quarta-feira, 14 de setembro de 2022

Quando o nevoeiro levantar



Quando o nevoeiro levantar e um raio de sol surgir, meio a sorrir, meio morno, trôpego ou a tremer…

Tentarei acordar para um novo caminho e tentarei esquecer,

o escuro de tantos dias e de tantos anos, de tantas noites, de penumbras e desenganos…

Olharei o sol, por inteiro e nua… porque é isso que importa, esqueço o resto, o que sobra é lua… e eu não sou tua …

De noite, morro e não me vês.

Esse raio de sol, espreitando para mim, terá o sabor do ar novo, do calor fremente, da esperança que anuncia de volta o meu gosto de viver a quente, de ser gente.

Se assim acontecer, valerá a pena acordar, rir … beijar cantos e recantos do teu corpo, esquecer o cheiro acre do nevoeiro que vai partir.

Pois é, pequeno raio de sol da minha esperança, és feito de milhões de partículas celestes, que não serão demais para um coração como o meu, com tanto espaço para as albergar. 

E quando … e se … o pequeno herói,  sozinho e fraco furar a bruma cerrada e fria, teimando em não queimar em demasia almas  carentes;

E quando … e se … o amor existente se julga escasso, 

ou prefere temperaturas amenas e a luz de um raio mais baço, 

hei-de descobrir como fazer para aquecer, para brilhar, para o nevoeiro dissipar.




sábado, 10 de setembro de 2022

Nevoeiro


 Há dias em que a tristeza nos cobre como um manto de nevoeiro… 

Apesar de a meio da tarde ter surgido um pequeno raio de sol… soube-me a pouco.

Era um raio de sol morno e desviante. Parecia que não se dirigia a mim… que saltava por acaso e por hábito sobre a minha cabeça.

Um raio de sol, que do alto da sua arrogância, achava que satisfazia a minha miserável carência de algo mais, que se ria desta pobre pedinte, triste, nevoenta, a preparar-se para desistir da felicidade solar, quase que acomodada aos dias escuros, trôpegos de drogas, à espera de mais nuvens, até talvez de um tornado, quiçá de um dilúvio…

Contudo o pequeno raio de sol trouxe uma réstia de esperança que sendo diminuta, dê para não morrer de fome… para já. Estou convencida de que não haverá melhores dias, mas talvez possam existir momentos sofríveis, a que me possa agarrar para não me dissolver no nevoeiro.

Sempre com uma grande incógnita pela frente -  como será amanhã? Até quando vou aguentar este estado de angústia latente? Não posso consultar a meteorologia. 

Nem há tabelas meteorológicas para aferir do grau de nevoeiro que cobre as mal-amadas. Nem drogas que mudem o tempo, que façam chover ou tragam o sol. 

Apenas a tristeza ou a alegria que cada um consegue encontrar dentro de si - com esforço e coragem - conseguem vencer o nevoeiro. 


quinta-feira, 8 de setembro de 2022

O Medo

 

(Capela Sistina: Imagem do medo, homem sendo puxado por figura diabólica , para o inferno)

Tenho medo! Muitas vezes e de quase tudo… medo do presente “imaginado” e, sobretudo, do futuro próximo. Do longínquo, não tenho. Estarei morta, ou inválida ou demente, já não conta para aqui.

O meu medo é resultado de uma educação sobre protegida e (felizmente) sem acidentes, nem grandes traumas: não fui abusada em criança, nem violada em adulta, não vivi numa família disfuncional com bebedeiras e pancada, nao conheço a violência doméstica senão da TV, não sou órfã, nem bastarda . Tenho filhos saudáveis, dinheiro , saúde e amigos. Não tenho ainda um abrigo, mas tenho esperança de vir a ter já um tecto para os dias de chuva e para guardar os livros. Agora o que eu não tenho nem sei se um vida alcançarei, é um tecto para a chuva do desamor, para a violência verbal, nem para a indiferença humilhante . Nem estofo para aguentar demasiada mentira e traição. 

Fui demasiado mimada. Durante muito tempo, gostaram de mim e eu habituei-me mal. Pensava que bastava ser boa, para que os outros vissem e tivessem prazer em estar ao meu lado. Pensava que a minha fonte inesgotável de beijos seriam suficientes para as carências de quem me quer bem (supostamente), pensava que com amor e carinho se consegue tudo: evitar a guerra e manter um clima de conforto prazeiroso e pacífico.

Ou seja, via os outros à minha imagem e semelhança - pensava: se é bom para mim e se dou com prazer, se sou útil e me agradecem (mesmo que sem palavras), então os outros também gostam.

