sábado, 9 de dezembro de 2017

Poliamor



Difíceis são todas as relações, como bem sabemos.
No entanto, elas são essenciais à vida de qualquer ser humano, que é naturalmente gregário e quase sempre solidário para com o seu semelhante. Em regra, ninguém gosta de estar só, em permanência, para sempre, a tempo inteiro.
A solidão pontual até pode ser agradável, um espaço de libertação e sossego. Mas para sempre? Quem quer isso? Nem o mais eremita dos corações desiste da ideia de encontrar parcerias de afectos, de qualquer tipo... sejam elas a família nuclear, os amigos, as relações com o vizinho ou com a amante... ou tão só a procura de um cão ou de um gato para mimar.
Os afectos são a base de sustentação da vida na sua essência não material.
Amar é preciso! Tal como comer, ter um tecto, saúde,  etc.
Chamemo-lhe amor, para simplificar... mas visto no sentido amplo do termo, não necessariamente o conceito "amor-paixão". Alargando o termo a tudo o que nos gratifica sentimentalmente, no sentido em que é vital dar e receber afecto, construir intimidade onde encontrarmos empatia.
Há uma "química" que comanda a empatia e a simpatia, assim como há uma "física" que determina o impulso sexual e o desejo. Podem pensar (alguns homens talvez!) que nós ligamos sexualmente com qualquer um. Não é verdade!
Devem existir coisas estranhas - talvez as famosas feromonas - que fazem com que umas pessoas nos atraiam e outras não. E mais ! ... que fazem com que as relações carnais sejam explosivas com uns e, apenas, morninhas e confortáveis com outros.
Agora o que não faz muito sentido é acreditar que uma só pessoa preenche toda a nossa necessidade de afecto.
O amor é plural, elástico... infinito e grande. Senão como explicaríamos que uma mãe ou um pai possa gostar tanto de um filho único como de três ou quatro?
Se isto é normal em vários tipos de relacionamentos, porque não o é para uma relação homem-mulher, onde para além da amizade, do afecto e da intimidade psicológica, se junta também intimidade física?
Porque razão somos tão exclusivos nesta matéria?
Mas a verdade é que somos assim. A grande maioria prefere exclusividade sexual e amorosa.
Quantos de nós, podendo escolher, optaria por ter vários parceiros sexuais, quando pode ter apenas um que lhe agrade inteiramente?
Imagino que zero ou muito poucos.
A exclusividade amorosa numa relação de conjugalidade, de intimidade física, é o desejo de todos (ou quase todos)!
Talvez porque se suspeite que viver relações poliamorosas é muito difícil. Gestão de agendas complexas, faltas de atenção mútuas pela perda de "foco" numa só pessoa, dispersão de interesses, prioridades mal definidas, abandonos pontuais incompreensíveis, faltas de respeito involuntárias, insensibilidade acrescida como consequência do anterior ... e a dignidade de cada elemento da "rede" afectada... ciúme, medo de perda...
Muito amor e algumas desilusões!
Políamor pode significar liberdade e alegria por viver sentimentos amorosos vários, conforme mais agradar a cada um, em paz e com transparência - sem pesos na consciência nem culpas de traição - mas envolve algum sofrimento.
Sofrimento que vem quando surge uma sensação de injustiça ou de desequilíbrio, que resulta da forma como se gere a "confusão", leia-se a rede poliamorosa.
Pessoas diferentes têm visões diferentes do seu relacionamento. E se quando são dois, já há diferentes entendimentos das regras do jogo... a muitos, então, pior um pouco.
Chamar ciúme aos buracos negros, é redundante.
O ciúme é sempre uma perda. Pode resultar do facto de o parceiro nos ter roubado a atenção e o carinho para o dar a outro ou a outra... ou pode simplesmente ser por nos ter abandonado, temporária ou definitivamente.
Ciúme é o cancro das relações... bem pior do que a monotonia ou a falta de comunicação.
Porque ciúme é a constatação do nada, do vazio, da perda, do fracasso.
Pode ser transitório... felizmente é quase sempre passageiro, mas nos momentos em que ataca, dói, porque a perda de um espaço de tempo concreto é definitiva.
Os momentos em que o amor que me era dirigido foi transferido para outro objecto - mulher, homem ou jogo de futebol - são momentos perdidos, para sempre.
Mesmo que a atenção e o carinho voltem... aqueles momentos, os da troca de mim por outrem, foram perdidos em definitivo.
E a única solução é serem "compensados" com momentos bons.
Por isso, o grande segredo do sucesso para manter um equilíbrio poliamoroso é saber minimizar ou compensar as perdas.
As perdas que necessariamente vão cair sobre os elementos que estão "a mais" ou que estão em situação de maior dependência.
Ora o amor não pode ser uma contabilidade só de perdas... tem de ser também de ganhos e ambos devem estar equilibrados... só assim se pode ser feliz. Quem está numa relação (plural ou não), tem de ter uma capacidade quase ilimitada de amar, de estar atento ao outro ou aos outros, para compensar as falhas, para tapar os buracos que se criam. E isso exige sensibilidade e atenção.
Porque é difícil ser justo e equilibrado, nestas coisas do amor plural. É difícil amar "bem", porque amar não tem regras, nem balizas... só se ama muito... ou nada. Porque o amor não se mede, também não se sabe como repartir adequadamente.
Daí que seja tão prático concentrar o amor (o tal que é afecto e desejo) numa só pessoa. É prático e confortável, não dá chatice, minimiza as perdas, evita os ciúmes e seria a fonte de toda a felicidade... não fora o mundo não ser perfeito.
Não fora o facto de haver gente que nos agrada e que queremos guardar para nós, de preferência sem partilhar.
E é tão diferente saber que se é objecto de uma partilha por parte de alguém que gosta de nós mas não em exclusividade, ou de viver a situação inversa.
Quando sou eu que reparto a minha capacidade de amar por vários, acho tudo fácil, o afecto é ilimitado, o ciúme não existe, ninguém sai prejudicado. O negativo da foto, ou seja, ser uma entre muitas, dá-nos uma visão diferente. Aí percebe-se que não basta ser justa e tolerante.
Percebe que em "rede" há mais barreiras à possibilidade de amar do que seria expectável.
Porque aquilo que queremos dar - e nos parece ilimitado - esbarra nos limites da partilha do outro com os destinatários do seu afecto.
Eu posso querer dar e não haver, ali e agora, alguém para o receber!











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