sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Amigos

Hoje descobri um projeto de novo amigo... talvez sim, talvez não,
... só o futuro o dirá. A vida vale a pena ser vivida,  pode trazer-nos boas surpresas.
Pode até trazer amor, senão amizade que também dá aconchego. Hoje tenciono ir fazer uma surpresa a um amigo que está distante .. e que nem sonha com a minha eventual aparição.  Caída dos céus e das serras!
Abandonei provisoriamente um amigo que foi pouco sensível ... mas que quero recuperar e é muito importante para mim.
Um dia emocionante e promissor de coisas boas e más. 
Amanhã conto as cenas dos próximos capítulos . Pode ser que todas estas 3 histórias, tão diferentes, tenham um final feliz!

quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Aquecimento Global



Penetro no bloco de gelo, para ver se existe! Penetro no desconhecido, que não é água, nem é ar, nem é nada de mim... Algo estranho e longínquo... Intriga-me saber se, lá bem no fundo, continua a ser frio e duro, se o iceberg é mesmo uma pedra de água endurecida pela natureza, pela rudeza da vida, pelo frio, pelo mal, pela falta de calor...
Intriga-me e estranho: será mesmo um espaço impenetrável e perigoso, impassível e rígido? Será uma coisa sem alma, sem nada,  água vazia e perigosa... à espera que o aquecimento global a acorde e a derrame para nos submergir a todos?
Para matar quem vive a quente... mais a sul.
Penetro tão fundo quanto posso, na esperança de que o aquecimento global seja verdade e faça o que lhe compete. Temo que possa estar muito atrasado, que já não seja coisa para acontecer no meu tempo e talvez não passe de um vago mito científico... que demorará de milhares e milhares de anos glaciares...
Espero, com otimismo, que um micro-segundo de aquecimento global possa ser o meu, aquele que virá descongelar a pontinha do iceberg de que preciso para ser feliz. 
Na imensa vida dos glaciares, no tempo não humano da natureza planetária, esse micro-segundo não é nada. Para mim, poderá ser suficiente para amolecer a entrada do meu iceberg e me deixar penetrar nele... um metro ou dois... que sou pequena e pouco espaço ocupo.
Na esperança de um pouco de calor, na fé de que um coração quente toca o frio e o traz consigo, para a lareira dos afetos que moram mais a Sul, longe da frieza nórdica e da rudeza dos homens do mar, que por vezes encalham no gelo e naufragam os seus titanics. 
Sim, porque como bem sabemos, o mais maravilhoso Titanic pode ir ao fundo e tudo se perder...
Cá no Sul, onde o sol esperta (às vezes, debaixo do nevoeiro mais quente) uma pequena embarcação navega, meio bamboleante,  temendo o mar, olhando com desgosto os blocos de gelo. Nunca estamos preparados para a possibilidade de encontrar um pico de iceberg debaixo do casco do nosso barco.
E reza a história que a orquestra continuou a tocar no salão, alegres valsas de amor... aquecendo os pares que bailavam, enquanto lá em baixo no porão o frio foi mais forte e venceu!
O frio, a força sob a forma de gelo, foi mais forte que a música, que os corações dos amantes, que as vidas mais belas ou mais sofredoras...
Impedrenido, o bloco de gelo avançou e derrubou o calor. 
Com o aquecimento global, mais blocos de gelo se irão despregar e vadiar por aí no mar das almas perdidas, à procura de um rumo. Mais embarcações andarão à deriva, empurradas pelas águas que crescem geladas, fruto dos desmoronamentos.
Temos de estar preparados, nunca sabemos qual o calhau gelado nos calhou em sorte, que ao derreter nos vai submergir e afogar...
Enquanto espero pelo aquecimento global - o tal de quem todos falam e muitos não acreditam - eu sonho com um pequeno aquecimento parcial, assim a modos que à minha diminuta escala, capaz de derreter a pontinha do gelo que me pica o casco, me ameaça a viagem e que impede de navegar, pacificamente num mar azul e feliz...



quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Tomara...


