quarta-feira, 29 de julho de 2020

Fantasia e Realidade


Quando é que a fantasia de transformou em realidade?

Porque é que a minha vida é uma constante montanha russa do cimo da qual se tem uma visão alterada da vida e ora se imagina que o inimigo está agindo em estúpida fantasia romântica e inofensiva, ora é mesmo um agente ativo e real?

Já não sei em que acreditar: a minha perceção dos factos, oscila entre o otimismo de uma fantasia ingenuamente irreal e o medo de uma realidade firme.
Vivo num cenário em que o meu papel depende da forma como as outras personagens atuam e interagem. E sei pouco sobre a peça que ensaiam às escondidas. 
Não tenho a certeza de que se trata de uma peça de teatro, ficção irreal e passageira, ou se pelo contrário se trata mesmo de uma cena da vida real. Assisto. Tento ter calma e assistir discretamente ao desenrolar da coisa, num estranho limbo que ora me parece exotérico, ora me cheira a sério. 
Assim atentamente, porque disso depende o meu caminho. Estranha vida esta que depende a todo o tempo da leitura que faço das interações entre duas outras pessoas, de um conjunto de que não faço parte. Pouco sei que me permita guiar. Ando às apalpadelas. Socorro-me de pequenos sinais, de objetos deixados por aí... 
Sinto-me segura se vejo Fantasia na outra parte, vacilo quando ela tem contornos de Realidade.

O que é um facto é que a fantasia não vive do nada, ela tem de ser alimentada. E eu vejo que há auto-alimento de um lado e algum incentivo do outro. Com o passar do tempo, os hábitos que podem parecer infantis, românticos e inóquos deixam de o ser... passam a ser vivências reais e sólidas. O estatuto consolida-se, com base nas práticas. É uma especie de direito consuetudinário.
Há precendentes, há um historial, há gestos e factos... e os precedentes, como todos sabem em jurisprudência, fazem lei.
Um(a) amante não o é por via de ter um estatuto escrito, por haver aceitação social, pela visibilidade pública que os cerca. Também não são os pequenos grandes gestos que se praticam e são comuns a qualquer tipo de relação amorosa/conjugal que definem o conteúdo intrinseco de uma relação - mais beijo, menos carícia, mais abraços, menos cambalhota - o que importa mesmo é o conteúdo sentimental da relação. Também não é decisivo o tempo de permanência conjunta dos amantes, a distância até pode ser polarizadora da intensidade das emoções.
O que conta são os laços de afecto que se estabelecem entre o par, que se mantêm até quando os envolvidos lhe chamam de amizade. Se forem fortes esses laços, a relação é realmente amorosa. Pode não ser de paixão, mas é sólida. Chamem-lhe o que quiserem, mas se duas pessoas se mantêm envolvidas afetuosamente durante quatro anos, quando na prática não há motivos materiais de interesse, nem a conjuntura dos encontros é a mais favorável para a persistência da relação, é porque lá no fundo há algo de sério e importante. É porque o verbo gostar faz sentido para eles. Mesmo que a noção de amor seja difusa e não consensual, mesmo que na verbalização recusem um compromisso amoroso ou outros, mesmo que o desapego e a liberdade individual sejam a bandeira que empunham (para se defenderem), a verdade é que a permanência da união em espírito, marca!
Marca e comanda um eventual futuro. Quatro anos é demasiado tempo para brincar, não é tempo de namorico, nem aventura de gabirú, a idade e o contexto não é esse. Numa idade em que o aconchego, a companhia, o calor humano e a bondade contam mais dos que os amplexos estonteantes do amor romântico ou carnal, o que mais importa é a calma feliz da amizade com conteúdo.
Friends with benefits!

