Santa Teresa d'Ávila, a mística doutora da Igreja, chamava à imaginação a louca da casa.
A ideia serviu de mote a um extraordináro romance de Rosa Montero:
A Louca da Casa
A imaginação tresloucada que
nos habita e nos submerge.
A criatividade que é a essência do trabalho artístico,
da escrita e fonte de vida, na nossa relação com os outros. A Louca que vive
dentro de nós, para o bem e para o mal.
Li o livro há muito, julgo que
quando foi publicado. De leituras anteriores, já suspeitava na Rosa Montero um toque
de alma gémea, vislumbrei (ou imaginei) afinidades de pensamento e de postura
perante a vida, o mesmo gosto por entender as relações humanas, por investigar e
refletir sobre amores-afetos e sobre paixões. Ou antes, sobre a paixão, porque
esta se define no singular, mesmo quando o destino nos ofereceu plurais.
Esqueci os nomes dos
personagens, o enredo e muito mais. Lembro o essencial – a imaginação é a louca
da casa, um cavalo selvagem que cavalgamos perigosamente, quantas vezes sem
controlo, sem que o queiramos domar.
Quanto à Rosa, vejo-a sempre em
Madrid, mesmo quando faz apelo a outros lugares e a outros autores com quem
dialeticamente se compara, É aí que as suas personagens corporizam a tal
“loucura”, circulando na movida madrilena, nas franjas da intelectualidade, num
quadro contemporâneo de relacionamentos diversos, social e sexualmente variados,
muitas vezes fora dos padrões da domesticidade burguesa.
Não sendo um ensaio – é sem
dúvida um romance – o texto questiona o que é escrever. Deve, por isso, ser
lido para além da trama … para refletir no não-escrito, naquilo que existe
antes ou para lá da história.
Escrever é uma compulsão, algo
a que não se pode fugir porque a louca nos impele a tanto. Porque se escreve? O
que faz um escritor? Decide-se escrever porque há necessidade de partilhar com
outros o que temos cá dentro? Ou escreve-se como fuga à nossa própria realidade
quotidiana, apoucada, aborrecida. O que mora na nossa casa louca parece ser bem
mais interessante do que a vida real. A criatividade é um espaço de liberdade para
dar asas aos espíritos que nos habitam, mas também é um refúgio, um espaço de conforto,
um lugar seguro para fugir da normalidade.
Hoje a minha imaginação está tropega, pegajosa, densa, estúpida como o calor cansativo de uma cidade parada. Sim, porque também há do outro - o calor emociante e vivo do Alentejo! Esse está, por ora, vedado.
Por isso e enquanto ela (a imaginação) não descongela do calor, socorro-me das verdades dos outros, mais criativos e sábios.
Maria do Rosário Pedreira cita Einstein, que perante a questão de
saber o que é mais importante – se o conhecimento, se a imaginação, respondeu:
“Sem
qualquer dúvida, a imaginação, porque o conhecimento leva-nos de A para B, mas
a imaginação leva-nos de A para todo o lado.»
E lembro ainda um desabafo, sob a forma de poema que li um dia: "É tão bom alimentares a minha imaginação..." Como se a imaginação precissasse de alimento. Não precisa! Ela é tão louca, quanto auto-suficiente. Vive. Tem vida própria, corre sozinha como um cavalo à solta...
Não precisa de ser alimentada, é o contrário: é ela que nos alimenta e dá sentido à vida real, tão limitada pelos A e pelos B, que não cabem na nossa mente e muito menos no nosso coração.
É ela o espaço de liberdade de que precisamos para ser felizes e flutuar sobre as contrariedades da vida comum, sobre a pobreza afetiva, sobre a solidão, sobre os sentires frágeis e mesquinhos que nos submergem de maldade, de desgosto, de coisa ruim, se não soubermos voar mais alto.
Por isso, é preciso caminhar de braço dado com a tal louca que nos sustenta a alma e, se possível, de braço dado com amigos loucos, que queiram ir connosco nessa doida caminhada de amor, amizade e coisas boas para sonhar...
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