sexta-feira, 12 de junho de 2020

Quanto custa ser anormal



A diferença devia ser amada por aquilo que  tem de melhor e pela criatividade e inovação que, potencialmente,  transporta. 

Porque é da loucura e da diversidade que se faz o progresso!

Ser diferente é caminhar por uma vereda estreita, que é a mais torta, é seguir em desequilíbrio pela via menos conhecida,  mais íngreme e perigosa (ou se calhar, apenas mais temida), é outra forma de percorrer a vida, tão honesta e válida quanto a nossa vontade, nem melhor nem pior, mas em regra mais difícil. 


É outra via de caminhar no mundo, ao lado dos que seguem direitinhos pela faixa de rodagem mais ampla onde cabe um porradão de gente semelhante entre si. São concerteza todos diferentes - porque cada um de nós é único - mas são relativamente parecidos e enquadrados pela bitola da via simples e homogênea de uma autoestrada linear e bem traçada. 
Outros, porém - por natureza ou transvio - preferem a rota das curvas, o caminho das pedras, a imitação do voo das aves ou optam até por ficar sentados, sonhando num mesmo lugar sem caminho. São os anormais! Os que fogem da norma.
Todos nós somos diferentes, uns mais do que outros. A grande maioria cabe toda dentro daquela massa humana que constitui, orgulhosamente, a maioria maior. O lugar confortável que é comum a muitos. Esses, os quase-iguais, pela similitude do muito que partilham de parecido, nos seus valores, nos seus pensamentos e, sobretudo, nas práticas sociais ou íntimas são aqueles que usamos chamar de "normais". Ora a normalidade é um conceito estatístico que soma muitas variáveias diversas com frequências próximas. Se se foge um pouco do centro da barriga da curva normal... é um cabo dos trabalhos... tende-se a ficar nas margens da normalidade, do bom senso, do bem visto...
E depois, como estatisticamente se comprova, são em menor número os tais “anormais” das margens. São marginais científicos, contudo a sociedade tende a classificá-los. Como em tudo, o homem procura entender o seu semelhante, e tende a classificá-lo em categorias, grupos, palavrões, bairros, defeitos e feitios, cores, opções ideológicas... etc. tentando salientar as diferenças, porque são elas que carregam a carga negativa - se não és como eu, cuida-te!... é mau sinal, em princípio.
Há os marginais da margem de baixo (do lado esquerdo da curva) que são os piores, coitados... a posição menos favorecida: o clube dos feios, porcos e maus, isto é, uma miscelânea que vai desde a escumalhada criminosa, potencialmente perigosa ou a tender para o revolucionário... até aos pobrezinhos de Cristo, os que nasceram sem sorte, no local errado, com pais errados ... sem saúde ou com azares vários que os chutou para a tal ponta esquerda.
E depois há os marginais à direita - também são poucos e diferentes, vidas alternativas, mas mais por opção ou talento, do que por azar.
Nada tem este posicionamento com a tradiconal geografia política E/D. A culpa é da curva de Gauss. Tem uma esquerda de baixas frequências e baixo valor é uma direita de grandes valores e frequências também escassas.
A malta marginal da ponta final é talvez mais interesssnte e heterogênea - mete de tudo um pouco: gênios loucos, poetas, libertinos e libertadores, revolucionários mas dos finos - há revolucionarios em todas as margens felizmente - artistas, gente de ciência e de grandes feitos, gente maluca e tarados sexuais ou excessivamente esfomeados, quer para bom proveito próprio (que felicidade!) quer para mal dos outros.
Há de tudo mesmo - alguns com graça e inofensivos, outros perigosos, outros maravilhosos...  porque é de aqui que saiem os aventureiros, os inovadores, os criadores, os que fazem o mundo avançar... e também os que são capazes de destruir pequenos ou grandes pedaços da nossa Sociedade, na sua versão curta ou na alargada do mundo global... E é aqui também que moram aqueles que, a título individual, mudaram valores que condicionaran a sua vidinha íntima e pessoal e os tornaram diferente à luz do olhar dos outros.
De todos os marginais tenho medo. Quer dizer de todos não, só dos que trazem mau augúrio ou "agendas próprias" para arrasar quem lhes atrapalha o caminho, dos que lutam para vencer e dominar o próximo. Tenho medo dos que vão em frente, indiferentes ao sofrimento alheio porque acham que o seu sofrimento é maior e têm direito a resolver os seus problemas pisando os outros. É a luta pela sobrevivência, ganham os mais fortes, destemidos, que não têm nada a perder porque já perderam tudo (ou quase).
Vivo assustada, tenho medo de viver com o desconhecido, com o eventual encontro com gentes daquelas franjas da curva. 
Á esquerda, sei lá se algum bêbado de maus instintos, algum sem-abrigo em raiva me ataca de noite? 
Á direita, sei lá se uma bruxa esfomeada desesperada e inteligente não estará a esta hora preparando uma beberagem para me matar? 