Mas isto é não é bem assim: é tique de menina mimada que não sofreu agruras na vida, que não carrega traumas de maior … E ele há gente com um lastro tão grande de desgraças, com vivências tristes e marcantes, que não as impede de  aceitar e de amar, da mesma maneira que eu julgo ser a única. 

Os mimados em regra são um pouco intolerantes, neste aspecto. Por não perceberem.

Tento contrariar este defeito e a vida fez-me, aos poucos, melhorar os meus graus de tolerância… de melhorar a minha comunicação com os seres diferentes e mais infelizes que eu.

Ainda não sou perfeita. A capacidade de abnegação  e de sacrifício, a aceitação da dureza com que a vida nos brinda, não se aprende de repente. Tive até há pouco tempo uma vida calma, com segurança e proteção, não passei fome, nem tive falta de dinheiro para o essencial… estou mal habituada, portanto. Tenho falta de endurance.

Não sou comparável com as aventureiras que arriscam, para subir na vida, que tiveram de largar casas.famílias e países. Que não têm  um lugar a que pertençam, nem um coração que as acolha, que tiveram azares e abusos vários, que foram traídas e mal amadas… que enfim tiveram muito treino da dureza da vida. E logo maior capacidade para resistir sem chorar.

Acho que sou corajosa quando a vida me coloca desafios e que tenho aproveitado as oportunidades quando surgem… até hoje nunca me arrependi de não ter feito algo por preguiça. Escolho o caminho mais difícil, quando é preciso optar. O que não faz de mim uma heroína. Se a Pátria precisasse de mim, daria o corpo às balas, com orgulho. Nunca aconteceu. Nem por isso sou uma cobarde ou uma cidadã que mereça menos apreço.

Agora reconheço que há gente com vidas bem difíceis e com uma capacidade de superação exemplar (ver o programa da Júlia de hoje à tarde).

A sociedade parece gostar mais dos coitadinhos que se superaram e foram corajosos, por uma questão de sobrevivência, ou ambição, do que daqueles que foram “heróis” fazendo muito bem o seu dever. Criar 2 filhos e fazer carreira custou ! E o mimo que tive, não aquece nem arrefece o meu mérito próprio, nesta matéria. Aí consegui! Sei que valorizam mais uma empresária aventureira e talvez irresponsável , do que uma mãe de família que põe sopa na mesa aos filhos todos os dias , depois de fazer 2 h de transportes públicos debaixo de chuva numa noite de inverno. Ou que arranja 2 empregos para pagar a prestação da casa. Não tem glamour nenhum. Digno de dó é quem não tem casa e vive aos caídos, porque se aventurou demasiado alto. 

Todos têm méritos e desméritos. Uns não são melhores nem piores que os outros. São simplesmente diferentes, percursos de vida diversos que até podem ter sido feito com o mesmo grau de heroísmo. 

Só que dos “certinhos” não reza a história! Os heróis apreciados são os aventureiros! 

O problema - e voltando ao mimo - é que quem nasceu e viveu mais burguesmente protegido , tem menos skills para aguentar os dias difíceis .

Sofre mais , quando falha ou é traído, porque não ganhou o calo dos duros. 

Alguém disse que depressão é doença de rico, pobre não tem tempo para isso. Aguenta!

O tal rico-mimado precisa de mais amor, carinho, conforto afetivo e prazeres físicos e intelectuais. Pobre só precisa de comer, de um tecto e de não levar muita pancada.

Claro que isto são esteriótipos.

Aonde eu quero chegar é que eu tenho medo da vida porque fui mimada (tive sorte, nasci do lado certo do mundo…) como tal, não tenho como fugir às agressões. 

Não tenho culpa da vida que tive, se tivesse nascido algures num bairro da lata da pesada, não teria medo de nada. Andava de faca na liga, conhecia os mal feitores certos para me defender ou ajudar a por em marcha os maus intentos, teria um gang para meter medo aos outros e me ajudar a pôr a vingança ao lume !

Mas agora é tarde. Estou velha e tenho medo, não conheço ninguém no bidonville mais nogento da outra banda, nem engenho para os contratar. 

Por isso tenho medo, medo de não conseguir ter uma vida direita, medo de ninguém gostar de mim, medo de falta de amor e carinho, de não ter alguém para me levar ao médico quando estiver doente, medo de que quem eu quero não esteja ao meu lado para evitar o abuso dos Lexotan e afins, medo de não conseguir deixar de chorar… medo de partir deste mundo (e já falta pouco) sem me cumprir, sem me realizar como pessoa boa que julgo ser … medo de tão ter feito bem o meu papel de ser util… medo de não ser capaz de me fazer compreender.