O termo serve para referir outra coisa, aqui serve perfeitamente para justificar esta friend que traz como benefits não necessariamente uma noite mais colorida, mas um profundo amor escondido debaixo da pele. Amor que não existia ao princípio e que foi sendo forjado como matéria de interesse.
O certo é que mesmo nascido da carência material e do interesse, se transformou em fantasia... e que, com o passar do tempo, o sonho virou realidade. Primeiro, só para uma das partes,
depois a doença poder-se-á ter pegado, alastrou ao par...
Hoje não sei se a fantasia não é já vista pelos dois como realidade.
A relação tem todas as condições para isso. É do interesse de ambas as partes, pode não ser a solução ideal para uma, mas é agradável e preenche um buraco enorme de carência, romantismo e auto-estima. Só por isso se torna muito gratificante. 
Se a tudo isto somarmos uma boa dose de tolerância, um adequado sentido de respeito pela liberdade do par, a imensa resiliência de uma heroína e o espírito de aventura de uma alma curiosa, temos os ingredientes certos para que dê certo...
Certo, duradouro e imparável. Porque não há nada que pare a esperança.

Nem tudo é cor-de-rosa certamente para esta heroína. Haverá momentos de quebra e desalento, haverá dúvida sobre um futuro um pouco sombrio, mas o otimismo prevalecerá. Uma alma alegre, aventureira e com fé, que vive no presente e só para isso, sobrevive melhor às agruras. Depois quem já não tem nada de seu (ou tem muito pouco) também não tem muito a perder. É pouco exigente, agradece à fé, aos deuses ou à sorte, ou àquilo em  que que acredita, tudo o que tem hoje. Pouco importa o amanhã... que só poderá ser melhor, concerteza. Vive o presente, porque leva o coração cheio de amor.
Transporta amor e energia interior em tal doses, em tal quantidade que nunca falta para dar aos amigos e aos amantes reais ou imaginários. Semeia carinho, esperando colher os frutos mais apetitosos mais doces. Faz compota de beijos amargos. faz marmelada com ou sem marmelos e fica feliz... mesmo que o açúcar não fique no ponto.
O tal amor construído que por vezes eu vejo como Fantasia e depois descobro que afinal pode ser Realidade!
Dói. Dói, porque a realidade é crua e dura, é verdadeira enquanto a percecionamos assim.
Tal como a montanha russa, um dia a realidade está em cima de mim, noutros dias dá a volta e eu creio só ver fantasia. 
A fantasia é menos preocupante, parece incorpórea e passageira.
Hoje devo ser eu que estou a ver mal, parece-me mesmo estar em frente da realidade na sua dureza mais crua. É aí que devo morar... e aguentar. Os sonhos ficam para outro dia... para quando a fantasia da bruxa me sobrevoar bem alto, voar para longe. a cavalo na sua bicicleta alada.


segunda-feira, 27 de julho de 2020

Mar


Amar rima com mar!
E tal como o mar é belo, inspira cuidados, transita em perigos. Assusta e atrai.
Amar ... a plena sensação de completude e de que  vale a pena viver.
O amor preenche-nos e submerge-nos, é um mergulho em águas profundas, quentes, um pouco escuras ou nebulosas, para os que ficam toldados pela energia avassaladora dos sentimentos. Quem ama não vê o que se passa à sua volta. Cego, enrolado sobre si, embrulho de emoções em movimento circular, molhado de mar profundo, vindo à tona de água, o amante respira o sol e agradece a felicidade. Quando disso tem consciência, claro. Porque, na maior parte das vezes, um estado de paixão é de tal modo inconsciente que nem se tem a percepção de que se está a viver um momento excepcional ... e finito. 
Não se pára para pensar: estou feliz! Perda de tempo pensar, vive-se, simples e sofregamente o acontecimento - o estado de graça ... algo que vem de dentro, não se limita a acontecer.
 A maravilhosa sensação de bem absoluto cobre tudo e voa-se, vive-se no ar ... julgando que será para sempre... Perde-se a noção de espaço e de tempo. Está-se nas nuvens, diriam os românticos, está-se em paz e simultaneamente em reboliço interior. É uma confortável contradição, os amantes julgam-se diferentes, especiais, benditos, predestinados.
Estar in love deve ser algo de parecido com a sensação de poder de um revolucionário, é-se militante de uma causa em que se acredita com tal força que nada os faz parar. 
Esta revolução emocional, este estado de turbulência de ondas quebradas na areia pode ser vivido e sentido, a sós ou em parceria. 
Quantas vezes é a sós, quantas vezes o Amor é um sentimento unilaterial, incompreendido pelo ser amado, prazer individual e solitário, sem contrapartidas, nem retorno afectivo, impossível ... e não obstante intenso.



