Eu não acredito
em bruxas mas, como todos sabemos, elas andam por aí!
E, sobretudo,
acredito em bruxas com caras de anjo, boazinhas, bom coração, de quem todos
gostam.
Interrogo-me
muitas vezes como é que determinadas pessoas muito determinadas conseguem obter
os seus intentos. Com determinação, certamente! Com perseverança, fé, paciência
e força, são capazes de transformar energia positiva em algo de negativo para
outrém, em proveito próprio.
Bruxas são aquelas que, para salvaguardar os seus interesses, ousam praticar o que for preciso...
o que pode, eventualmente, traduzir-se no mal de alguém. Para isso, podem
recorrer à mais variada gama de “instrumentos”... desde a persuasão ativa (as
chatas), até às surpreendentes mudanças de ânimo (as manipuladoras)... desde o
espiritualismo exacerbado e transcendental até à macumba ordinária (as espirituais).
Qualquer que
seja a via, têm em comum saberem bem o que querem e saberem que só podem contar
com a sua “arte” para atingir os seus objectivos.
A bruxaria tem muitas casas e
muitos rostos. Por isso é tão difícil de reconhecer. Normalmente só as vítimas
percebem... por isso mesmo, porque são vítimas. As bruxas têm em comum a fé e a
esperança de que conseguem tudo, têm a força que lhes vem de imaginar que é
para seu bem e quiçá dos seus mais queridos.
E bruxas somos
todas nós, como se sabe!
Bruxaria, manipulação ou determinação são folhas da
mesma árvore, ditadas pelo instinto de sobrevivência e de luta pelo poder... pelo
poder de dominar, quando o domínio implica arrasar a concorrência e quando se quer subir
ao pódio sòzinho.
Puro engano. Os
lugares de pódio são transitórios... como tudo na vida, aliás. Estamos todos de
passagem e não somos donos de nada nem de ninguém. Dos bens materiais talvez se
seja dono, a lei trata de salvaguardar alguns direitos. Quanto aos afetos ninguém
é proprietário, talvez usufrutuário durante algum tempo. A única coisa que
podemos ambicionar é esticar esse tempo – conseguir um domínio do afecto, mais pela
via temporal do que real.
E quando não se consegue um lugar de poder, há que pedir aos
deuses, aos astros ou aos espíritos que realizem os nossos sonhos. E aos homens que,
confrontados com a força do sobrenatural, os concretizem, porque macumba tem muita força.
Macumba é um antigo
instrumento musical de percussão africano, de toque repetitivo,
irritante e martelador. Virou sinónimo de bruxaria, talvez por ser capaz de
derreter os neurónios de quem o ouve, a ponto de este ceder e se deixar encantar...
para se libertar do barulho, para acalmar nas mãos do macumbeiro, docemente... entregue,
dominado e feliz.
Antes de mais é preciso um sonho e muita força para acreditar nele, para
lutar por ele. Não ter medo do ridículo e ser cego para o mundo em redor. Ser chato, insistente, atiradiço, autista em relação ao impacto. É
preciso prosseguir indiferente a quem possa estar a assistir ao cozinhado
dessas mistelas de bruxaria... e continuar mexendo o caldeirão até estar no
ponto. Cuidado, no entanto, para que o joão ratão não morra cozido e frito no
caldeirão, para que fique apenas em lume brando, quentinho e bom.
Uma bruxa boa e competente sabe isso tudo. Uma bruxa inteligente é capaz
de esperar com paciência por resultados a longo prazo, prefere fazer tudo com
calma e com pensamento, concentrando em si todas as forças do universo – as que
lhe dão paz para perseverar e clarividência para agir com eficácia. A
meditação convoca os espíritos nesse sentido, se não for os espíritos do Além
(o qual não deve existir) pelo menos o nosso espírito, atraindo as forças e as
pessoas convenientes, repelindo as que não interessam, qual força centrífuga
para além da mandala e agregando os afectos centripetamente para o núcleo
fundador da mesma.
Não se pode fugir
à energia cósmica de uma mandala, que
representa a relação entre o homem e o universo, delimitação de um espaço
sagrado, imagem simbólica do mundo interior de cada um, lugar de meditação e
de congregação dos espíritos que reconciliem o indivíduo com os seus afectos num círculo apertado, absorvente e iluminado. Um círculo colorido, construído com
luz e cor, mas cerrado sobre si mesmo como compete a quem é redondo. Fechado na matéria de que é feito, fechado no espírito que o enforma, sendo que este é a maior prisão.
Com mandalas ou macumbas, velas ou procissões, fria inteligência ou denguice amorosa, a estratégia de uma boa bruxa conseguirá os seus intentos. Porque elas andam por aí, são perigosas, velhas e sábias... mesmo as novas e sexy!
Sem comentários:
Enviar um comentário