   

Tomara
Que você volte depressa
Que você não se despeça
Nunca mais do meu carinho
E chore, se arrependa
E pense muito
Que é melhor se sofrer junto
Que viver feliz sozinho
Tomara
Que a tristeza te convença
Que a saudade não compensa
E que a ausência não dá paz
E o verdadeiro amor de quem se ama
Tece a mesma antiga trama
Que não se desfaz
E a coisa mais divina
Que há no mundo
É viver cada segundo
Como nunca mais
 Vinicius de Moraes

quarta-feira, 7 de agosto de 2019

Mc Donald



Solidão é caminhar à chuva pelas ruas, andar em frente e indiferente, pelo gozo de ir sem regresso, pela sensação de movimento que anima, agita as partes que parecem paradas, que paralizaram de infelicidade. 
Andar agita e mexe com o corpo exterior... puxa pelo adormecimento atormentado do corpo interior. 



Continua a chover... Andar de cabeça descoberta, cacimbo que cai e molha cabelos, roupa enfiada à pressa - uma espécie de fato de treino que tudo protege - debaixo o corpo nú arrancado à cama, parte à deriva pela cidade escura, a uma hora em que os trabalhadores e os inocentes dormem. 



Solidão é isto, mas também é liberdade. É poder sair da cama à uma da manhã e não ter de explicar porquê.

Também não seria capaz de o fazer... Saí à procura de mim mesma, o exercício faz-me sentir viva, a chuva dá-me a certeza de que o mundo segue o seu ritmo natural, apesar da Natureza estar um pouco estranha. Chover numa noite quente de agosto não é normal.


Deambulo e abrigo-me num McDonald, lugar que no mundo inteiro não dorme e mata a fome aos notívagos.

Eu não tenho fome de hambúrgueres, apenas fome de coisas doces, de beijos por exemplo. Mas aqui, o mais parecido que há com beijos são sundaes.
Um gelado para suprir a falta de carências.


Ao meu lado, todos parecem alegres e com cara de verão: casalinhos de namorados, estudantes do Técnico e os “caracóis “ cúbicos da UBER.

Estes trazem a casa às costas, uma enorme mochila quadrada para carregar comidas e bebidas, que irão reabastecer os amantes preguiçosos que ficaram na cama, depois de exauridos por performances trabalhosas ou os trabalhadores que servem de noite ou os solitários ainda mais solitários do que eu, resguardados em casa e sem ânimo, talvez com insónias e certamente  com fome suficiente para telefonar e pedir uma bucha para encher a noite, que custa a passar.


E há ainda as três graças que entram juntas aos saltinhos, duas mulatas e uma branca, os rabos prodigiosos ocuparam todo o espaço à sua passagem, as bolinhas de trás em número de seis eram redondas e boas, quanto às mamas essas já iam lá à frente, quando acabou de passar sob o meu olhar o friso de bumbuns sobre-elevados,  nos seus calções mini e nas calças coladeras. Tops curtos, predicados rotundos e esfusiantes de fora. Tudo o que era para se ver, de fora. O lado de dentro - as partes boas do interior, essas iriam entrar ao serviço (ou sair) para as suas nobres tarefas - dar um doce a quem levasse cada uma das meninas, ou talvez as três de uma vez, se for alguém mais abonado, corajoso e amante de rebaldarias redondas, fofas, atrevidas e sexy, em regime de triunvitato coletivo. Elas riam-se e comeriam mais um hamburguer redondo, dos outros dos cilindricos já tinham provado...




E eu volto à chuva para refrescar as ideias - a água não lava desgostos e a chuva não é suficientemente fria para que eu possa deixar de tremer. Está calor e eu tremo. Tremo de desilusão, de desalento, de pena por mim mesma, porque não me encontro nas ruas que atravesso. Porque o meu cabelo está molhado e agora tenho de o secar.  Queria mesmo é que o meu coração secasse um pouco ... e queria dormir.