Mas se for a dois, elás!
Se ambos souberem nadar com o mesmo ritmo e energia (raramente acontece), então o mergulho será total, no fundo da gruta marinha,  espraiando-se felizes entre conchas e búzios, bichos estranhos que nos parecem radiosos, adormecendo por fim na caverna de Ali-babá, cercados de pedras preciosas raras, descobrindo outras joias, em cada pedaço dos seus corpos, com o desvelo de um ourives marinho que inventa preciosos artefactos de prazer novo.

No meio dos limos e das algas, das sombras e do ondear das águas, os amantes reluzem a luz emanada dessas joias raras, dos beijos e dos olhares, dos sonos entrelaçados qual lianas marinhas. Do acordar em esplendor porque o corpo também conhece auroras boreais ou simplesmente o alegre nascer do sol, que acontece devagarinho sobre os corpos nus ainda adormecidos.
O amor é raro e precioso. É quase tão impossível quanto achar o segredo da gruta do Abre-te Sésamo. 
O amor é uma história... acredita quem quiser, a coleção de pedras preciosas e os ouros que carrega, se alguém os achou um dia, serão fonte de riqueza para sempre.
Quem ama não esquece. 
Mesmo que o objeto-pessoa desse amor se esvaia, fica a marca do sentimento vivido. Riqueza insubstituível da memória.
Nem todos têm a felicidade de ver essa luz maravilhosa, de tocar o ouro, de o trazer para casa, ... para o perder um dia. 
Lembrar-se-á, mais tarde, que foi rico, que ainda é rico porque um banho nesse mar, já memória, será fonte de vida para sempre.
Quem sabe que ele - o Amor - existe, nunca perderá a esperança.
O sonho do (re)achamento é um barco onde se pode navegar em segurança... O sonho leva-nos longe, comanda a sorte e levar-nos-á a bom
porto, talvez a um outro amor, talvez a uma nova morte ...



Quem tem medo do mar, quem desconfia do poder mágico das ondas e do prazer, da profundeza dos fundos ricos de descoberta partilhada, quem não fantasia, talvez nunca o encontre. É no fundo do mar e de nós mesmos, no lugar revelado em intimidade pura e aberta, que se encontra o segredo. Dar tudo - corpo e alma - para tudo receber. 
Dar, sobretudo, Intimidade que é a fonte do amor partilhado.
Porque o amor não existe para todos, não se mostra e não é visto pelo comum dos humanos racionais e outros que tais. 
Só os príncipes serão capazes de o alcançar: no céu, nas estrelas ou no fundo do mar. 
Só os artistas o saberão criar. Porque é preciso arte e talento para tal bem forjar. Porque é preciso a inteligência da alma para o alcançar.
Amor é ficção, construção solitária ou em
parceria. É edificação invisível para quem está de fora, mas bem real para quem, lá dentro, vive o aconchego desse lugar mágico. Pode morar em sítio seguro e duradouro ou viver tipo cigano, em bolandas. Pode ser fugidio, curto e intenso. Mas também ser calmas águas de um infinito oceano azul e doce, que conduz os amantes ao êxtase até ao fim...
Pode ser jovem e inconsciente, pode ser maduro e constante, pode ser doloroso ou gratificante. Pode ser e é isto tudo.
Gosto de pensar que será uma onda gigante e eterna de beijos e afagos, sentidos com a seriedade que se exige e com a loucura da desorientação que comporta.
Porque se não começa por ser louco  e destrambelhado, é porque não mexeu o suficiente com os nossos interiores para os mudar e nos levar a ser melhor. Sim, porque quem ama é melhor pessoa do quem desconfia, foge e teme o mar do amor.   Há quem nade para a costa que nem um náufrago atarantado, quem fuja do amor (e do compromisso) como se de doença se tratasse. 
É doença, realmente, mas benigna e deixa marcas para sempre, que são giras e bem nossas.
A primeira vez que me apaixonei fui parar ao
Hospital, o transtorno psico-somático foi tal que tudo se revolucionou... sem mais, sem qualquer invasão física, as entranhas de cima e as de baixo ficaram às voltas sem saber o que fazer. Cabeça, coração e corpo esbracejando num mar revolto, recém descoberto e onde não sabia nadar.  Consegue-se, quanto muito, vir a tona e boiar. Aí suavemente deixar-no-emos levar pelas ondas do mar diurno e solar. Aí, em tom de cruzeiro, o
passeio será doce, o calor dos corpos apreciando o baloiçar do azul, até onde o horizonte nos levar.
Sempre com medo de que o infinito não exista, que a linha do horizonte seja já ali, atrás daquela rocha... onde se poderá naufragar. 
Mas o amor é também isto: medo da sua finitude, certeza da sua ficção.
Amor é Mentira (bem sabemos, porque fomos nós que o inventámos), mas intimamente é Verdade, a nossa querida verdade amorosa, que tanto prazer nos dá.