Medo de estar só ( não fisicamente) mas só em afetos e compreensão. De passar dias e dias sem ter um ombro onde chorar, um telefone para onde ligar.

Estou farta de ter medo. De apanhar sem merecer… sem ter coragem de fugir …

sábado, 3 de setembro de 2022

Os Três Pilares

Li algures que os três pilares de uma boa conjugalidade são:

  - A Solidariedade

  - A Vida sexual

  - A Vida afectiva

Qual castelo amuralhado, a nossa vida deve assentar em algo de sólido.

Talvez a palavra “deve” esteja a mais - reformulo: era bom que tudo fosse sólido e seguro, mas não é. A mais das vezes, é uma frágil casquinha de noz, flutuando ao sabor da corrente.

Refletindo sobre o assunto - e apesar de não viver, no presente, uma relação em que o termo “conjugalidade” se aplique na íntegra, achei interessante e pertinente aquela arrumação em pilares.

Claro que quando se fazem classificações e tentativas de sistematização de conceitos complexos, sob o nome de palavras simples, corre-se o risco de deixar de fora coisas importantes. Não obstante, com um pouco de imaginação é possível arrumar o que importa nos três pilares identificados.

Com o que aprendi por mim mesma e observando as relações dos que me são próximos ou daqueles que foram passando pela minha vida, colecionam-se saberes e experiências nossas ou alheias sobre este universo tão rico e complexo que é a nossa felicidade interior, quando esta assenta num parceiro, numa parceira ou em múltiplos afectos, que dão sabor à vida. Aquelas coisas que se estiverem bem arrumadinhas em cada um dos três pilares fazem de nós a perfeição perfeita, uma divindade da felicidade absoluta, uma enormidade romântica inexistente … mas que a fantasia e o sonho não desistem de nos fazer pensar que são possíveis de alcançar. 

Deve ser sinal de infantilidade, ainda acreditar … acreditar em castelos duradouros e inexpugnáveis, habitados por princesas lindas e amadas.

Mas então é assim: se os pilares fossem perfeitinhos, construídos sobre pedras sólidas, direitas e bem posicionadas, se o arquiteto fosse um gênio e eu uma princesa, cada um dos pilares teria a seguinte composição:

- Solidariedade - cumplicidade e intimidade total, o que implica transparente gosto em ajudar o outro (ou outros), privilegiar o interesse alheio, estar atento aos gostos, antecipar desejos … ser uma espécie de gueixa moderna. Pronta para ajudar na doença, no amor, nos desaires da vida, nos dias de sol e de chuva. Pronta para usufruir em conjunto os prazeres que se sabem prazeirosos e comuns, e também, respeitar os momentos em que os gostos próprios são diferentes. Há alturas que ditam a necessidade de descanso, de afastamento ou de solidão transitória (exemplo mais trivial é deixar ver um jogo de futebol, sem interromper, nem mandar bojardas, se não se percebe nada do assunto).

Solidariedade é também reconhecer a necessidade de espaço próprio do outro.

Mas é, sobretudo, garantir que a solidariedade funciona igualmente para ambas as partes - o que um dá, é suposto o outro retribuir (em espécie e tempos distintos). Não se trata de uma contabilidade exata e pontual, mas de um compromisso permanente de entre-ajuda, que deve funcionar à medida das necessidades e possibilidades casuísticas.


- Vida sexual: aqui deve-se fazer um reparo muitíssimo importante: Lição número 1 (que só uma mulher é capaz de ensinar) é que a vida sexual “conjugal” não tem de acabar nunca! Um homem, que em geral nestas coisas é mais básico, diria que acaba... um dia.

Deve é adaptar-se às contingências da idade ou da saúde. A Lição número 2 (só disponível para quem passar com aproveitamento na primeira) daria para várias páginas, que não cabem neste blog. Basicamente,  importa reter que o desejo tem de existir sempre, mesmo que o desempenho sexual esmoreça. E quem pensa o contrário, que acha que o seu desejo pela parceira (o) desapareceu ou amainou, aí é porque muito mais coisas já se foram embora.

É que o desejo - que mora na cabeça e não numa zona algures da cintura para baixo - se manifesta de muitas maneiras: desde ter prazer em tirar a lingerie sexy (de preferência!) e ficar a olhar, em dar um beijo hollywoodesco no banco de trás do carro… passando por muita pele, muito creme, muita masssagem, muito lambe-lambe e, sobretudo, por muita risada relativamente a isto tudo.