Tinha objetivos e desejos que foram pura e simplesmente desvastados com um repúdio grosseiro.

Amanhã, caminharei procurando um novo bouquet de objetivos que dêem sentido ao meu destino mais próximo, reformularei o meu norte para ter algo para fazer de meu.
Para já, tentarei encontrar um pouco de paz nas bordas do lago e na amplitude da planície...
Procurarei na Natureza o que não tenho nos homens, a fusão e o aconhego, a reconciliação com o mundo e comigo. 
Porque eu faço parte da Natureza e essa fusão é importante, para me integrar e para me entregar, deixar-me-ei envolver suavemente no vento que sopra... entregar-me-ei sem resistência ao calor, ao pó, aos pássaros, às estrelas e aos silêncios na noite, ao som das vozes dos bichos, à erva dourada do dia ...


Talvez a solidão e o silêncio, em redor desta fauna e desta flora, me tragam a paz que me falta.

Se não houver nada à minha espera, se o tal bouquet de tarefas boas estiver gasto ou entregue a outros, se a minha ajuda não fizer falta nenhuma, irei para o campo apanhar papoilas só para mim. Se não sirvo para nada (aos outros) tratarei de mim, que também sou importante.


Colocar-me no centro do meu mundo. Essa tem sido a tarefa mais difícil de empreender nos ultimos anos e que, ainda, não consegui aperfeiçoar. Eu sou a coisa mais importante que tenho e devo cuidar desta casa com cuidado e amor - no corpo e na mente. 



Habituei-me a pensar a dois, a três e a quatro. Neste conjunto, eu valia pouco e ainda não criei a consciência de que valho muito. Porque preciso que os outros o reconheçam. Ainda preciso de espelho para me sentir bonita. Preciso de ver no rosto daqueles a quem quero, que sou boa e faço falta.



É insegurança bem sei. Precisar de ajudar o próximo para demonstrar a mim mesma que tenho valor é estúpido .

Estou demasiado dependente do reconhecimento e do amor , estou demasiado centrada na dávida para me sentir bem.
A frieza da razão era bem melhor.

Deixar andar, fazer o que me parece bom para mim, mesmo que mais ninguém ache...
Afinal eles querem lá saber de mim... ninguém se importa em saber se sou feliz, ninguém mede a dimensão obscena das minhas desiluções e medos. Só se lembram de mim quando tenho alguma mísera utilidade...


E dentro dos limites mesquinhos do politicamente correto e dentro das balizas do socialmente aceitável, eu tenho muita pouca serventia e muito pouca liberdade para dar e receber prazer. Tudo certinho, direitinho... cola mal comigo.


Importa lá o coração... o que importa é lavar a loiça e arrumar a tralha.
Pois eu irei fazer tudo para salvar o meu! 
Um coração limpinho e feliz - depois da loiça lavada e das obrigações feitas - é o melhor travesseiro para uma noite em paz.







terça-feira, 6 de agosto de 2019

Agosto



Infeliz! 
Desorientada e sòzinha... talvez a solidão seja mais efetiva do que parece, tenho medo de que seja mais permanente do que transitória. 
Será apenas uma simples solidão de agosto, tipo pequena gripe sem importância ? 
Será que o vazio da cidade, sem gente para gostar, se está a espalhar dentro de mim, abrindo um buraco no pulmão do tamanho de uma pneumonia?  
Ou será pior: talvez o prenúnico da verdadeira solidão que vem chegando, a perda real de afetos bons, do pilar imaginado que afinal é um palito de cartão desmonorativo e frágil... 
O chão foge-me debaixo dos pés. 
Acordo e não sei onde estou, nem para onde vou. Penso nisso a cada momento em que é preciso decidir: o que vou fazer no minuto seguinte? e no dia seguinte? e este mês, neste querido mês de Agosto, que me repudia? O que faço? O que esperam de mim? O que quero? Não sei.