in "Memórias de uma amante nostálgica, bemfejada pela sorte, crente que o deserto afetivo de hoje, um dia será mar".

sexta-feira, 24 de julho de 2020

Poema de Verão



Todos precisamos de cor e de amor, na nossa vida.

De cobrir, com sol e alegria, a solidão da alma inquieta ou perdida.

Coloridos e variados, mas gostados, estes são os meus beijos-coração ... 

são para ti, quer tu queiras quer não!


quinta-feira, 23 de julho de 2020

O que queres ser quando fores...



O que queres ser quando fores... grande?

Esta é a pergunta que se faz às crianças, questão que vai sendo reformulada, com o passar dos anos da juventude, para algo do genéro: o que queres estudar, em que queres trabalhar, que sonhos e realizações, até onde ambicionas chegar?

As respostas mudam ao longo da vida, com o repensar permanente dos nossos objetivos, navegando na onda fluída que é perceção que vamos tendo dos nossos talentos, das nossas ambições e das nossas possibilidades.
Apesar de esta ser uma pergunta que nos persegue pelo caminho da vida, nada tem o mesmo glamour que a pergunta e a resposta infantil. Essa é a mais pura expressão do desejo inicial, ingénuo e limpo, ainda não condicionado pelas limitações de contexto, ainda assente em sonhos e produto das vivências em que cada infância mergulha, a das crianças mais ou as menos protegidas, desde as pobres às mais prósperas. As respostas refletem esse caldo vivencial, sem deixar de ser genuínas e simples, são o coração que fala, o sonho que comanda a criança que diz o que lhe parece melhor, o cenário mais amado à luz do seu talento e fantasia.

O que queres ser quando fores grande? 
É a pergunta mais corriqueira mas, ao mesmo tempo, mais maravilhosa... porque à sua frente se abre um mundo de respostas, uma infinitude de possibilidades.
Nada parece estar vedado. A resposta é tão livre quanto o sonho que a comanda. Naquele escasso minuto de réplica, a criança pode dizer tudo, querer é o máximo do poder que lhe é concedido.
Tudo é possivel, basta pensar um pouco e responder conforme lhe manda o coração, a alegria e o futuro promissor que certamente lhe estará destinado. 
Se assim não fosse, que sentido faria fazerem-lhe essa pergunta? - perguntaria o menino.
Se lhe pedem para escolher dentro de um catálogo infinito de opções de vida, de profissões, de artes, de construção de afectos e famílias ou até de não fazer nada, é porque tudo é válido e possível.
Um mundo se abre a uma criança... pelos menos àquelas que conhecemos, ou seja, as que vivem no nosso mundo "Global North", onde até para os menos ricos está aberto o acesso à educação, ao crescimento pessoal e social... haja sorte e talento.

Se às crianças deste mundo todas as opções estão teoricamente em aberto, penso e amarguro-me sobre o que acontece quando se reformula a pergunta e a dirigimos para gente como eu.

O queres ser quando fores... velha?

O que queres ser quando deixares de trabalhar das nove às cindo (às vezes muito mais) e tiveres todo o tempo do dia para fazer escolhas?

Ninguém pergunta isto a um adulto maduro ou a alguém que está à beira da reforma. Porquê?