- Vida afectiva: para um homem chegar a esta lição é quase tão difícil quanto tirar um MBA numa universidade estrangeira, daquelas muito caras em que as aulas são todas em japonês. Poucos estarão à altura. O pilar, tão simples para uma mulher apaixonada, é uma tragédia para o seu parceiro (que ficou pela segunda classe mal tirada) e se julga um doutor.

Claro que há exceções - homens raros e especialmente sensíveis para perceber esta matéria. Homens que gostam de beijos e de abraços, com a pessoa amada, de afagos com quem querem bem, mesmo sem estarem estupidamente apaixonados, que gostam de conversas doces, etc. etc... tantos e tantos carinhos sem terem como objetivo único e imediato o "salto para a cueca".


Uma mulher apaixonada e que gosta de carinho e afecto, tem cara de parvinha, atrasada mental, que só traz complicações para uma relação a dois …
Percebem com muita facilidade, mesmo aquelas que não o sabem expressar com clareza, que uma vida afetiva feliz e partilhada, é uma base de solidez indispensável.


Muitos são os escolhidos e poucos os eleitos... 
Os homens que ainda não conseguiram aprender o valor da vida afetiva para a solidez de uma relação, ainda não foram eleitos ao patamar da solidez gratificante, da relação ou das relações em que vale a pena investir.


O Outro Lado do Espelho






Quero poder conversar livremente com quem me é íntimo e querido. Preciso de ver e de ouvir quem está do outro lado do espelho, saber a opinião que tem sobre mim. Olhar-me ao espelho e ter retorno: bom ou mau.
Um espelho interativo e não uma superficie refletora e fria, que nada me diz. Ou pior ainda, um espelho que me transmite uma cara estranha... na qual não me reconheço.

É normal que quando se convive muito tempo com alguém e, simultaneamente, se criam elos de proximidade, envolvidos em afeto - que podem ser de maior ou menor intensidade, mas genuínos e reais - se considere possível transmitir uma ideia clara daquilo que somos.  

A expetativa de que, a quem eu quero bem, me conheça igualmente bem é legitima. Logo eu, que gosto de transparência e intimidade.

Contudo, eu não sei qual é a ideia que fazem de mim! Não sei quem sou no olhar do outro, no olhar de quem mais preciso e me importa, não sei que imagem projeto no espelho onde os amigos ou a família me vêem. Isso intriga-me, deixa-me insegura e desconfortável. 

Eu sei quem sou, conheço-me razoavelmente bem. Mas os outros - os que interessam - o que sabem de mim, até que ponto se preocupam com o meu sentir? Terei de escrever um diário ? Uma auto-biografia? Para ser lida por aqueles que me vêem mas que pouco se importam com o que penso ou como me sinto.

Sei que preciso de amor e carinho (como toda a gente) mas reconheço que não consigo beber na fonte habitual, esse bem de primeira necessidade. A família ignora-me - enquanto ser humano com vida interior, que precisa de ajuda em tempos difíceis - os amigos mais especiais (para mim) julgam-se muito especiais para eles… Tenho tendência por me esbarrar em pessoas auto-centradas, autistas ou mesmo um pouco egoistas. Dos que dizem: os problemas dos outros … que sejam eles a resolver…

Ora , eu preciso de ajuda! Estou só, perdida e arrisco, em cada dia, não fazer as escolhas certas. Há demasiada gente perfeita que concorre comigo - eu que sou uma mulher cheia de imperfeições, mau feitio, refilona, amarga, desbocada, disparatada, apaixonada, disléxica e complexa.

Apesar dos defeitos, acho que tenho bom coração, tenho mesmo quase a certeza que sim... apesar dos ataques de raiva e desejos de vingança que teoricamente me assolam.

Claro que o bom coração não se vê no espelho... Apenas as rugas, o sorriso amuado e as bocas foleiras ficam na memória e na imagem dos outros. Saber porque atiro com as portas ou tomo comprimidos para dormir (e desaparecer umas horas) não suscita a curiosidade de ninguém, porque não se adivinham as causas, nem se vê a olho nú. 

A menos que seja alguém que consegue ver para além do espelho, que leia a alma, que se sinta motivado a conquistar a intimidade total... objetivo limite inatingível mas excitante!

Sei que chateio quem não devo, porque é esse mesmo “quem não devo” que eu gostaria que me ouvisse. Outras flores alegres e felizes preenchem os tempos de doçuras fofas e sorrisos permanentes. Nada exigem e sabem montar um cenário agradável de companhia leve e confortável. Lavam a cara em casa e não precisam de levar espelhos, porque se sabem bonitas e bem maquilhadas. A alegria e a conversa suave são o melhor dos cosméticos.