Os meus pés, que não têm chão, encaminham-se rotineiramente para os lugares habituais - casa, trabalho, almoço, café, supermercado, cama, drogas... insónia - sempre igual, lugares que são meras paragens de um trajecto circular (há autocarros assim : começam numa ponta e voltam à base) .

É a volta do dia, dos muitos dias sem futuro, a rota do 55 pára-arranca e regressa à noite, a uma velha estação de autocarros sem gente, décrepita de velhice e desassossego... onde ninguém me espera, nem deseja.
Á hora do sol, as coisas são menos negras, sou a passageira de um carrossel, bonito mas monótono, anda sempre à roda com as mesmas peças a bordo e eu enjoo...
Um rodopio sempre igual que não chega a lado nenhum.

E tanto que eu queria parar, sinto a cabeça à roda, sair daqui deste círculo que me atrofia e infeliza, queria parar na planíce ao sol, descansar e fechar os olhos, abri-los para ver as estrelas e encostar a cabeça no ombro de quem me rejeita. 
A girafa do carroussel mais a chávena da Alice no País das Maravilhas, as mais fofoqueiras peças do carrossel, estão a rir-se de mim. Eu ouço-as:

- "Aquela pensa que saltando do carrossel em movimento não se vai estatelar... Pensa que encontrará um cavalo vivo que a levará por montes de liberdade, pensa que consegue arranjar melhor par que o cavalito de pau que vive connosco nesta roda segura, rotineira e chata, mas certa e confortável..."

A vida não é um carrossel, minhas queridas pecinhas, a vida é lá fora, longe da feira das ilusões...
Sei que devo saltar desta roda estúpida em andamento parado e ir à minha procura...
Mas estou doente e triste e sem força para ir correr, ir correr à procura de mim cansa... e eu hoje não gosto de mim, por isso não vou. 
E também ninguém me vai dar a mão, por isso eu fico . Fico deitada no chão, chorando sobre a lama num buraco escondido, onde não me vão ver nem socorrer. Vou morrer numa betesga escura, na noite, de exaustão, porque já não me aguento a mim própria...

Porque tive uma quebra de coragem: uma simples frase que eu julgava ir dar alegria, que eu esperava ser uma surpresa boa, recebida com amor, virou chapada!

A desilusão dói mais do que a chapada, porque a prenda, foi concebida com desvelo, com amor e a rejeição é o desamor em forma de nada.

Estou triste! Qualquer um que olhe para mim, percebe: estou feia, estou gorda, infeliz e... perdida... e doida...
Ninguém vê, porque não olham para mim!

Não olham para mim como gente (que sou!). Quem eu queria que olhasse, só vê em mim um objecto útil, uma peça de um xadrez, uma marca no calendário (que não se pode alterar sem que dê transtorno!).
Nem olha para mim... na melhor das hipóteses, ouve a minha voz, que não diz tudo...

Eu sou gente, carago!
Não sou uma coisa, tenho sentimentos em efervescência perigosa, podem explodir, tenho esperanças goradas que me asfixiam, revoltas intimas, medos e raivas, lágrimas encravadas e uma imensa sensação de incompreensão que raia o abandono.

Ninguém vê a minha angústia porque ela não ter cor, ninguem vê a minha insegurança por não saber para onde vou amanhã, porque eu não uso bengala e caminho direita (apesar de alma estar torta). Estou perdida como um cego, tropega como um coxo e estou parva... isso estou de certeza por, mais uma vez, me deixar ludibriar...

Não sei para onde vou amanhã e depois e depois, não sei se haverá Agosto, não sei quem me quer ou quem se prefere afastar, sem o dizer...
Não tenho bússula... não sei mesmo para onde vou amanhã.
resta-me ficar parada, sem coragem para pedir ajuda, uma orientação...
Ninguém - daqueles que giram à minha volta e que, por devoção, podiam querer o meu bem - percebe que é Agosto!