Muitas explicações e teorias poderiam ser construídas à volta deste tema. Eu tenho para mim a mais simples. Ninguém pergunta porque ninguém se rala. É óbvio que a velha vai para casa, arrumadinha para não chatear muito, fazer crochet e ver tv.
Uma velha não serve para grande coisa: tem pouco valor produtivo, tem pouco valor em termos de conhecimento/sabedoria, tem pouco valor como cidadão e mesmo como pessoa-ser humano... só terá valor "estimativo" para os que lhe são próximos.
Resumindo, velho não é bem gente - é mais um bibelot querido enquanto tiver saúde e alegrar os seus; um problema quando ficar doente ou dependente.

Mas eu sou velha e gostaria de encetar uma nova "carreira" de cidadã de plenos direitos e deveres, de escolher atividades e de desenvolver talentos... de querer ser alguma coisa...
Ainda vou a tempo de escolher uma "profissão de velhice" ou um hobby divertido, ainda tenho artes para inventar, transformar, fazer a diferença... agir sobre os objetos, as pessoas e o mundo.
Devia haver um catálogo de profissões para velhos - onde caberiam praticamente todas as boas ocupações. As más que fiquem para os novos... LOL
Acredito que poucos velhos ambicionem ser astronautas ou bombeiros (como tantas crianças), também não importa. Era muito trabalhoso ir estudar para a NASA e está muito calor para ir para aí para as matas de mangueira em punho.
Tirando isso, é quase tudo bom de fazer. Quer dizer, também dispensava ser mineira... por exemplo.

O problema é fazer escolhas.

Tanto que fazer, tanta gente a quem poderia "tocar" com a minha passagem pela terra... e eu sem saber por onde ir.

Quando era pequenina, respondia à clássica pergunta, dizendo: quando for grande quero ser ceramista-pintora. Coisa sofisticada, como se vê! As minhas amigas queriam ser professoras ou cabeleireiras... eu era mais chique! Desenhava por brincadeira... mas nada fiz no mundo das artes e ainda bem porque não seria grande coisa nessa sofisticada e admirada profissão. 
Agora posso ser tudo!

Depois da reforma, até posso ser ceramista, ou pintora ou bordadeira... mesmo de má qualidade, não tem problema.

Posso ser uma péssima escritora, uma má desenhadora, uma cozinheira insonsa... que ninguém me vai avaliar. 


Como não preciso de ter especial talento, nem ganhar a vida com isso, vale tudo desde que me dê prazer. Excelente!
Posto isto, então porquê a angústia de não saber o que fazer quando for velha? Se posso fazer tudo e até posso fazer mal feito, não me devia preocupar. 

A verdade é que as escolhas custam... entre tantas hipóteses, nada se revela como certo. Tudo parece difícil de concretizar. 
Porque atividades há muitas, mas o mais importante nesta fase da vida são as pessoas e os afectos... não são as coisas, nem as tarefas.

Pessoas boas e que gostem de nós e nós delas é muito complicado encontrar.

Ora vejamos: a família por vezes cansa, as mulheres são chatas e intriguistas, para amigas nem sempre dá. Os homens são mais atrativos, gosto mais de homens do que mulheres, como amigos e basicamente para tudo. 
Mas os homens têm um problema: São como os wc públicos. Ou estão ocupados ou são uma merda!
Os bons estão casados/comprometidos/cativos e desses um sub-conjunto apreciável está mais ou menos preso em casa, por uma megera horrorosa e ciumenta (é o que me diz a experiência, devo estar a ser injusta, mas lá que há destas bruxas, há!).

Além disso, quanto aos homens - quer os livres quer os outros - ainda têm outro problema: se forem novos ou assim-assim... pensam logo em saltar para a cueca e a gente (as mulheres) somos  mais seletivas neste aspecto. Cama sim, desde que... Complicado! Umas metem muito romantismo na salada, outras dinheiro, outras querem mais segurança e estatuto marital...
Levar uma mulher para a cama, de forma desinteressada, é mentira! Se algum homem se gabar de o ter feito, desconfiem.

Se forem mais velhos é ótimo, bons amigos, podem é não alinhar em programas mais radicais (fora da cama) como subir à serra de Sintra ou saltar de paraquedas... para já não falar que não gostam de discotecas barulhentas daquelas de abanar o capacete, se deitam cedo e têm demasiado sono à noite, incapazes portanto para fazer uma tertúlia literária ou poética até às 3 da manhã! 

