sábado, 3 de setembro de 2022

O Outro Lado do Espelho






Quero poder conversar livremente com quem me é íntimo e querido. Preciso de ver e de ouvir quem está do outro lado do espelho, saber a opinião que tem sobre mim. Olhar-me ao espelho e ter retorno: bom ou mau.
Um espelho interativo e não uma superficie refletora e fria, que nada me diz. Ou pior ainda, um espelho que me transmite uma cara estranha... na qual não me reconheço.

É normal que quando se convive muito tempo com alguém e, simultaneamente, se criam elos de proximidade, envolvidos em afeto - que podem ser de maior ou menor intensidade, mas genuínos e reais - se considere possível transmitir uma ideia clara daquilo que somos.  

A expetativa de que, a quem eu quero bem, me conheça igualmente bem é legitima. Logo eu, que gosto de transparência e intimidade.

Contudo, eu não sei qual é a ideia que fazem de mim! Não sei quem sou no olhar do outro, no olhar de quem mais preciso e me importa, não sei que imagem projeto no espelho onde os amigos ou a família me vêem. Isso intriga-me, deixa-me insegura e desconfortável. 

Eu sei quem sou, conheço-me razoavelmente bem. Mas os outros - os que interessam - o que sabem de mim, até que ponto se preocupam com o meu sentir? Terei de escrever um diário ? Uma auto-biografia? Para ser lida por aqueles que me vêem mas que pouco se importam com o que penso ou como me sinto.

Sei que preciso de amor e carinho (como toda a gente) mas reconheço que não consigo beber na fonte habitual, esse bem de primeira necessidade. A família ignora-me - enquanto ser humano com vida interior, que precisa de ajuda em tempos difíceis - os amigos mais especiais (para mim) julgam-se muito especiais para eles… Tenho tendência por me esbarrar em pessoas auto-centradas, autistas ou mesmo um pouco egoistas. Dos que dizem: os problemas dos outros … que sejam eles a resolver…

Ora , eu preciso de ajuda! Estou só, perdida e arrisco, em cada dia, não fazer as escolhas certas. Há demasiada gente perfeita que concorre comigo - eu que sou uma mulher cheia de imperfeições, mau feitio, refilona, amarga, desbocada, disparatada, apaixonada, disléxica e complexa.

Apesar dos defeitos, acho que tenho bom coração, tenho mesmo quase a certeza que sim... apesar dos ataques de raiva e desejos de vingança que teoricamente me assolam.

Claro que o bom coração não se vê no espelho... Apenas as rugas, o sorriso amuado e as bocas foleiras ficam na memória e na imagem dos outros. Saber porque atiro com as portas ou tomo comprimidos para dormir (e desaparecer umas horas) não suscita a curiosidade de ninguém, porque não se adivinham as causas, nem se vê a olho nú. 

A menos que seja alguém que consegue ver para além do espelho, que leia a alma, que se sinta motivado a conquistar a intimidade total... objetivo limite inatingível mas excitante!

Sei que chateio quem não devo, porque é esse mesmo “quem não devo” que eu gostaria que me ouvisse. Outras flores alegres e felizes preenchem os tempos de doçuras fofas e sorrisos permanentes. Nada exigem e sabem montar um cenário agradável de companhia leve e confortável. Lavam a cara em casa e não precisam de levar espelhos, porque se sabem bonitas e bem maquilhadas. A alegria e a conversa suave são o melhor dos cosméticos.

Se precisavam de espelho, deixaram-no em cada uma das suas casas… e mostram-se auto-confiantes, lutadoras, vencedoras e felizes. 

Eu não! Quero ver e saber tudo o que pensam de mim… já agora de imediato.

Gostaria de ouvir críticas e elogios, meiguices e paliativos para minimizar a dor, a angústia que cresce… e que não pode continuar a ser tratada com químicos que me fazem uma zombie, que anda por aí aos tombos.

“ Quero (como alguém disse) saber quem eu sou quando oiço as tuas críticas ou elogios, quando te espero pela manhã ou nos meus sonhos. Quando conversamos nada e tudo.”

Eu merecia ser tratada assim, com atenção e carinho…

Se não me faço entender, o defeito deve ser meu. O que fazer então? Há que partir, afastar-me um pouco ou mesmo fugir ? Não sei para onde… mas parece a saída mais racional. Se não faço falta a ninguém, para quê insistir?



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