Eu quero viver Agosto!

Não quero apodrecer de angústia como uma ameixa que se estraga ao sol, na árvore aonde ninguém a colheu.

Preciso e mereço viver Agosto. Tenho frio e Agosto aquece...

Agosto não pode ser uma paragem de espera infinda, um lugar de ansiedade e medo, de tristeza e dessassego, esperando o lixo que vai sobejar para mim...

Agosto devia ser sol e alegria. Porque espero, então? Porque continuo sentada à espera da minha vez? 

Aguardo o meu quinhão de tempo, sem saber onde ele entra e o que se espera do aroma da amora desejada ou esquecida ... enquanto apodrece na árvore à espera... sem o prazer da espera, porque esse só existe quando o final é certo.

O prazer da espera, quando se está no limbo da dúvida, não existe. É dor!

Se a espera fosse um intervalo de tempo entre um desejo e uma certeza, eu esperaria por ti... feliz!

segunda-feira, 5 de agosto de 2019

A Rosa Vermelha


Um quarto de hotel: branco, anónimo, quase invísivel, quase omisso sob o fio de nevoeiro mental que a assolava, imagem turvada pela ansiedade, pelo nó que trazia dentro si. 
Nessa névoa desfocada, Isabel entrou e só viu a rosa.


É dela que se lembra, ainda hoje, quando passa naquela rua onde o hotel permanece, agitado ao sabor das entradas e das saídas de gentes de cá e de lá, de turistas por um ou mais dias, no centro daquela cidade. 

Uma rosa vermelha deitada sobre a roupa branca de um quarto branco, de luz coada suavemente pela mousseline da janela, onde se desconfiava uma persiana semi-fechada. 

Era disso que ela se lembrava: da rosa. 

Vermelha, de certeza! Cor da paixão que não existia ainda... talvez por isso, tão chocante quanto desadequada à situação.

Mas ela adorou. Naquele minuto, tudo mudou nos seus medos e vergonhas, na estranheza da razão que a trouxera até ali. Alegremente, é verdade. Caminhara alegre e leve até ao hotel, ao encontro de um quase desconhecido. Leve, talvez formosa e decerto não segura... Tudo era tão bizarro, inositado face aos seus costumes, sentia-se a levitar de irrealidade, rumo ao desconhecido, era uma coisa de loucos. Sim, tinha consciência da loucura, mas curiosamente não sentia o risco... 

Um encontro marcado num impulso, quando ele lhe mandara uma mensagem... quase sem possibilidade de recusa. Afinal, ela tinha-lhe dado esperanças, tinha sido descaradamente oferecida (mandara uma das suas habituais "bocas foleiras" a raiar o picante e depois olha... deu no que deu...). 
A verdade é que ela andada meio varrida pelo desgosto, perdida de si... pronta para qualquer disparate e foi ele quem lhe saiu na rifa: atiradiço e carente, fiável, contudo, mais velho do que ela, julgava-se mesmo demasiado velho, um exagero porque era tão só um homem maduro... talvez por isso, ela se sentira tão segura... 
Porque não ? Há que dizer sim ao destino... E foi. Foi tontamente ao encontro de alguém com quem tinha estado apenas duas vezes - uma num contexto social, outra numa situação coloridamente ambígua... à terceira foi de vez, sabia que seria a sério...

Foi ao encontro de um desconhecido (não totalmente, mas enfim...), num lugar que não dava margem para dúvidas.
Se teve dúvidas, se teve medo, já o esqueceu. Ia determinada a sair de si. 
Não pensou no encontro como uma aventura, foi mais uma inevitabilidade. Tinha de ser! Um acto de coragem, como saltar de paraquedas para provar que se está vivo. Bora lá! Se a vida lhe dava uma prenda, há que ir atrás dela... ao encontro dele...