No meio deste molho de enguias escorregadias e embrulhadas, que atrapalham o caminho para uma velhice feliz, se o assunto não for bem gerido e contornado, vira solidão. 
Solidão, sim! Esse velho fantasma de um velho.
Para espantar este demónio, sempre à espreita na porta de saída para a reforma/velhide, há encontrar algum afecto.

Portanto, em vez de decidir se me vou dedicar à jardinagem ou à filosofia, se vou fazer cerâmica ou escrever poemas... o melhor mesmo é concentrar-me em criar laços de amor. 
É preciso preencher a solidão dos velhos como eu, com muitas florinhas e corações, muita conversa e ternura, muito alegria e sonhos, porque não se deve deixar de sonhar...
Os hobbies e os passeios, as tertúlias e os cafés são apenas o pretexto para gerar afetos, para deixar fluir o que de melhor tem o ser humano - que é ser ele mesmo.
A minha maior ambição é ser eu mesma e os outros gostarem de mim pelo meu "ser"!
Queria deixar de ser gostada pelo que faço, pelo que dou, pelo que pareço.
Passar a ser eu mesma, sendo perfeitamente inútil, burra, preguiçosa e sem talentos... e mesmo assim amada.

Grande profissão para o pós-reforma: construir e viver numa comunidade de afetos e ser eu mesma - inútil e gostada.



sábado, 11 de julho de 2020

Palavras




Porque penso, logo escrevo. 
Porque as palavras não ditas, não existem. 
O mesmo acontece com as palavras não escritas. As ideias passam na flutuação do som que entra num ouvido e sai pelo outro, do interlocutor ou do grupo a que se destinam. Passam e não poisam. É um ar que se lhes dá... 
E as palavras - essas grandes amigas das ideias - são tão voláteis que, se não forem escritas, também não existem. Ou pelo menos, correm  o risco de voar rapidamente para o cemitério das ideias esquecidas, para o arquivo dos talentos e dos sons levianamente considerados inúteis.
Se as palavras virarem frase, poema ou livro... se forem escritas, durante um breve momento criam a ilusão de que alguém as leu, que pensou na ideia interior, que refletiu no seu significado.  
Assim, com sorte, se fará a ponte entre esse conteúdo e a sua relação ou similitude com experiência de vida de cada um, ouvinte ou leitor.  

A palavra guardada, os sentimentos timidamente enterrados em nós que não partilhamos por escrito ou na intimidade do verbo falado são inúteis. 


Não existe, esfuma-se e só a voltaremos a encontrar na tumba ou no Além (para quem acreditar nesse pós-vida).
Não existindo a palavra, as ideias vão parar invisíveis ao fundo do mar, se o nosso corpo for incinerado e dado a comer aos peixinhos. Esses não sabem ler e são cegos à emoção de um corpo morto carregado nas cinzas lançadas ao mar, tal como as minhocas se os ditos restos forem enterrados num jardim de rosas.

Os sonhos e as ideias levadas em silêncio no Eu, transmudado e feito pó, não servirão a ninguém nem fertilizarão a Natureza-mãe. A pouca matéria que levamos será terra ou água, as ideias e os sonhos realizados ou desejados, esses por serem incorpóreos, levam-se na morte e perdem-se.
Resta a matéria que fica no mundo - suporte de criatividade ou de sabedoria - ficam as imagens, os desenhos, as palavras, os sons gravados, musicais ou discursivos. Fica aquilo que saiu de cada um de nós destinados aos outros. Apenas a intimidade e a criatividade exposta existe e pode permanecer um pouco mais para além de nossa finitude.


Só as palavras escritas permanecem, tal como a memória curta de quem nos conheceu e amou em vida: os filhos elos maiores, os amantes mais fugidios, os amigos a quem marcámos, o trabalho que deixámos, os ensinamentos que bem ou mal passámos às gerações seguintes.

