sexta-feira, 2 de julho de 2021

Momentos


Momentos são pedaços de coisas aferidas pelas principais variáveis que nos regem - o espaço e o tempo. São curtos, marcantes, têm um núcleo de identidade própria que lhe dá um nome, uma natureza, um contexto, uma existência.
São diferentes de outros bocados de coisas que também ocupam tempo e espaço… mas que se diluíram nas rotinas indefinidas e amorfas. Iguais e pasmacentes… que por não deixarem rasto nem memória… não são percepcionados como momento.
Momento é por isso um átomo importante de Vida!
Colecionados por cada qual ao seu jeito, ao seu gosto, passado pelo filtro dos seus amores, dos seus traumas… 
Não são horas iguais a tantas outras… são a existência que deixou sumo. Aquele sumo que - espremidas as dores, as alegrias, o esforço e as insónias - ficou derramado à nossa volta como perene. Sobrou da merda da vida, sobrou depois de termos desprezado, distraídos, as cascas e as peles da fruta desperdiçada. Restou o sumo - doce ou amargo - mas promovido à nobre categoria de momento.
Um momento é este em que escrevo pela noite dentro… em paz e alegria… construído com as migalhas de amor que hoje me calharam em sorte que, no entanto e bem vistas as coisas, são apenas a que me foi dada como certa, adequada ou merecida… “ não é cova grande, é cova medida …” (J. Cabral de Melo Neto/Chico Buarque).

Não é uma queixa, nem um sopro de miserabilismo. Todos somos Severinos, na morte e na vida. Eu hoje não morri! 
Sinto-me um Severino feliz, afortunado, numa campa/cama pequena e pouco funda (não em tamanho, talvez em afecto) mas é a "parte que me cabe neste latifúndio"… 
Outras covas me rodeiam, outras mortes, outras vidas.
A felicidade possível é uma coleção de momentos bons, de sonhos doces, de beijos curtos e de ameaças de amores ainda mais curtos e transitórios…
É a sorte "qui me cabe neste latifúndio"…!
É o momento: hoje e agora. 
Um amor cheio, hoje, um destino desconhecido amanhã, uma morte certa. Tão severina quanto todas as outras… pouco importa .
Hoje existe um momento e é meu e é bom - escrever olhando o nevoeiro cerrar-se sobre o mar, às 3h da madrugada, quando a noite ainda não é madrugada, quando o momento não é nada para ninguém, mas é meu.
Uma soma de amor unipessoal, unilateral… medroso (mas não merdoso) se acrescenta à paz da escrita cumprida... só momento, único e marcado .
Não é mais uma hora de prazer, não é mais um desabafo passado a escrito - é o próprio momento que passei a escrito, que medalhei com a honra de ser o presente, o agora. O único que interessa e carrega a beatitude dos sentimentos doces e amargos que a minha vida ambivalente e saltitante percorre cada dia, qual carrossel.
Hoje é noite - um momento que amo. Hoje houve afeto um sentimento que amo. Hoje há um amigo, que quer ame quer não, corporiza o amor físico e a amizade psicológica que fazem deste momento - um Momento!
Aquele que fica na memória.
Aquele que se há-de misturar - num outro dia, num outro  escrito - com os momentos de raiva, de ciúme, de desalento de angústia, de carências várias… sempre na busca e na esperança de muitos, muitíssimos momentos  carregados da única coisa que vale a pena - a intimidade entre seres que se gostam, a amizade, a solidariedade, o respeito pela liberdade recíproca, a plenitude que só o amor que garanta tudo isto pode dar.

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