sexta-feira, 26 de agosto de 2022

Palavras

 


(…) “A palavra é uma asa do silencio,

o fogo tem sua metade fria.''(…)

Pablo Neruda

 Gosto de palavras! Elas preenchem os buracos da minha vida, o lugar onde nada acontece, onde o silêncio e a solidão se instalam e fazem notar mais os vazios.

Por isso, escrevo.

Elas, as palavras, são salvadoras… escrever nas noites longas de insônia ou nos dias difíceis é uma ajuda, quase um acto de sobrevivência. Alinhadas pela linha das constelações celestes, as palavras hão-de salvar, hão-de voar. Assim haja jeito meu, sem atropelos, assim consiga uma saúde de alma lavada, assim haja quem me queira bem, me ajude e me oiça.

Habituada a uma vida cheia, agitada por múltiplas atividades, responsabilidades, stress, preocupações familiares, tristezas e amores complicados, não é fácil mudar para um outro espaço que sendo habitado me parece mais parado. Onde, depois de deixar cair muitas tarefas e responsabilidades, fico só e mais perdida. Feliz pela liberdade escolhida mas onde acabo por esquecer o essencial. E o essencial sou Eu! O essencial sou eu e quem me quer bem.

Quem me observa de fora, julga que tenho tudo - família, amigos, dinheiro e saúde. Não veem os buracos criados, bichados, alastrando como fungos nos espaços que foram deixados pela vida em correria que foi esmorecendo. Porque a nova vida que tenho, pode parecer mais calma mas ainda salta de pedra em pedra, numa busca constante e esperançosa de melhorar... mas já não ri, nem agradece os saltos dos amores, só nos calhauzinhos piquenos recolhece prazer... 

A falta de algo que tinha e que me enchia dos pequenos/grandes prazeres que davam a cada manhã sentido para prosseguir com o dia, que mantinha o equilibrio mímimo indispensavel, foi esmorecendo a alegria de estar viva e deixou buracos. 

Quem me vê, até pode admirar a aura de feliz vivência e bonomia das minhas rotinas calmas e prazeirosas, não sabem nada sobre os buracos e não sabem que os encho de palavras, para fazer voar a Solidão, mascarada de silêncio durante a noite, e vestida de lágrimas caladas, durante o dia.

As palavras são precisas para voar, para afastar de mim o que mais pesa: o lixo instalado nas grutas escuras deixadas vazias pelo desamor e por mil coisas boas que correm por mim ao sol, mas não me conseguem fazer esquecer completamente as zonas sombrias. Aquelas onde semeio palavras porque não sei fazer mais nada. Mas onde preferia semear beijos.

Preciso que as palavras derramadas aqui e levadas pelo vento, varram para longe as caraminholas da minha cabeça tonta.

As palavras são as asas do silêncio e também da Paz, de que tanto preciso, para reencontrar o equilíbrio perdido.

Um equilíbrio que já era tempo de ter encontrado, mas que - por burrice, casmurrice e aparvalhamento afetivo - está difícil de estabilizar e ele há dias em que desatino mais... Agora está difícil...

Ás vezes, destransbulho por motivos insignificantes - um cabelo ou dois (sendo de partes diferentes do corpo) ou ideias que surgem de geração espontânea… vindas do nada (uma memória desagradável, uma palavra inocente ouvida e que cai mal) e então instala-se o medo, coisas inocentemente vulgares que me trastornam demais …

E vem o medo, o pior do bloqueios ... a fonte de toda a angústia.

Um medo que transporta frio, como se fosse um bloco de gelo, um medo que arrefece aquilo que devia ser de fogo.

“ O fogo tem a sua metade de frio”… e eu sinto isso: tenho de ter clarividência para intuir em que casos preciso de cobertor para me proteger, para manter algum calor, para sobreviver evitando, por um lado, que o fogo da paixão arda em demasia e me faça sofrer, mas por outro para tentar que o abrandamento do calor (o esfriamento da outra metade do fogo) não seja demasiado fria. Entre o degelo e o iceberg … lá se vai o equilíbrio instável. 

Palavras são paliativas, ando a enganar-me na doença e na cura!

Preciso de voar mais alto, sonhar com mais força num futuro mais feliz… almejar a nuvem cor de rosa onde alguém goste de mim e me ofereça palavras em vez de flores. Muitas palavras e beijos, mimos e afagos - especiais, artesanais, produzidos só para mim - algo que me eleve e me faça sentir especial e melhor, me faça crescer em amor e força vital. Não bastam palavras e beijos vulgares, não quero uma rotina idêntica a todas as outras, iguais em palavras e gestos aos que são dirigidos, indiferentemente e por indiferença a outros, com a única diferença de se dirigirem as pessoas diferentes… as quais no fundo são iguais (para quem não distingue nenhum ser humano para além de si próprio, e julga todos e todas iguais).

Iguais, iguais, neutras … burras… tontas e carentes de palavras e de toques, falhas de pele, de tempo e de calor humano,  pessoas que não têm o benefício de conhecer a outra metade do frio, que não podem exigir /pedir muito, porque estão reféns da sua ignorância-prisão, e retidas da transcendencia total que é o afeto amoroso pleno, pobres de gozar a vida com as palavras boas, amorosas e voadoras no silêncio… a dois. Todas iguais no desamor... com títulos diferentes: uma reivindicativa radical que corta o mal pela raiz, mas aprecia a docura possivel da amizade, outra uma carente e fantasista que, vestida de bruxa, prega com gengibre afrodisiaco para tentar subir às alturas e fazer o pino possível  (sem afetar o reumático e a osteoporose.....LOL), outra despromovida `categoria de "colorida" que tudo aceita e calmamente espera pelas migalhas de mimo que alimentam a alma e adiam o fim... a morte anunciada a todos... 

Curiosamente, alguns esquecem que a morte está já ali ao virar da esquina. 

Vamos todos morrer a muito curto prazo. Era bom lembrar isso sempre! Ter a noção da finitude para aproveitar melhor o tempo que temos de qualidade. Pensar nisso, mais vezes. Para que se possa viver sofregamente todos os momentos - os dias de sol ou os de nevoeiro - sem cuidar de quem não nos quer bem e nos despreza e concentrando-nos no afeto de quem merece.

O mais triste seria constactar que ninguém merece o nosso afeto, que ninguem precisa de nós - a inutilidade e a invisibilidade total. Aí mais vale fugir, partir, viajar, mudar...

Sentada num sofá, a encher de palavras os buracos do desamor não se vive... tudo é inútil.


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