segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Como matar a saudade?


Que eu saiba, ainda ninguém escreveu um manual de sobrevivência, de auto-ajuda para ensinar - de um modo prático e eficaz - a melhor forma de matar a saudade.

O povo diz, quando vê alguém que esteve ausente por um tempo, que assim matou as saudades.

Mas não é desta receita de matança de que falo.
Não se trata da saudade tipo "constipação ligeira", daquela que se cura com aspirina, ou seja, que se resolve com um beijinho a um parente afastado que regressa ou em tomar café com um amigo que não se vê há muito.

Trata-se de Saudade mesmo! Doença grave, endémica, persistente, feroz... debilitante - falo daquela saudade que, por vezes, nem tem objeto, não é saudade de ninguém, não é do passsado... nem mesmo saudade do futuro (sendo certo que esta também existe e que  é terrível doença!).

Para essa forma séria de Saudade há que encontrar soluções.

Estou em crer que o melhor nem é curar a doença, é agir a montante - evitar que a saudade se instale, matar o próprio sentimento em si.
Criar uma vacina, para que nunca se venha a sentir isso.
Matar, mesmo. Fazer com que o conceito deixe de existir e de nos perturbar.
Porque ter saudades é uma chatice dos diabos!


"Ai quem me dera sofrer e não sentir,
sorrir ao te ver partir,
saber que nem fazes falta, 
e que o melhor mesmo é cantar,
é dançar e ir com a malta.

Ai quem me dera que a saudade fosse água...

azul, transparente ou branca,
que não fosse mágoa.
Fosse gota caída na areia, 
que não molha, não quebra, nem balança 
que na sua aridez se dilui e do coração nada arranca.

Ai quem me dera arrasar da face da terra essa erva daninha

que corrói e que dói, que nos tortura e mói.
Quem me dera ser um chão estéril e deserto
onde a saudade não medrasse e aí morresse, por certo."



Podemos ter saudade de quem se quer e não se tem, de quem se afastou e não voltou, de quem nunca veio, mas existirá algures num lugar de fantasia dentro de nós.
Podemos sentir a perda do passado ou a saudade do futuro.


Erradicar a saudade da lista de sentimentos humanos parece-me um assunto quase tão importante como encontrar a curar para a lepra. Parecia dificil há uns anos, mas até se conseguiu (ou quase).


Os leprosos iam para um lugar afastado, uma ilha deserta... assim se fazia de conta que a doença não existia e não contaminavam os outros. Podíamos fazer o mesmo com os saudosos crónicos - todos para uma ilha, já!
Aí, poderiam chorar sòzinhos até morrerem de aborrecimento e não faziam mal a ninguém.

Como esta medida me parece obsoleta e complicada, há que encontrar algumas ações mitigadoras para ir curando os saudosos, ou seja, aqueles seres desgraçados que sofrem de saudades, com muita frequência e intensidade.

Algumas receitas que podem ser utéis:


Receita nº 1: Não amar

Aqui, Amar é um conceito abrangente, que inclui versões mais ligeiras como "gostar de", estar dependente afetivamente, ter carência disto e daquilo...
Uma alma fria e desprendida, liberta de sentimentos amorosos ou de prisões afetivas, não ama... mas também não sofre nem tem saudades.



Receita nº 2: Micro-Chip eletrónico

Trata-se de encontrar um substituto para o vírus da saudade, ou seja ocupações mentais que se instalem no cérebro e que evitem a usurpação do espaço por sentimentos dolorosos, como a saudade. Por exemplo, inserir um chip de inteligência artificial, que dotasse o paciente de uma incapacidade permanente para sentir saudade, dando-lhe outras hipóteses de ocupação da mente. A saudade entrava pelo cérebro a dentro e, zás, esbarrava no chip! Este rapidamente a curto-circuitava e pimba, a saudade morria ali. No seu lugar, naquele neuroniozinho onde a saudade se costumava alojar, o chip criaria coisas lindas para a mente se ocupar e para entreter o coração.



Receita nº 3: Metadona

Juntar os saudosos numa associação de partilha de experiências, onde todos se encontrassem numa mesma fé e passassem a ter saudades apenas uns dos outros e não dos antigos objetos da sua saudade. É a solução estilo metadona, deixam de estar dependentes de um antigo afeto, por quem tinham muita saudade e sofrimento, que estava a criar uma dependência perniciosa, e passavam a ter uma saudade muito mais light e inofensiva, pelo um grupo de ajuda colectiva.


Receita nº 4: Deitar fora as agendas

Quem não tem programação de vida, também não tem expetativas. E quem nada ambiciona, também não tem desilusões. Ora a saudade é desejar o impossível... por isso, não vale a pena forçar o pensamento nesse sentido. Não se pode ter, então paciência... não se tem! Não há que agendar um regresso ou um retorno ao passado, uma vivência semelhante ao que se teve de bom, nem esperar o cumprimento de um desejo futuro.
Matar o desejo e a expetativa é meio caminho andado para não ter saudades, nem desilusões. A nossa agenda de boas coisas para fazer (que depois não acontecem) ou de boas coisas que foram feitas (mas não se repetem) é um documento a abolir! Só serve para trazer dor ao presente.

Receita nº 5: Ginástica

Existe uma panóplia de filosofias, práticas e metodologias que incluem exercícios de ginástica mental, para ensinar uma pessoa a centrar-se em si mesma e no momento presente. Por exemplo, o mindfulness ou yoga... Qualquer forma de meditação serve!
É de difícil treino e implementação, mas quem o consegue é um sortudo.
Encontrar a paz interior... des-sentimentalizar a vida...
Eis a solução!









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