol. 
São cores demasiado "demanding"...
Quem quer uma maior proteção contra o mundo do amor, do compromisso e da ansiedade, deve tomar Indiferença e deixar-se ir...
Boa ideia! 
De qualquer modo, é para nos deixarmos ir que nós cá estamos: para ir sem muito esforço, nem muito gozo... ir em liberdade, sem compromisso, desabrigadamente sós...
E assim, dormir sossegado, sem insónias, pensando que amanhã não há nada para fazer, nenhum sentimento maligno para nos incomodar, nada para nos assustar... que amanhã será mais um dia de sol e de mar... para pasmar e não pensar. 


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