segunda-feira, 22 de agosto de 2022

Da Inutilidade de um Abraço


As melhores coisas da vida são as que são dadas em vez de recebidas. O afecto sentido ou o abraço dado, por prazer de entrega, não têm preço, nem matéria, nem finalidade, nem obrigação de dádiva, nem compromisso de eternidade. 

Um abraço, um aconchego são um simples pulsar, universo estrelar, etéreo e terreno, espírito transcrito numa dose mínima de matéria, a suficiente para traduzir em toque físico aquilo que as palavras nunca serão capazes de expressar. 

Gosta-se mais do que se consegue mostrar.  É possível enganar por excesso, ou seja, gostar mais do que o enredo da intimidade física indicia e muito mais do que um discurso patético pode levar a pensar.

Um abraço é fraco suporte para o vulcão que comporta… se for verdadeiro e forte, se for assim a modos que … demasiado, excessivo, amalucado.

Os sentimentos - por natureza são de contornos ilimitados - não têm dimensão. O seu tamanho é desconhecido e a sua prova impossível. Da dimensão do Universo, dão-se a conhecer apenas por pontinhos luminosos e distantes, que pouco dizem sobre o seu conteúdo efetivo. 

São espírito quase sem matéria. 

Não fora os gestos que tentamos encenar para transmitir aos outros sinais de uma realidade interior indizível … ficariam inacessíveis e desconhecidos . 

Muitos ficarão certamente…

Muitos sentimentos e emoções (boas e más ) se é que a classificação faz sentido, ficarão para sempre inclusos, enterradas na mente dos seres humanos que os guardam. Por motivos variados: ou porque não têm o dom de os sentir ou porque não têm o talento para os deitar cá para fora. Embrulhados e escondidos, tantas vezes, os sentimentos… aldrabados por quem os ignora ou finge, por quem prefere jogar pelo seguro e não se atreve a encarar o seu semelhante com as cartas todas - coração e mente, convenções e pecado, exagero de paixão ou manias de pirado.

Há quem mostre o que sente de forma mais ou menos limpa e há quem guarde tudo só para si. Todos são respeitáveis. Cada um faz o que quer do seu âmago, do seu sentir mais íntimo. 

Contudo, demasiada guarda pode ser doentia (opinião pessoal, não faz lei). Acumular emoções extremadas pode virar explosão, depressão … Mas olha, paciência, pior para esses pobres coitados. Desses tenho pena (mas talvez tenham tratamento). 

O que me aflige mais são os outros, os que dizem não ter nada para oferecer.

Será que existe mesmo quem não tenha nada lá dentro? Desprovidos dessa gaveta da alma, sem nada  para guardar? Os psi devem saber responder, eu não.

Custa-me imaginar um ser humano saudável e normalmente inteligente possa dizer que não tem nada lá dentro. Vazio! Indiferente à vida que passa. 

Mas admito que haja quem pense assim e se realmente não têm sentimentos nem emoções de relevo ( para além dos de natureza “animal”: o medo, a comida , a sobrevivência básica, o sexo .. ) então, é lógico que não possam expressar, em matéria, um espírito inexistente . Só sai lá de dentro o que lá entrou ou nasceu! 

Contudo, por ironia. os gestos do Vazio podem ser semelhantes (na aparência) aos modos do Real. Tal como o cinema imita a vida, mas não deixa de ser ficção.

É possível e respeitável. 

tolerância,  para com todo o tipo de gente, assim o exige . Mas é pena… muita pena que haja quem passe por esta vida com um preservativo enfiado na cabeça: evita acidentes emocionais, mas retira prazeres maiores.

Tantos vagueiam por aí e, sim, até se sentem bem. Não percebem um abraço inútil porque oco, um beijo em pró-forma porque não tem por origem uma explosão de estrelas interior, nem um tremor de terra emocional que sobe das profundezas do sub consciente. Das entranhas…

De nada serve, eu sei, de nada serve um beijo ou um poema… mas gosto de dar e matam-me a fome. 

A pragmática criada de Sophia dizia que se não fosse ela comiam-se versos lá em casa… e as crianças a crescer, então como seria?

Mesmo inútil, um abraço é bom! E a felicidade pode existir, na simples experiência teórica de haver um objeto amoroso, alguém a quem possa dar um abraço, um beijo, um aconchego mais quente nos dias (ou nas noites) escaldantes. 

Virtualmente ou com um deslisar de pele, por mensagem ou colando uma nudez a outra. Tanto faz, desde que a fantasia se corporize em dom. 

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