quinta-feira, 15 de março de 2018

Crianças...






Há mulheres-criança que pouco evoluíram desde a adolescência. Que, apesar de maduras e fustigadas pelas agruras da vida, continuam a viver num mundo de fantasia infantil. 
Há mulheres para quem os afectos e os relacionamentos amorosos reais se deviam parecer com uma página de romance, daqueles fantasistas e pirosos que leram na má literatura da juventude, nas foto-tele-outras novelas, feitas para encher as cabeças das meninas de ideias cor-de-rosa e irrealistas.




Sonham com um príncipe encantado, montado num cavalo branco, que chega para lhes arrebatar o coração, semear a paixão e as levar às alturas, para lhes tocar o corpo como se fosse um instrumento musical do qual vão arrancar as notas mais sublimes, levitando-lhes as entranhas num céu de rosas e caindo nos seus braços numa chuva de estrelas. 



Depois percebem - mais tarde e ao sabor das desilusões - que os homens não são príncipes perfeitos e que o êxtase celeste não lhes tocou o corpo. Quando o percebem dizem para si mesmas, que foram enganadas pelas promessas românticas da literatura e do cinema, que a realidade é mais pobre do que a ficção. 
Se elas não foram bafejadas pelo dom do paixão ou do prazer físico é porque estes não existem, se alguém disse que sim estava a mentir ou no mínimo a empolar a coisa. Não admitem que não tiveram sorte ou jeito. 
A partir do momento em que constatam que há um desfasamento entre a sua vida real (de fraco pendor amoroso ou sexual) e a ideia romântica que imaginaram em criança, podem seguir dois caminhos:
i) ou amadurecem e endurecem, arrumando-se num local assexuado e de fraca afetividade, desviando os seus talentos para outras áreas: os filhos, os cães, os gatos, a maquilhagem ou a culinária... quiçá a bruxaria ou a má-língua... ou então,
ii) ficam eternamente criança, vivendo uma fantasia romântica, por si mesmas criada, para cumprir o sonho juvenil, melhor ou pior. 

Das primeiras, está o mundo cheio: esposas incompetentes e desalmadas que arrumam as botas e os maridos na última prateleira da dispensa, que fecham a pernas e se tornam descrentes do amor.

As outras, as bébés-loiras e queridas, irão continuar a sorrir e a sonhar, contentando-se com amores mais pobres, com sucedâneos da verdadeira paixão (a qual afirmam não existir por ser um produto da ficção). Vão continuar reproduzir nos seus afetos a imagem infantil do principe/amante encantado e encantador, do qual não querem abdicar por inteiro. E amam, sofrem, desesperam e agarram-se a uma imagem-fição, que já é sua e não produto da literatura.
E são capazes de viver alegremente dentro dessa realidade virtual, amando no éter a projeção hoolística do amor inventado-imaginado em criança. Embaladas na fantasia... 
Tal como uma criança de 3 anos tem um amigo imaginário.´

Acreditar que a vida real é uma cópia pobre e aldrabada da ficção 
é uma total inversão do devido.
Não é a realidade que se parece fracamente com a ficção, por esta ser mais ou menos uma mentira pegada. Não é a nossa vida real que é enganada pela fantasia maravilhosa e falsa, que nos transmitiu a literatura e o cinema. É o contrário.

A ficção - literatura, cinema, etc - é que se inspiram na realidade, nas histórias de uns e de outros, para nos mostrar o que é a vida. A fonte de inspiração para a ficção é a realidade, por vezes caricaturando e exagerando, é certo, mas mostrando o que de facto existe e pode acontecer a qualquer um. Não inventa nada de novo - com excepção daquelas loucuras de ficção cientifica verdadeiramente inverossímeis, tipo Startrek - limita-se a fazer sobressair sentimentos e emoções, que homens e mulheres já viveram, a mostrar o que de facto existe. 
E o amor existe. As pessoas (algumas, poucas e sortudas, talvez... apaixonam-se...) e há quem saque do corpo chuvas de estrelas... não é mentira! Mas não é para todos. E quem não sabe ou não viveu tanto, não deve descrer... nem ficar eternamente criança num mundo virtual...  imaginário.
O sonho é fonte de vida, mas não a pode substituir.
E quem sonha - apenas e demais - não vive!
Quem não consegue ter os pés assentes no chão e caminhar, pisar os adereços da fantasia enganosa e olhar em frente na procura da realidade também não pode encontrar um amor verdadeiro e terreno. Não um príncipe encantado mas alguém de carne e osso, "feio, peludo e a cheirar a cavalo", como se dizia nos anos 70, alguém cheio de defeitos, mas com capacidade para dar o que tem: o afeto, o amor, a disponibilidade, a amizade, a intimidade e o companheirismo que são precisos para o nosso caminho prossiga com alegria, aqui nesta terra de dificuldades (mas a única que vamos pisar). 
Alegria é a coisa mais parecida com felicidade, a qual não existe, como sabemos.


Atenção, enquanto umas sonham e deliram, enquanto se tentam convencer que o amor não existe e que amar é aquela coisinha chocha e querida cheira de corações pirosos com que enfeitam a cama no dia dos namorados, outras são terrenas e sabem!
Sabem que amar é possível, que a paixão pode não tocar a todos da mesma maneira mas é possível, que o mais importante não é sentir os sentimentos (passe o pleonasmo) como manda o figurino, mas viver a vida com toda a intensidade, tal como ela se nos apresenta. 
Essas sabem que só se vive uma vez e que não se pode desperdiçar as oportunidades, os afectos e as pessoas boas que estão aqui para serem gostadas e para gostarem de nós.
Essas sabem aceitar com aceitação, amar com amor, sofrer com sofrimento, trepar e cair na chuva de estrelas que, com maior ou menor brilho, nos coube em sorte. Sem fazer comparações, porque a que nos coube é só nossa e não foi copiada de um filme. Sendo nossa, essa sorte e essa vida, compete-nos alimentá-la e fazê-la crescer com carinho. Com realismo, com verdade... sem exoterismos ou fantasias descontentes.





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