domingo, 25 de julho de 2021

Negação

A negação como forma de descompromisso!

Quem nega que sente, que ama, que se emociona, que chora, que anseia, que tem medo … enfim que é um ser humano com “alma”, seja lá isso o que for… não é gente!

Pelo menos, não é gente normal!

Ninguém pode ser tão amorfo do ponto de vista emocional que possa negar tudo isto, que possa atravessar fleumaticamente esta vida sem sentimentos e fraquezas. Deve ser triste ser totalmente indiferente aos prazeres da alegria, ao amor, ao aconchego da família, às emoções criadoras da tristeza, à dor da perda alheia e amiga…

Ninguém pode andar em frente com um rumo e com um sentido válido para a sua vida, se não souber distinguir o que lhe é bom ou é mau, o que lhe agrada e quer guardar e o que não lhe convém e descarta.

Ou seja, até pode fazer esta distinção mas apenas com o fim útil de obter prazer imediato e pontual, consumir e pronto, descartando o prazer futuro … desligando o hoje do amanhã… porque isso significaria continuidade e a continuidade significaria rotina e a rotina quando se instala cria raizes e as raizes podem virar compromisso e o compromisso é uma restrição à liberdade.

Quem racionaliza este esquema, sente que pode correr o risco de entrar num circulo vicioso, o qual se pode transformar em perigo de prisão. Logo para preservar a liberdade, decide que o melhor é cortar todas as folhas e as flores da árvore da vida - as partes bonitas e gratificantes - e prefere não deixar que a árvore floresça ou que as raizes se enterrem num chão sadio e fértil, porque quanto mais agarrada à terra a árvore ficar, mais preso ele fica. Quanto às flores, pensará talvez (com um piquinho de egoísmo) que importa olhá-las enquanto belas, de preferência cortadas e arrumadas numa linda jarra, onde fiquem quietas e caladas, até murcharem e serem substituídas por outras mais viçosas, mas igualmente presas e com os dias contados.

Nada de ter flores bravias ou bem cuidadas florescendo livremente no quintal, renovando a cada dia e estação do ano o seu vigor, o seu amor ao sol, a sua vida desabrochada para a dádiva. Uma dádiva natural, simples, brotada da natureza do solo que tudo cria - dos mais belos rebentos aos sentimentos, das sombras frescas ao sol quente da paixão. Tudo o que a natureza dá generosamente e de que as pessoas felizes, sábias e com sorte podem usufruir.

Fechado em casa com o coração prisioneiro do medo e do compromisso, não se vive plenamente. Há uma parte das flores da vida que escapa a quem se retrai e teme ser humano e sentir. Sentir de sentimento, pensar de pensamento, viver… coisa própria dos humanos. 

Para um cão, que também sente, tudo é mais simples... não fala, só olha nos olhos do seu dono e absorve o seu amor e proteção, devolvendo em dedicação e lealdade o que recebe.

O humano é mais complexo. Há que assumi-lo sem problemas, há que não ter medo de amar, de se emocionar … porque se tal não fizer, se se retrair… se se negar aos sentimentos e aos compromissos entre pares, às relações que os humanos estabelecem entre si, está a negar-se a ser gente … e virará planta ou animal. 

Compromissos são qualquer tipo de laços que se criam com os nossos semelhantes, são relações várias com direitos e obrigações, com dádivas e cedências, parcerias e atos solidários. Podem ser gerados na seio da família, junto dos amigos ou com amantes, com colegas ou vizinhos … na sociedade ou na pátria … ou até no clube de pesca a que se pertence …

Compromissos temos todos, todos os dias - lavar as mãos com álcool gel e dizer bom dia à menina da caixa, por exemplo. Julgo que ninguém normal se deve sentir diminuído na sua liberdade por isso.

Compromisso é gostar de quem nos quer bem, acompanha e aconchega a alma, nos sara as feridas ou dá de comer…

Compromisso é estar ligado, de boa vontade e com boa fé, livremente, preso apenas por laços, porque nós apertados ninguém quer.

A melhor forma de terminar um compromisso é assumir o fundamento do elo de afecto que o justifica e quebrá-lo. Não é negar a sua existência. 

A negação é uma especie cobardia, é não querer aceitar a responsabilidade (mesmo pequena) que qualquer acordo mesmo que informal, pode envolver. 

Uma negação, uma inexistência, um ato nulo… é como o branqueamento de capitais - lava-se, troca-se por outra coisa, dá-se outro nome… e deixa de existir.

Ou pelo menos deixa de existir na forma que tinha… e assim desaparece sem rasto, nem responsabilidade, sem pena e sem culpa.

Tanta brancura pode fazer bem aos capitais (de alguns) mas liga mal com sentimentos fortes, com afetos verdadeiros, que são vermelhos … não são brancos, nem neutros, nem descomprometidos.

E o afeto saudável e verdadeiro também não deve ser transparente, era bom que pudesse ser visível e colorido, não escondido nas sombras do medo.



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