A loucura pode ser a solução, quando se precisa de quebrar algo. Ela ia quebrar a sua travessia do deserto e ajudá-lo a renascer no seu (dele) deserto, tão diferentes que eram.

Quanto viu a rosa, percebeu que iria ser bom, achou-se em paz, apesar da excitação do momento, entendeu nela a delicadeza e o respeito. A rosa varreu-lhe a sombra de putice, a vulgaridade do encontro e dos atos, sei lá... a rosa derramou um branco de donzela, sobre o leito dos prazeres que a esperavam... 

Daí para a frente tudo foi fácil e natural. Foi uma princesa, uma verdadeira cortesã do prazer, que ele tratou com carinho e dedicação, com o fulgor físico possível, com o imenso jeito e gosto pela coisa, com a experiência de homem faminto e ousado, conhecedor antigo de mulheres, sedutor natural, habituado a que elas lhe caíssem na sopa (e na cama) só graças ao seu sorriso maroto, ao seu corpo alto e escorreito. 

Era lindo em tudo, na cara... de um quase velho, que escondia a juventude dentro de si, na pele que se adivinhava sedosa, onde em cada ruga espreitava o loiro e garboso rapaz de outrora. E a nudez surgiu natural ... e os corpos reconhecerem-se como se tivessem vindo de um passado comum e jovem, que nunca existiu.

Aquela rosa levou-a a domínios nunca antes experimentados, por serem vividos a sós se bem que com companhia. Coisa contraditória e estranha, mas enfim! Levou-a por cumes e vales de alegria... Ela corria doida, ele incentivava e fazia por a acompanhar... díficil, porém...
Ele tentou pedalar, comprovar que ainda sabia andar de bicicleta, convicto de que bicicleta nunca esquece, que o equilíbrio interior prevalece quando o corpo se encavalita sobre as duas rodas e que, com mais ou menos energia, ela, a bicicleta, avançaria aguentando a gravidade instável, suportada na velocidade... 

Helás! É preciso pedalar um pouco mais porque, sem movimento, duas rodas não dão equilíbrio suficiente... É preciso algum esforço e energia, para arrancar e manter o compasso. 

Isabel sentia-se poderosa e invencível, estava feliz. Maravilhosa a descoberta desta empatia solta, livre e natural... 
Parecia-lhe óbvio que a bicicleta chegaria ao seu destino, com mais ou menos empurrão. Nunca lhe tinha acontecido o contrário.

Nunca pensou que não seria capaz de dar balanço a uma bicicleta, mesmo antiga e desgastada, a uma bicicleta incrédula das suas potencialidades, talvez destreinada pelo desamor e emparvecida pela vida parva...

Ela pensou: se uma rosa me transforma numa rainha, se estas mãos me levam ao céu... porque não levar o meu príncipe comigo. Tão lindo, tão lindo... tão bom...

Isabel continuou com empenho e sincera satisfação a puxar pela bicicleta, a pedalar alegremente ao vento das emoções, saboreando cada descida e cada subida, vendo o prazer a chegar. Eram ondas de uma maré que se espraiava, com salpicos de beijos que pingavam nos sítios certos. Ele sabia. Ele sabia onde tocar, acender uma fogueira de gritos, desvairar, amar, entontar... Ele sabia quase tudo, menos pedalar direito.

Horas de prazer derramaram-se pela tarde, rodando e saltando, percorrendo todas etapas de um caminho que, como todos sabem, tem veredas e recantos maravilhosos, tem atalhos e calçadas diversas, que permitem todos os estilos e exercitam a criatividade...

O amor é para quem tem coragem, para quem não teme a entrega total, para quem gosta do seu corpo, para quem sabe apreciar o corpo daquele que sobre si dedilha e afaga... com as mãos, a língua, os beijos, a pele, as partes fofas ou rijas, as covas e as saliências... por escolha, com prazer...

