- Liberdade é não ter de pedir desculpas...
É andar de cabeça levantada, sem pesos nem culpas, sem deveres por cumprir, com os compromissos básicos assinados e resolvidos, com o coração leve... porque de consciência tranquila consegue-se caminhar livre, bem, em alegria e em paz.
É a leveza da certeza de que estamos (ou pensamos estar) certos, seguros de que fizemos a opção mais direita para nós e para os outros.
Esses outros, onde se incluem tantos, são o nosso alvo e o nosso conforto - são um bolão amalgamado de gente pendurada ou despendurada de nós, que nos circunda, que vai e que vem...
desde a família próxima, aos amigos, aos que nos ajudam e prestam serviços no dia a dia... até à Humanidade exterior ou interior, sendo que a primeira muito indiretamente depende dos nossos atos individuais e a segunda depende totalmente.
Como é possível conviver bem, sem culpas, nem stress, com alegria e liberdade com toda esta gente conhecida e desconhecida? Não é!
Não é possível agradar a todos ao mesmo tempo, pois se nem eu própria sou capaz de agradar a mim mesma o tempo todo.
Logo há que desenhar uma estratégia, mais ou menos engenhosa (ou mesmo mentirosa) para sobreviver na selva que nos rodeia e na selva ainda mais densa e conflituosa que vai gradando por dentro.
Há que mondar as ervas daninhas interiores, apagar as caraminholas que a cabeça gera nos dias de nevoeiro...
Há que soltar as amarras das culpas (inexistentes), a pressão do politicamente correto (sempre presente, mesmo que fechemos os olhos, fingindo não ver).
Há que construir a nossa "casinha" dentro deste labirinto humano que cada um é, nessa teia que são as relações connosco e com eles, os tais "outros", que se consubstancia na forma como entendemos a vida ou a mudamos, dentro dessas relações, sejam elas com as pessoas concretas de quem sabemos o nome e amamos (de modos tão ricos, quanto diferentes!), seja no contexto dos problemas de fora: do bairro, da sociedade ou do mundo.
Há que sobreviver - e para isso, a única âncora é o amor, é cultivar afectos, para que nasçam flores nos lugares que tendem a ser ocupados por erva ruim...
É estarmos atentos para que não abafem as rosas, se não soubermos arrancar o joio, a tempo e com precisão.
Mas voilá, elas nascem, quand même!
E se nascem é porque afinal nós ainda não adormecemos de todo, na melancolia da vida confinada, à sombra dos perigos pendentes e conseguimos puxar raios de cor da Natureza, que se cumpre ao sol!
É Verão. Para mim ainda é Primavera, porque esta passou tão confinadita que nem dei por ela, vivendo um dia de cada vez, à espera nem sei de quê... uma espera em tempos de virus, que transformou uma estação em esquecimento.
Até não foi mau, mas foi diferente... e o corpo (neurónios incluídos) ainda está a reajustar-se...
Tropecei em pequenos vírus interiores, que viraram insónias e escritas de textos mais ou menos tresloucados... sentidos, sofridos, é certo! Ultrapassei, por agora, sabendo que mais pedras haverá pelo caminho.
Atrasada, meia baboleante, volto a repensar afinal onde andei nos últimos três meses, que tanta coisa boa teve e tantas fases de angústia, insegurança e medos me trouxe também.
Lendo para trás o que escrevi, reparo que o que mais me afetou nem foi a doença (ou a sua possibilidade), foi mais o medo de o futuro não ter um lugar para mim, foi mais a incerteza dos afectos...
Injustamente, esqueci os bons momentos: a praia quase sempre só para mim, maravilhosa, azul e límpida.
A alegria dos poucos convívios permitidos: passeios a pé, um café ou um almoço entre amigos próximos e queridos, numa esplanada mais arejada e supostamente "desinfectada".
Pequenos prazeres que souberam a tanto e que deixaram a promessa de que poderá haver outros doces momentos, se cultivarmos a liberdade a par das rosas, se nos sentirmos livres para viver assim... em alegria, cultivando afetos... próximos ou à distância.
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