quarta-feira, 7 de agosto de 2019

Mc Donald



Solidão é caminhar à chuva pelas ruas, andar em frente e indiferente, pelo gozo de ir sem regresso, pela sensação de movimento que anima, agita as partes que parecem paradas, que paralizaram de infelicidade. 
Andar agita e mexe com o corpo exterior... puxa pelo adormecimento atormentado do corpo interior. 



Continua a chover... Andar de cabeça descoberta, cacimbo que cai e molha cabelos, roupa enfiada à pressa - uma espécie de fato de treino que tudo protege - debaixo o corpo nú arrancado à cama, parte à deriva pela cidade escura, a uma hora em que os trabalhadores e os inocentes dormem. 



Solidão é isto, mas também é liberdade. É poder sair da cama à uma da manhã e não ter de explicar porquê.

Também não seria capaz de o fazer... Saí à procura de mim mesma, o exercício faz-me sentir viva, a chuva dá-me a certeza de que o mundo segue o seu ritmo natural, apesar da Natureza estar um pouco estranha. Chover numa noite quente de agosto não é normal.


Deambulo e abrigo-me num McDonald, lugar que no mundo inteiro não dorme e mata a fome aos notívagos.

Eu não tenho fome de hambúrgueres, apenas fome de coisas doces, de beijos por exemplo. Mas aqui, o mais parecido que há com beijos são sundaes.
Um gelado para suprir a falta de carências.


Ao meu lado, todos parecem alegres e com cara de verão: casalinhos de namorados, estudantes do Técnico e os “caracóis “ cúbicos da UBER.

Estes trazem a casa às costas, uma enorme mochila quadrada para carregar comidas e bebidas, que irão reabastecer os amantes preguiçosos que ficaram na cama, depois de exauridos por performances trabalhosas ou os trabalhadores que servem de noite ou os solitários ainda mais solitários do que eu, resguardados em casa e sem ânimo, talvez com insónias e certamente  com fome suficiente para telefonar e pedir uma bucha para encher a noite, que custa a passar.


E há ainda as três graças que entram juntas aos saltinhos, duas mulatas e uma branca, os rabos prodigiosos ocuparam todo o espaço à sua passagem, as bolinhas de trás em número de seis eram redondas e boas, quanto às mamas essas já iam lá à frente, quando acabou de passar sob o meu olhar o friso de bumbuns sobre-elevados,  nos seus calções mini e nas calças coladeras. Tops curtos, predicados rotundos e esfusiantes de fora. Tudo o que era para se ver, de fora. O lado de dentro - as partes boas do interior, essas iriam entrar ao serviço (ou sair) para as suas nobres tarefas - dar um doce a quem levasse cada uma das meninas, ou talvez as três de uma vez, se for alguém mais abonado, corajoso e amante de rebaldarias redondas, fofas, atrevidas e sexy, em regime de triunvitato coletivo. Elas riam-se e comeriam mais um hamburguer redondo, dos outros dos cilindricos já tinham provado...




E eu volto à chuva para refrescar as ideias - a água não lava desgostos e a chuva não é suficientemente fria para que eu possa deixar de tremer. Está calor e eu tremo. Tremo de desilusão, de desalento, de pena por mim mesma, porque não me encontro nas ruas que atravesso. Porque o meu cabelo está molhado e agora tenho de o secar.  Queria mesmo é que o meu coração secasse um pouco ... e queria dormir.



Tinha objetivos e desejos que foram pura e simplesmente desvastados com um repúdio grosseiro.

Amanhã, caminharei procurando um novo bouquet de objetivos que dêem sentido ao meu destino mais próximo, reformularei o meu norte para ter algo para fazer de meu.
Para já, tentarei encontrar um pouco de paz nas bordas do lago e na amplitude da planície...
Procurarei na Natureza o que não tenho nos homens, a fusão e o aconhego, a reconciliação com o mundo e comigo. 
Porque eu faço parte da Natureza e essa fusão é importante, para me integrar e para me entregar, deixar-me-ei envolver suavemente no vento que sopra... entregar-me-ei sem resistência ao calor, ao pó, aos pássaros, às estrelas e aos silêncios na noite, ao som das vozes dos bichos, à erva dourada do dia ...


Talvez a solidão e o silêncio, em redor desta fauna e desta flora, me tragam a paz que me falta.

Se não houver nada à minha espera, se o tal bouquet de tarefas boas estiver gasto ou entregue a outros, se a minha ajuda não fizer falta nenhuma, irei para o campo apanhar papoilas só para mim. Se não sirvo para nada (aos outros) tratarei de mim, que também sou importante.


Colocar-me no centro do meu mundo. Essa tem sido a tarefa mais difícil de empreender nos ultimos anos e que, ainda, não consegui aperfeiçoar. Eu sou a coisa mais importante que tenho e devo cuidar desta casa com cuidado e amor - no corpo e na mente. 



Habituei-me a pensar a dois, a três e a quatro. Neste conjunto, eu valia pouco e ainda não criei a consciência de que valho muito. Porque preciso que os outros o reconheçam. Ainda preciso de espelho para me sentir bonita. Preciso de ver no rosto daqueles a quem quero, que sou boa e faço falta.



É insegurança bem sei. Precisar de ajudar o próximo para demonstrar a mim mesma que tenho valor é estúpido .

Estou demasiado dependente do reconhecimento e do amor , estou demasiado centrada na dávida para me sentir bem.
A frieza da razão era bem melhor.

Deixar andar, fazer o que me parece bom para mim, mesmo que mais ninguém ache...
Afinal eles querem lá saber de mim... ninguém se importa em saber se sou feliz, ninguém mede a dimensão obscena das minhas desiluções e medos. Só se lembram de mim quando tenho alguma mísera utilidade...


E dentro dos limites mesquinhos do politicamente correto e dentro das balizas do socialmente aceitável, eu tenho muita pouca serventia e muito pouca liberdade para dar e receber prazer. Tudo certinho, direitinho... cola mal comigo.


Importa lá o coração... o que importa é lavar a loiça e arrumar a tralha.
Pois eu irei fazer tudo para salvar o meu! 
Um coração limpinho e feliz - depois da loiça lavada e das obrigações feitas - é o melhor travesseiro para uma noite em paz.







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