A sabedoria profunda, essa, expressa-se apenas de duas maneiras: 
  • Amor (que é finito) e parte com a ida ou na memória dos seres amados e  
  • Palavras (ideias que possamos deixar gravadas em qualquer suporte). Há que escrever portanto... nem que seja para o éter!
Porque escrever é a dávida mais duradoura e amar a mais transitória.
Ambas me são muito caras e continuarei a amar o melhor que sei e me deixam (ciente que tenho talento para isso, mas nem sempre destinatários à altura) e sabendo que quanto à escrita o talento é relativo, mas a vontade de passar a mensagem é muita.
E se há tantos mais escritores que conseguem vender as suas ideias... porque não tentar partilhar o que aprendi e que pode ser útil aos outros, usando as palavras certas, as que julgo mais claras, as que tenho generosamente para dar, mesmo que não sejam alta literatura?
São palavras que saltam aos pulos de dentro de mim e que são Amor. São para os amigos, para os filhos, para humanidade que estiver atenta ... 

Tal como o Amor disponível, em stock, num armazém interior a abarrotar e mal arrumado que tenho de organizar melhor, para que chegue a quem mais merece e precisa.
Tenho consciência que este bem precioso deveria ser dado como herança em vida aos filhos e família próxima... mas é bem difícil fazê-lo. Porque não estão despertos, porque não necessitam de mim? Ou porque falhei na educação para os afetos e para a solidariedade e inter-ajuda familiar? Não sei. A culpa deve ser minha, mas a cultura predominante no lugar real onde nasci e onde sou Eu, é de reserva e pudor pelos sentimentos pessoais e alheios, é pouco dado à partilha de afetos e de ajudas com substância. 
Também eu não fui educada “para dar” aos meus, para unir os meus, fui criada para construir um mundo melhor por dever cívico, tendo em conta a sociedade em que vivo e o que espera de mim. Fui formada para dar e para usar os meus talentos em favor dos meus semelhantes, do meu País, de todo um conjunto de tipos desconhecidos que supostamente merecem que eu explore o meu potencial criativo, a inteligência com que  fui prendada, retribuindo a educação que a sociedade, os pais e o sistema de ensino me proporcionaram. Na prática, fui formatada com a obrigação de pôr os meus talentos e trabalhos ao serviço dos outros.

Isto é um xadrez onde me perco de mim, porque prevalecem os outros que beneficiam do meu produto - amor, trabalho, criativadade de dádivas diversas, e as recebem sem juizos de valor. 

Um cenário cruzado de dador-recebedor, a preto e branco, linear e austero, de contraste e rigor... onde a meu Eu, a feliciade ou os sentimentos são fumo que paira e não se escreve na pedra base.

A minha felicidade nunca era equacionada neste mundo de deveres que tinha de cumprir, sendo a contrapartida desse bom comportamento um a questão irrelevante.
Muitos deveres, poucos direitos. 
Ser feliz viria ou talvez não a acontecer, era tudo uma questão de sorte. Não fazia parte do cenário, necessariamente.
Cumprir bem as obrigações isso sim. Sobretudo ser boa mãe e boa esposa. Quando ao primeiro destes deveres teve muitas falhas - que lamentarei eternamente - quanto a boa esposa esmerei-me e fui. Fui uma esposa e companheira que tudo fez com prazer, empenho e devoção (e Amor, sem dúvida alguma).
Só que escolhi um programa de exercício da função esposa pouco ortodoxo e consensual. Acabou por correr mal por razões estúpidas...  por exercer fora da caixa.

Quanto aos amigos que importaram e aos que ainda importam continuo a esmerar-me com talento, mesmo que a minha "arte" feita com amor e carinho, nem seja sempre bem compreendida.  
Por estar fora do meu tempo? Por incompreensão dos outros? Certamente por motivos externos a mim, porque sei, acredito com muita fé, que tenho talento para ser a melhor esposa do mundo, a melhor amante, a melhor amiga. 
Não serei a melhor mãe ... pode ser que a vida me ajude a encontrar uma nova via por onde possa caminhar neste aperfeiçoamento . Gostava muito.
Também não sou a melhor filha... para isso tenho uma boa desculpa - não me foi dado o “capital afetivo e de compreensão” para que hoje consiga retribuir, mas creio dar mais do que aquilo que recebi ou que contabilizei como receita. Talvez esteja a ser injusta e a memória de 64 anos de vida se tenha esvanecido no tempo e nas circunstâncias.
Há um desequilíbrio interior latente, por saber que nunca serei justa nem perfeita. Há uma dor surda que faz de mim um ser que ainda não encontrou paz... uma alma inquieta.