Se precisavam de espelho, deixaram-no em cada uma das suas casas… e mostram-se auto-confiantes, lutadoras, vencedoras e felizes. 

Eu não! Quero ver e saber tudo o que pensam de mim… já agora de imediato.

Gostaria de ouvir críticas e elogios, meiguices e paliativos para minimizar a dor, a angústia que cresce… e que não pode continuar a ser tratada com químicos que me fazem uma zombie, que anda por aí aos tombos.

“ Quero (como alguém disse) saber quem eu sou quando oiço as tuas críticas ou elogios, quando te espero pela manhã ou nos meus sonhos. Quando conversamos nada e tudo.”

Eu merecia ser tratada assim, com atenção e carinho…

Se não me faço entender, o defeito deve ser meu. O que fazer então? Há que partir, afastar-me um pouco ou mesmo fugir ? Não sei para onde… mas parece a saída mais racional. Se não faço falta a ninguém, para quê insistir?



quinta-feira, 1 de setembro de 2022

Há dias assim …

 


Há dias assim… em que tudo parece belo e transparente. Há dias em que se diz: vale a pena viver, viver bem, saborear até à última gota de sol , porque o mar estará lá sempre… se não for radioso e azul, será cinzento e revolto , mas permanecerá para além de nós.

E o tempo que nos resta - numa idade em que somos passageiros sorridentes e saudáveis do simpático Navegante - é tão pouco, que importa usufruir sofregamente da vida, criar,  amar , espalhar alegria à nossa volta, cuidar de quem no quer bem, para ser feliz … 

E se o fizermos será essencialmente por nós ( ou seja por mim mesma , que é quem conta para este efeito).


Transparente, solar, lunar, sem nada a esconder e no entanto com tantos mistérios de baixo de água. 

Tomara que eu fosse capaz de ver, na alma de quem quero, tamanha transparência, incluindo as pedras feias e os azuis bonitos.

Tomara ter alguém que me entenda, que veja a beleza onde eu a encontro ou, pelo menos, que discorde das minhas visões. Alguém que me abra os olhos e diga que estou enganada, que não vale a pena ter sonhos para evitar desilusões. Mesmo discordando, que me diga com afecto e pedagogia que o mundo é um lugar vulgar, ao qual se deve ser indiferente, um lugar de passagem e que o mar - parecendo maravilhoso - é apenas um berloque colorido que serve de pano de fundo a um momento agradável, como tomar uma cervejola com uma amiga ou um amigo.

Para quem assim pensa, a companhia é a única emoção que daí vem, os sentimentos são parolice romântica, o objeto da companhia é mais ou menos indiferenciado… mais um berloque na cadeira ao lado - uma conversa leve que anime a bebida, o conforto humano ligeiro, livre e solto… nada de muito importante, portanto. Se possível, saborear o sol e ar azul deste verão-laranja, com poucas palavras. Tudo o que for complexo é dispensável… 

O silêncio, primo da solidão transitória, pode ser a melhor das companhias. A solidão para algumas pessoas não é fonte de angústia ou de insegurança. É um bem. Vive-se, come-se, dorme-se e tenta-se ter saúde para manter a rotina. Regar as flores, já não com muito empenho, nem calor… com uma frescura seca .. porque os tempos estão difíceis, de preferência sem incêndios. (Que chatice)!!! Paixões ardentes nem pensar, os bombeiros andam cansados e já ninguém liga a isso. O melhor mesmo é ser comedido, calado, condescendente, pouco exigente e nada dependente. 

Quem pensa assim, parece um pouquinho egoista, privilegia o seu conforto solitário, grita: Abaixo as prisões e os monopólios! Quanto menor o empenho e maior a diversificação e descompromisso, melhor.

Dividir para reinar!

O compromisso é traumático, dita a falta de liberdade. A baralhação de papéis e horários cria um terreno de permanente susto. Para quem está de fora e pisa território desconhecido, o chão poderá estar minado, haver algo que pode explodir e alguém morrer. Serei eu?

Paz precisa-se… tal como de verão, de mar azul, para banhos quentes e abraços escaldantes (ou mornos !!!) beijos com sabor a roubados , abraços forçados, que podem parecer terem ser desviados da sua rota preferida em migração para outros continentes e oceanos. Nalguns é inverno, eu sei.

Era tão bom que os dias fossem sempre lindos, como uma janela de princesa, aberta sobre o lago, onde tudo parece em paz …