O amor é para quem tem coragem e avança sem medo dos resultados, é para quem colhe alegria e soma vitórias com os seus fracassos. Para quem não teme fazer a coisa ao gosto da coisa, mesmo sem muita coisa, em vez de o fazer ao gosto do gosto comum e vulgar.
É para quem prefere dar, em vez de receber...

Essa imagem - a rosa primordial - é o que guarda dele como memória especial e única. 

Muitas tardes e dias de alegria viveram juntos, depois disso. Muitas horas felizes que sabiam sempre a pouco... muitas rosas recebidas, com carinho e dedicação, quase que com regularidade suiça, mas aquela tinha sido a primeira. 

Foi essa rosa que marcou a diferença entre aquilo que poderia ter sido um encontro colorido e, ao invés, foi um bacanal de sentimentos e de respeito afetuoso, a diferença entre sentir-se uma galdéria ou uma flor bem amada.

Foi a rosa, no principio de tudo, que assinalou a distância entre ser donzela ou messalina.




sexta-feira, 2 de agosto de 2019

A Casa


A casa tem alma se tivermos amor para pôr lá dentro

Há a casa-abrigo e a casa-ninho. E as diferenças entre uma e outra são tudo, fazem ou desfazem a vida de uma pessoa e o seu lugar no mundo.

Uma casa pode ter tudo e estar vazia. Ou estar vazia, pobremente vestida de mobílias e de coisas, mas cheia de alma.

Há quem não tenha casa, o que não significa que seja um “sem-abrigo” ou viva na rua – são os que se abrigam junto de amigos, conhecidos, tentando aconchego gratuito ou alugado… porque pouco têm se seu. Mas têm amor para dar e essa troca de um teto por afeto parece-lhes justa.

Há quem seduza um dono de casa para ser dona da sua (dele) casa. Porque uma casa é tão útil, dá tanta segurança, dá tanta riqueza a quem tem pouca sorte e pouco de seu.

Há quem roube, há quem manipule, há quem se venda, há quem compre ou explore o outro, sorrindo – tudo por uma casa! Por uma casa-abrigo, por uma casa-conforto, por uma casa-velhice…

Há quem viva para a casa, para o património, para a sua evidência valorativa, para a beleza dos conteúdos ostentativos, para a projeção desta na comunidade dos espetadores da sua vida. Esses desconstruem a base afectiva de um lar, pensando que estão a construir uma casa.

É a casa-montra, a casa-certificado de posicionamento social, a casa-solidez patrimonial.

Há quem perceba – talvez, tarde demais – que uma casa não se rouba, nem se conquista.  E que se pode perder...

Uma casa constrói-se com amor, com afeto genuíno, consentido, gratuito e bilateral. Uma casa com alma tem amor lá dentro, tem bondade, partilha de interesses… é feita de boa-fé, sem apropriação indevida, sem artifícios. Romântico e irrealista? Talvez.

Uma casa só é ninho, se for legítimo local de habitação de amor desinteressado…. Se for um lugar a que possamos chamar de nosso - em exclusividade ou em parceria - mas nosso por direito próprio, esse que só a alma legitima.



Apenas a casa virtual - a do ninho dos nossos afetos - é sólida. Todas as outras são transitórias. Essa transporta-se como uma roulette e estaciona-se algures onde der... e também se abandona quando a paisagem fartar... 

Porque, neste mundo, a única coisa de certo que temos é saber que nunca teremos casa. Temos uma paragem de autocarro, um lugar no parque de estacionamento, precário, passageiro... E no outro, ela não faz falta!

Estamos de passagem, em transito entre casas, entre ninhos e abrigos, entre nada e coisa nenhuma. Sòzinhos ou acompanhados... Cada noite é um exercício de imaginação para saber, ali e agora, onde vamos dormir, onde estamos, quem está connoosco, na nossa casa ou em casa nenhuma...



Casas..., Pintura de Edward Hooper

quinta-feira, 1 de agosto de 2019

A Louca da Casa





Santa Teresa d'Ávila, a mística doutora da Igreja, chamava à imaginação a louca da casa. 