sexta-feira, 3 de julho de 2020

Liberdade

  • Liberdade é não ter de pedir desculpas...
É andar de cabeça levantada, sem pesos nem culpas, sem deveres por cumprir, com os compromissos básicos assinados e resolvidos, com o coração leve... porque de consciência tranquila consegue-se caminhar livre, bem, em alegria e em paz.
É a leveza da certeza de que estamos (ou pensamos estar) certos, seguros de que fizemos a opção mais direita para nós e para os outros.
Esses outros, onde se incluem tantos, são o nosso alvo e o nosso conforto - são um bolão amalgamado de gente pendurada ou despendurada de nós, que nos circunda, que vai e que vem...
desde a família próxima, aos amigos, aos que nos ajudam e prestam serviços no dia a dia... até à Humanidade exterior ou interior, sendo que a primeira muito indiretamente depende dos nossos atos individuais e a segunda depende totalmente.

Como é possível conviver bem, sem culpas, nem stress, com alegria e liberdade com toda esta gente conhecida e desconhecida? Não é!
Não é possível agradar a todos ao mesmo tempo, pois se nem eu própria sou capaz de  agradar a mim mesma o tempo todo. 



Logo há que desenhar uma estratégia, mais ou menos engenhosa (ou mesmo mentirosa) para sobreviver na selva que nos rodeia e na selva ainda mais densa e conflituosa que vai gradando por dentro. 

Há que mondar as ervas daninhas interiores, apagar as caraminholas que a cabeça gera nos dias de nevoeiro... 

Há que soltar as amarras das culpas (inexistentes), a pressão do politicamente correto (sempre presente, mesmo que fechemos os olhos, fingindo não ver).



Há que construir a nossa "casinha" dentro deste labirinto humano que cada um é, nessa teia que são as relações connosco e com eles, os tais "outros", que se consubstancia na forma como entendemos a vida ou a mudamos,  dentro dessas relações, sejam elas com as pessoas concretas de quem sabemos o nome e amamos (de modos tão ricos, quanto diferentes!), seja no contexto dos problemas de fora: do bairro, da sociedade ou do mundo. 


Há que sobreviver - e para isso, a única âncora é o amor, é cultivar afectos, para que nasçam flores nos lugares que tendem a ser ocupados por erva ruim... 
É estarmos atentos para que não abafem as rosas, se não soubermos arrancar o joio, a tempo e com precisão.
Mas voilá, elas nascem, quand même! 

E se nascem é porque afinal nós ainda não adormecemos de todo, na melancolia da vida confinada, à sombra dos perigos pendentes e conseguimos puxar raios de cor da Natureza, que se cumpre ao sol!

É Verão. Para mim ainda é Primavera, porque esta passou tão confinadita que nem dei por ela, vivendo um dia de cada vez, à espera nem sei de quê... uma espera em tempos de virus, que transformou uma estação em esquecimento.

Até não foi mau, mas foi diferente... e o corpo (neurónios incluídos) ainda está a reajustar-se...
Tropecei em pequenos vírus interiores, que viraram insónias e escritas de textos mais ou menos tresloucados... sentidos, sofridos, é certo! Ultrapassei, por agora, sabendo que mais pedras haverá pelo caminho.

Atrasada, meia baboleante, volto a repensar afinal onde andei nos últimos três meses, que tanta coisa boa teve e tantas fases de angústia, insegurança e medos me trouxe também. 
Lendo para trás o que escrevi, reparo que o que mais me afetou nem foi a doença (ou a sua possibilidade), foi mais o medo de o futuro não ter um lugar para mim, foi mais a incerteza dos afectos... 


Injustamente, esqueci os bons momentos: a praia quase sempre só para mim, maravilhosa, azul e límpida. 

A alegria dos poucos convívios permitidos: passeios a pé, um café ou um almoço entre amigos próximos e queridos, numa esplanada mais arejada e supostamente "desinfectada". 

Pequenos prazeres que souberam a tanto e que deixaram a promessa de que poderá haver outros doces momentos, se cultivarmos a liberdade a par das rosas, se nos sentirmos livres para viver assim... em alegria, cultivando afetos... próximos ou à distância.