Tenho muito medo. 
Medo de perder a paz e o amor normal que só se encontra na barriga da curva... na zona azul. Azul como o mar.

Zona pacífica mas nunca a salvo das ondas selvagens que podem submergir alguém, como eu, que vive na fronteira da normalidade como a da anormalidade. 

Vivo na corda do trapézio num equilíbrio instável - sou uma louca consciente (do mal o menos), sei que posso cair a qualquer momento. Sei que estou em risco, quase a cair na marginalidade da direita... dos marginais perdidos, esfarpelados, enfraquecidos, pobres-ricos. É aí que me vejo. Mais ninguém vê. Só eu. Ao longe pareço normal, tenho tudo para ser feliz, saudável, tenho rotinas pacatas, família e amigos de suporte, porto-me aparentemente bem. Não sou um gênio louco, nem bato em ninguém, tenho criatividade  e talentos tão discretos que raramente alguém dá por eles. Contudo, eu sei que vou pelo caminho da diferença, para a direita... apesar de querer o contrário, apesar de saber que o melhor seria correr em sentido inverso para o meio, onde se encontra a normalidade, onde talvez me sentisse mais feliz... onde alguns dos meus frouxos talentos vissem o sol... e fossem úteis a alguém.

Como não gosto de solidão absoluta e permanente, precisava de encontrar a tal alma-gêmea (um mito, bem sei!) a tal alma louca que me compreendesse e amasse, na diferença . Eu não sou maricas nem lésbica nem pertenço a nenhuma minoria desfavorecida, tenho as pernas, os braços e demais órgãos a funcionar, sou caucasiana (logo não posso ser uma desgracadinha descriminada pelo racismo), não sou refugiada, vivo no meu País, tenho educação q.b. e nasci do “lado certo do mundo”! Sou diferente, contudo. Sou marginal, porque acho que sim. Porque no meu íntimo, não penso como os outros... e infelizmente não me sinto muito bem com isso. 
Queria ser mais burra, mais acomodada, mas pacata e tolamente feliz... queria saber gozar plenamente a sorte que me é dada todos os dias, não queria continuar a ser uma alma inquieta, que está a ser puxada por forças obscuras para um lugar de desinquietude e angústia.
Estão a puxar-me para sair da barriga azul da curva da Normal? Ou sou eu, que me estou a auto-marginalizar?
Queria amor! Sei que ele estás nas franjas também, porque é um bem raro... por isso continuarei e arriscar a aventura de trilhar por esse caminho que vai para a direita, o lugar do por do sol. 
Talvez o encontre no fim da linha... mas sei que terei de sobrevoar as pedras e as rasteiras que essa via comporta. 

Há um capuchinho vermelho à minha espreita, parece uma menina querida e boa ... mas é o lobo mau disfarçado. Será preciso força e coragem para o aniquilar sem sangue... com secura e bom-senso. 
Ensinar-lhe o caminho diverso, que não choque com o meu, que para além do negrume das nuvens, há casinhas para todos, brancas, lindas, sólidas e de pedra,  onde poderá medrar o amor. Outro amor diverso e bom, que não tenha se de alimentar das fogueiras ateadas nas madeiras de alguém inocente.




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