sábado, 11 de julho de 2020

Palavras




Porque penso, logo escrevo. 
Porque as palavras não ditas, não existem. 
O mesmo acontece com as palavras não escritas. As ideias passam na flutuação do som que entra num ouvido e sai pelo outro, do interlocutor ou do grupo a que se destinam. Passam e não poisam. É um ar que se lhes dá... 
E as palavras - essas grandes amigas das ideias - são tão voláteis que, se não forem escritas, também não existem. Ou pelo menos, correm  o risco de voar rapidamente para o cemitério das ideias esquecidas, para o arquivo dos talentos e dos sons levianamente considerados inúteis.
Se as palavras virarem frase, poema ou livro... se forem escritas, durante um breve momento criam a ilusão de que alguém as leu, que pensou na ideia interior, que refletiu no seu significado.  
Assim, com sorte, se fará a ponte entre esse conteúdo e a sua relação ou similitude com experiência de vida de cada um, ouvinte ou leitor.  

A palavra guardada, os sentimentos timidamente enterrados em nós que não partilhamos por escrito ou na intimidade do verbo falado são inúteis. 


Não existe, esfuma-se e só a voltaremos a encontrar na tumba ou no Além (para quem acreditar nesse pós-vida).
Não existindo a palavra, as ideias vão parar invisíveis ao fundo do mar, se o nosso corpo for incinerado e dado a comer aos peixinhos. Esses não sabem ler e são cegos à emoção de um corpo morto carregado nas cinzas lançadas ao mar, tal como as minhocas se os ditos restos forem enterrados num jardim de rosas.

Os sonhos e as ideias levadas em silêncio no Eu, transmudado e feito pó, não servirão a ninguém nem fertilizarão a Natureza-mãe. A pouca matéria que levamos será terra ou água, as ideias e os sonhos realizados ou desejados, esses por serem incorpóreos, levam-se na morte e perdem-se.
Resta a matéria que fica no mundo - suporte de criatividade ou de sabedoria - ficam as imagens, os desenhos, as palavras, os sons gravados, musicais ou discursivos. Fica aquilo que saiu de cada um de nós destinados aos outros. Apenas a intimidade e a criatividade exposta existe e pode permanecer um pouco mais para além de nossa finitude.


Só as palavras escritas permanecem, tal como a memória curta de quem nos conheceu e amou em vida: os filhos elos maiores, os amantes mais fugidios, os amigos a quem marcámos, o trabalho que deixámos, os ensinamentos que bem ou mal passámos às gerações seguintes.

A sabedoria profunda, essa, expressa-se apenas de duas maneiras: 
  • Amor (que é finito) e parte com a ida ou na memória dos seres amados e  
  • Palavras (ideias que possamos deixar gravadas em qualquer suporte). Há que escrever portanto... nem que seja para o éter!
Porque escrever é a dávida mais duradoura e amar a mais transitória.
Ambas me são muito caras e continuarei a amar o melhor que sei e me deixam (ciente que tenho talento para isso, mas nem sempre destinatários à altura) e sabendo que quanto à escrita o talento é relativo, mas a vontade de passar a mensagem é muita.
E se há tantos mais escritores que conseguem vender as suas ideias... porque não tentar partilhar o que aprendi e que pode ser útil aos outros, usando as palavras certas, as que julgo mais claras, as que tenho generosamente para dar, mesmo que não sejam alta literatura?
São palavras que saltam aos pulos de dentro de mim e que são Amor. São para os amigos, para os filhos, para humanidade que estiver atenta ... 

Tal como o Amor disponível, em stock, num armazém interior a abarrotar e mal arrumado que tenho de organizar melhor, para que chegue a quem mais merece e precisa.
Tenho consciência que este bem precioso deveria ser dado como herança em vida aos filhos e família próxima... mas é bem difícil fazê-lo. Porque não estão despertos, porque não necessitam de mim? Ou porque falhei na educação para os afetos e para a solidariedade e inter-ajuda familiar? Não sei. A culpa deve ser minha, mas a cultura predominante no lugar real onde nasci e onde sou Eu, é de reserva e pudor pelos sentimentos pessoais e alheios, é pouco dado à partilha de afetos e de ajudas com substância. 
Também eu não fui educada “para dar” aos meus, para unir os meus, fui criada para construir um mundo melhor por dever cívico, tendo em conta a sociedade em que vivo e o que espera de mim. Fui formada para dar e para usar os meus talentos em favor dos meus semelhantes, do meu País, de todo um conjunto de tipos desconhecidos que supostamente merecem que eu explore o meu potencial criativo, a inteligência com que  fui prendada, retribuindo a educação que a sociedade, os pais e o sistema de ensino me proporcionaram. Na prática, fui formatada com a obrigação de pôr os meus talentos e trabalhos ao serviço dos outros.

Isto é um xadrez onde me perco de mim, porque prevalecem os outros que beneficiam do meu produto - amor, trabalho, criativadade de dádivas diversas, e as recebem sem juizos de valor. 

Um cenário cruzado de dador-recebedor, a preto e branco, linear e austero, de contraste e rigor... onde a meu Eu, a feliciade ou os sentimentos são fumo que paira e não se escreve na pedra base.

A minha felicidade nunca era equacionada neste mundo de deveres que tinha de cumprir, sendo a contrapartida desse bom comportamento um a questão irrelevante.
Muitos deveres, poucos direitos. 
Ser feliz viria ou talvez não a acontecer, era tudo uma questão de sorte. Não fazia parte do cenário, necessariamente.
Cumprir bem as obrigações isso sim. Sobretudo ser boa mãe e boa esposa. Quando ao primeiro destes deveres teve muitas falhas - que lamentarei eternamente - quanto a boa esposa esmerei-me e fui. Fui uma esposa e companheira que tudo fez com prazer, empenho e devoção (e Amor, sem dúvida alguma).
Só que escolhi um programa de exercício da função esposa pouco ortodoxo e consensual. Acabou por correr mal por razões estúpidas...  por exercer fora da caixa.

Quanto aos amigos que importaram e aos que ainda importam continuo a esmerar-me com talento, mesmo que a minha "arte" feita com amor e carinho, nem seja sempre bem compreendida.  
Por estar fora do meu tempo? Por incompreensão dos outros? Certamente por motivos externos a mim, porque sei, acredito com muita fé, que tenho talento para ser a melhor esposa do mundo, a melhor amante, a melhor amiga. 
Não serei a melhor mãe ... pode ser que a vida me ajude a encontrar uma nova via por onde possa caminhar neste aperfeiçoamento . Gostava muito.
Também não sou a melhor filha... para isso tenho uma boa desculpa - não me foi dado o “capital afetivo e de compreensão” para que hoje consiga retribuir, mas creio dar mais do que aquilo que recebi ou que contabilizei como receita. Talvez esteja a ser injusta e a memória de 64 anos de vida se tenha esvanecido no tempo e nas circunstâncias.
Há um desequilíbrio interior latente, por saber que nunca serei justa nem perfeita. Há uma dor surda que faz de mim um ser que ainda não encontrou paz... uma alma inquieta.

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