terça-feira, 6 de agosto de 2019

Agosto



Infeliz! 
Desorientada e sòzinha... talvez a solidão seja mais efetiva do que parece, tenho medo de que seja mais permanente do que transitória. 
Será apenas uma simples solidão de agosto, tipo pequena gripe sem importância ? 
Será que o vazio da cidade, sem gente para gostar, se está a espalhar dentro de mim, abrindo um buraco no pulmão do tamanho de uma pneumonia?  
Ou será pior: talvez o prenúnico da verdadeira solidão que vem chegando, a perda real de afetos bons, do pilar imaginado que afinal é um palito de cartão desmonorativo e frágil... 
O chão foge-me debaixo dos pés. 
Acordo e não sei onde estou, nem para onde vou. Penso nisso a cada momento em que é preciso decidir: o que vou fazer no minuto seguinte? e no dia seguinte? e este mês, neste querido mês de Agosto, que me repudia? O que faço? O que esperam de mim? O que quero? Não sei.

Os meus pés, que não têm chão, encaminham-se rotineiramente para os lugares habituais - casa, trabalho, almoço, café, supermercado, cama, drogas... insónia - sempre igual, lugares que são meras paragens de um trajecto circular (há autocarros assim : começam numa ponta e voltam à base) .

É a volta do dia, dos muitos dias sem futuro, a rota do 55 pára-arranca e regressa à noite, a uma velha estação de autocarros sem gente, décrepita de velhice e desassossego... onde ninguém me espera, nem deseja.
Á hora do sol, as coisas são menos negras, sou a passageira de um carrossel, bonito mas monótono, anda sempre à roda com as mesmas peças a bordo e eu enjoo...
Um rodopio sempre igual que não chega a lado nenhum.

E tanto que eu queria parar, sinto a cabeça à roda, sair daqui deste círculo que me atrofia e infeliza, queria parar na planíce ao sol, descansar e fechar os olhos, abri-los para ver as estrelas e encostar a cabeça no ombro de quem me rejeita. 
A girafa do carroussel mais a chávena da Alice no País das Maravilhas, as mais fofoqueiras peças do carrossel, estão a rir-se de mim. Eu ouço-as:

- "Aquela pensa que saltando do carrossel em movimento não se vai estatelar... Pensa que encontrará um cavalo vivo que a levará por montes de liberdade, pensa que consegue arranjar melhor par que o cavalito de pau que vive connosco nesta roda segura, rotineira e chata, mas certa e confortável..."

A vida não é um carrossel, minhas queridas pecinhas, a vida é lá fora, longe da feira das ilusões...
Sei que devo saltar desta roda estúpida em andamento parado e ir à minha procura...
Mas estou doente e triste e sem força para ir correr, ir correr à procura de mim cansa... e eu hoje não gosto de mim, por isso não vou. 
E também ninguém me vai dar a mão, por isso eu fico . Fico deitada no chão, chorando sobre a lama num buraco escondido, onde não me vão ver nem socorrer. Vou morrer numa betesga escura, na noite, de exaustão, porque já não me aguento a mim própria...

Porque tive uma quebra de coragem: uma simples frase que eu julgava ir dar alegria, que eu esperava ser uma surpresa boa, recebida com amor, virou chapada!

A desilusão dói mais do que a chapada, porque a prenda, foi concebida com desvelo, com amor e a rejeição é o desamor em forma de nada.

Estou triste! Qualquer um que olhe para mim, percebe: estou feia, estou gorda, infeliz e... perdida... e doida...
Ninguém vê, porque não olham para mim!

Não olham para mim como gente (que sou!). Quem eu queria que olhasse, só vê em mim um objecto útil, uma peça de um xadrez, uma marca no calendário (que não se pode alterar sem que dê transtorno!).
Nem olha para mim... na melhor das hipóteses, ouve a minha voz, que não diz tudo...

Eu sou gente, carago!
Não sou uma coisa, tenho sentimentos em efervescência perigosa, podem explodir, tenho esperanças goradas que me asfixiam, revoltas intimas, medos e raivas, lágrimas encravadas e uma imensa sensação de incompreensão que raia o abandono.

Ninguém vê a minha angústia porque ela não ter cor, ninguem vê a minha insegurança por não saber para onde vou amanhã, porque eu não uso bengala e caminho direita (apesar de alma estar torta). Estou perdida como um cego, tropega como um coxo e estou parva... isso estou de certeza por, mais uma vez, me deixar ludibriar...

Não sei para onde vou amanhã e depois e depois, não sei se haverá Agosto, não sei quem me quer ou quem se prefere afastar, sem o dizer...
Não tenho bússula... não sei mesmo para onde vou amanhã.
resta-me ficar parada, sem coragem para pedir ajuda, uma orientação...
Ninguém - daqueles que giram à minha volta e que, por devoção, podiam querer o meu bem - percebe que é Agosto!

Eu quero viver Agosto!

Não quero apodrecer de angústia como uma ameixa que se estraga ao sol, na árvore aonde ninguém a colheu.

Preciso e mereço viver Agosto. Tenho frio e Agosto aquece...

Agosto não pode ser uma paragem de espera infinda, um lugar de ansiedade e medo, de tristeza e dessassego, esperando o lixo que vai sobejar para mim...

Agosto devia ser sol e alegria. Porque espero, então? Porque continuo sentada à espera da minha vez? 

Aguardo o meu quinhão de tempo, sem saber onde ele entra e o que se espera do aroma da amora desejada ou esquecida ... enquanto apodrece na árvore à espera... sem o prazer da espera, porque esse só existe quando o final é certo.

O prazer da espera, quando se está no limbo da dúvida, não existe. É dor!

Se a espera fosse um intervalo de tempo entre um desejo e uma certeza, eu esperaria por ti... feliz!

1 comentário:

  1. Retrato (auto retrato) de alguém perdido e sem rumo, mas com a vontade enorme de encontrar a antítese desta ilusão de viver mas que é, no fundo, uma constante solidão no meio de multidões igualmente em solidão. Eu, por este Agosto, tenho andando por aí, na cidade, solitariamente, observando o corpo e a alma de todos aqueles, turistas ou trabalhadores, que enchem as ruas de gente de várias culturas e nacionalidades. Olham e e voltam a olhar, mas, provavelmente, tentam ver no exótico o antídoto para a suas vidas de solidão.


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