sexta-feira, 2 de agosto de 2019

A Casa


A casa tem alma se tivermos amor para pôr lá dentro

Há a casa-abrigo e a casa-ninho. E as diferenças entre uma e outra são tudo, fazem ou desfazem a vida de uma pessoa e o seu lugar no mundo.

Uma casa pode ter tudo e estar vazia. Ou estar vazia, pobremente vestida de mobílias e de coisas, mas cheia de alma.

Há quem não tenha casa, o que não significa que seja um “sem-abrigo” ou viva na rua – são os que se abrigam junto de amigos, conhecidos, tentando aconchego gratuito ou alugado… porque pouco têm se seu. Mas têm amor para dar e essa troca de um teto por afeto parece-lhes justa.

Há quem seduza um dono de casa para ser dona da sua (dele) casa. Porque uma casa é tão útil, dá tanta segurança, dá tanta riqueza a quem tem pouca sorte e pouco de seu.

Há quem roube, há quem manipule, há quem se venda, há quem compre ou explore o outro, sorrindo – tudo por uma casa! Por uma casa-abrigo, por uma casa-conforto, por uma casa-velhice…

Há quem viva para a casa, para o património, para a sua evidência valorativa, para a beleza dos conteúdos ostentativos, para a projeção desta na comunidade dos espetadores da sua vida. Esses desconstruem a base afectiva de um lar, pensando que estão a construir uma casa.

É a casa-montra, a casa-certificado de posicionamento social, a casa-solidez patrimonial.

Há quem perceba – talvez, tarde demais – que uma casa não se rouba, nem se conquista.  E que se pode perder...

Uma casa constrói-se com amor, com afeto genuíno, consentido, gratuito e bilateral. Uma casa com alma tem amor lá dentro, tem bondade, partilha de interesses… é feita de boa-fé, sem apropriação indevida, sem artifícios. Romântico e irrealista? Talvez.

Uma casa só é ninho, se for legítimo local de habitação de amor desinteressado…. Se for um lugar a que possamos chamar de nosso - em exclusividade ou em parceria - mas nosso por direito próprio, esse que só a alma legitima.



Apenas a casa virtual - a do ninho dos nossos afetos - é sólida. Todas as outras são transitórias. Essa transporta-se como uma roulette e estaciona-se algures onde der... e também se abandona quando a paisagem fartar... 

Porque, neste mundo, a única coisa de certo que temos é saber que nunca teremos casa. Temos uma paragem de autocarro, um lugar no parque de estacionamento, precário, passageiro... E no outro, ela não faz falta!

Estamos de passagem, em transito entre casas, entre ninhos e abrigos, entre nada e coisa nenhuma. Sòzinhos ou acompanhados... Cada noite é um exercício de imaginação para saber, ali e agora, onde vamos dormir, onde estamos, quem está connoosco, na nossa casa ou em casa nenhuma...



Casas..., Pintura de Edward Hooper

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