quinta-feira, 1 de agosto de 2019

A Louca da Casa





Santa Teresa d'Ávila, a mística doutora da Igreja, chamava à imaginação a louca da casa. 

A ideia serviu de mote a um extraordináro romance de Rosa Montero: 


A Louca da Casa


A imaginação tresloucada que nos habita e nos submerge. 
A criatividade que é a essência do trabalho artístico, da escrita e fonte de vida, na nossa relação com os outros. A Louca que vive dentro de nós, para o bem e para o mal.

Li o livro há muito, julgo que quando foi publicado. De leituras anteriores, já suspeitava na Rosa Montero um toque de alma gémea, vislumbrei (ou imaginei) afinidades de pensamento e de postura perante a vida, o mesmo gosto por entender as relações humanas, por investigar e refletir sobre amores-afetos e sobre paixões. Ou antes, sobre a paixão, porque esta se define no singular, mesmo quando o destino nos ofereceu plurais.
Esqueci os nomes dos personagens, o enredo e muito mais. Lembro o essencial – a imaginação é a louca da casa, um cavalo selvagem que cavalgamos perigosamente, quantas vezes sem controlo, sem que o queiramos domar.

Quanto à Rosa, vejo-a sempre em Madrid, mesmo quando faz apelo a outros lugares e a outros autores com quem dialeticamente se compara, É aí que as suas personagens corporizam a tal “loucura”, circulando na movida madrilena, nas franjas da intelectualidade, num quadro contemporâneo de relacionamentos diversos, social e sexualmente variados, muitas vezes fora dos padrões da domesticidade burguesa.
Não sendo um ensaio – é sem dúvida um romance – o texto questiona o que é escrever. Deve, por isso, ser lido para além da trama … para refletir no não-escrito, naquilo que existe antes ou para lá da história.


Escrever é uma compulsão, algo a que não se pode fugir porque a louca nos impele a tanto. Porque se escreve? O que faz um escritor? Decide-se escrever porque há necessidade de partilhar com outros o que temos cá dentro? Ou escreve-se como fuga à nossa própria realidade quotidiana, apoucada, aborrecida. O que mora na nossa casa louca parece ser bem mais interessante do que a vida real. A criatividade é um espaço de liberdade para dar asas aos espíritos que nos habitam, mas também é um refúgio, um espaço de conforto, um lugar seguro para fugir da normalidade.





Hoje a minha imaginação está tropega, pegajosa, densa, estúpida como o calor cansativo de uma cidade parada. Sim, porque também há do outro - o calor emociante e vivo do Alentejo! Esse está, por ora, vedado.

Por isso e enquanto ela (a imaginação) não descongela do calor, socorro-me das verdades dos outros, mais criativos e sábios.



Maria do Rosário Pedreira cita Einstein, que perante a questão de saber o que é mais importante – se o conhecimento, se a imaginação, respondeu: 

“Sem qualquer dúvida, a imaginação, porque o conhecimento leva-nos de A para B, mas a imaginação leva-nos de A para todo o lado.» 



E lembro ainda um desabafo, sob a forma de poema que li um dia: "É tão bom alimentares a minha imaginação..." Como se a imaginação precissasse de alimento. Não precisa! Ela é tão louca, quanto auto-suficiente. Vive. Tem vida própria, corre sozinha como um cavalo à solta...

Não precisa de ser alimentada, é o contrário: é ela que nos alimenta e dá sentido à vida real, tão limitada pelos A e pelos B, que não cabem na nossa mente e muito menos no nosso coração.


É ela o espaço de liberdade de que precisamos para ser felizes e flutuar sobre as contrariedades da vida comum, sobre a pobreza afetiva, sobre a solidão, sobre os sentires frágeis e mesquinhos que nos submergem de maldade, de desgosto, de coisa ruim, se não soubermos voar mais alto.

Por isso, é preciso caminhar de braço dado com a tal louca que nos sustenta a alma e, se possível, de braço dado com amigos loucos, que queiram ir connosco nessa doida caminhada de amor, amizade e coisas boas para sonhar...




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