quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Macumba




Eu não acredito em bruxas mas, como todos sabemos, elas andam por aí!
E, sobretudo, acredito em bruxas com caras de anjo, boazinhas, bom coração, de quem todos gostam.
Interrogo-me muitas vezes como é que determinadas pessoas muito determinadas conseguem obter os seus intentos. Com determinação, certamente! Com perseverança, fé, paciência e força, são capazes de transformar energia positiva em algo de negativo para outrém, em proveito próprio.
Bruxas são aquelas que, para salvaguardar os seus interesses, ousam praticar o que for preciso... o que pode, eventualmente, traduzir-se no mal de alguém. Para isso, podem recorrer à mais variada gama de “instrumentos”... desde a persuasão ativa (as chatas), até às surpreendentes mudanças de ânimo (as manipuladoras)... desde o espiritualismo exacerbado e transcendental até à macumba ordinária (as espirituais).
Qualquer que seja a via, têm em comum saberem bem o que querem e saberem que só podem contar com a sua “arte” para atingir os seus objectivos. 
A bruxaria tem muitas casas e muitos rostos. Por isso é tão difícil de reconhecer. Normalmente só as vítimas percebem... por isso mesmo, porque são vítimas. As bruxas têm em comum a fé e a esperança de que conseguem tudo,  têm a força que lhes vem de imaginar que é para seu bem e quiçá dos seus mais queridos.
E bruxas somos todas nós, como se sabe! 
Bruxaria, manipulação ou determinação são folhas da mesma árvore, ditadas pelo instinto de sobrevivência e de luta pelo poder... pelo poder de dominar, quando o domínio implica arrasar a concorrência e quando se quer subir ao pódio sòzinho.
Puro engano. Os lugares de pódio são transitórios... como tudo na vida, aliás. Estamos todos de passagem e não somos donos de nada nem de ninguém. Dos bens materiais talvez se seja dono, a lei trata de salvaguardar alguns direitos. Quanto aos afetos ninguém é proprietário, talvez usufrutuário durante algum tempo. A única coisa que podemos ambicionar é esticar esse tempo – conseguir um domínio do afecto, mais pela via temporal do que real.
E quando não se consegue um lugar de poder, há que pedir aos deuses, aos astros ou aos espíritos que realizem os nossos sonhos. E aos homens que, confrontados com a força do sobrenatural, os concretizem, porque macumba tem muita força.
Macumba é um antigo instrumento musical de percussão africano, de toque repetitivo, irritante e martelador. Virou sinónimo de bruxaria, talvez por ser capaz de derreter os neurónios de quem o ouve, a ponto de este ceder e se deixar encantar... para se libertar do barulho, para acalmar nas mãos do macumbeiro, docemente... entregue, dominado e feliz.
Antes de mais é preciso um sonho e muita força para acreditar nele, para lutar por ele. Não ter medo do ridículo e ser cego para o mundo em redor. Ser chato, insistente, atiradiço, autista em relação ao impacto. É preciso prosseguir indiferente a quem possa estar a assistir ao cozinhado dessas mistelas de bruxaria... e continuar mexendo o caldeirão até estar no ponto. Cuidado, no entanto, para que o joão ratão não morra cozido e frito no caldeirão, para que fique apenas em lume brando, quentinho e bom.
Uma bruxa boa e competente sabe isso tudo. Uma bruxa inteligente é capaz de esperar com paciência por resultados a longo prazo, prefere fazer tudo com calma e com pensamento, concentrando em si todas as forças do universo – as que lhe dão paz para perseverar e clarividência para agir com eficácia. A meditação convoca os espíritos nesse sentido, se não for os espíritos do Além (o qual não deve existir) pelo menos o nosso espírito, atraindo as forças e as pessoas convenientes, repelindo as que não interessam, qual força centrífuga para além da mandala e agregando os afectos centripetamente para o núcleo fundador da mesma.

Não se pode fugir à energia cósmica de uma mandala, que representa a relação entre o homem e o universo, delimitação de um espaço sagrado, imagem simbólica do mundo interior de cada um, lugar de meditação e de congregação dos espíritos que reconciliem o indivíduo com os seus afectos num círculo apertado, absorvente e iluminado. Um círculo colorido, construído com luz e cor, mas cerrado sobre si mesmo como compete a quem é redondo. Fechado na matéria de que é feito, fechado no espírito que o enforma, sendo que este é a maior prisão.
Com mandalas ou macumbas, velas ou procissões, fria inteligência ou denguice amorosa, a estratégia de uma boa bruxa conseguirá os seus intentos. Porque elas andam por aí, são perigosas, velhas e sábias... mesmo as novas e sexy!



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