A ideia serviu de mote a um extraordináro romance de Rosa Montero: 


A Louca da Casa


A imaginação tresloucada que nos habita e nos submerge. 
A criatividade que é a essência do trabalho artístico, da escrita e fonte de vida, na nossa relação com os outros. A Louca que vive dentro de nós, para o bem e para o mal.

Li o livro há muito, julgo que quando foi publicado. De leituras anteriores, já suspeitava na Rosa Montero um toque de alma gémea, vislumbrei (ou imaginei) afinidades de pensamento e de postura perante a vida, o mesmo gosto por entender as relações humanas, por investigar e refletir sobre amores-afetos e sobre paixões. Ou antes, sobre a paixão, porque esta se define no singular, mesmo quando o destino nos ofereceu plurais.
Esqueci os nomes dos personagens, o enredo e muito mais. Lembro o essencial – a imaginação é a louca da casa, um cavalo selvagem que cavalgamos perigosamente, quantas vezes sem controlo, sem que o queiramos domar.

Quanto à Rosa, vejo-a sempre em Madrid, mesmo quando faz apelo a outros lugares e a outros autores com quem dialeticamente se compara, É aí que as suas personagens corporizam a tal “loucura”, circulando na movida madrilena, nas franjas da intelectualidade, num quadro contemporâneo de relacionamentos diversos, social e sexualmente variados, muitas vezes fora dos padrões da domesticidade burguesa.
Não sendo um ensaio – é sem dúvida um romance – o texto questiona o que é escrever. Deve, por isso, ser lido para além da trama … para refletir no não-escrito, naquilo que existe antes ou para lá da história.


Escrever é uma compulsão, algo a que não se pode fugir porque a louca nos impele a tanto. Porque se escreve? O que faz um escritor? Decide-se escrever porque há necessidade de partilhar com outros o que temos cá dentro? Ou escreve-se como fuga à nossa própria realidade quotidiana, apoucada, aborrecida. O que mora na nossa casa louca parece ser bem mais interessante do que a vida real. A criatividade é um espaço de liberdade para dar asas aos espíritos que nos habitam, mas também é um refúgio, um espaço de conforto, um lugar seguro para fugir da normalidade.





Hoje a minha imaginação está tropega, pegajosa, densa, estúpida como o calor cansativo de uma cidade parada. Sim, porque também há do outro - o calor emociante e vivo do Alentejo! Esse está, por ora, vedado.

Por isso e enquanto ela (a imaginação) não descongela do calor, socorro-me das verdades dos outros, mais criativos e sábios.



Maria do Rosário Pedreira cita Einstein, que perante a questão de saber o que é mais importante – se o conhecimento, se a imaginação, respondeu: 

“Sem qualquer dúvida, a imaginação, porque o conhecimento leva-nos de A para B, mas a imaginação leva-nos de A para todo o lado.» 



E lembro ainda um desabafo, sob a forma de poema que li um dia: "É tão bom alimentares a minha imaginação..." Como se a imaginação precissasse de alimento. Não precisa! Ela é tão louca, quanto auto-suficiente. Vive. Tem vida própria, corre sozinha como um cavalo à solta...

Não precisa de ser alimentada, é o contrário: é ela que nos alimenta e dá sentido à vida real, tão limitada pelos A e pelos B, que não cabem na nossa mente e muito menos no nosso coração.


É ela o espaço de liberdade de que precisamos para ser felizes e flutuar sobre as contrariedades da vida comum, sobre a pobreza afetiva, sobre a solidão, sobre os sentires frágeis e mesquinhos que nos submergem de maldade, de desgosto, de coisa ruim, se não soubermos voar mais alto.

Por isso, é preciso caminhar de braço dado com a tal louca que nos sustenta a alma e, se possível, de braço dado com amigos loucos, que queiram ir connosco nessa doida caminhada de amor, amizade e coisas boas para sonhar...