quarta-feira, 28 de março de 2018

Serenidade




Serenidade para aceitar as coisas que não podemos mudar;
Coragem para superar as que podemos
E Sabedoria para entender a diferença.

Uma lema de vida, que é bom ter presente, segundo R. Neibuhr

Tantas vezes repetida, citada e ponderada, esta oração de Serenidade…
Não obstante ser clara e de fácil entendimento, merece ser pensada, entendida à nossa maneira, vista segundo outro ângulo. Talvez para tentar encontrar nas entrelinhas (que são tão poucas) outro significado.

A Serenidade é talvez a virtude mais difícil de seguir. Porque serenidade é diferente de apatia ou de preguiça. Perante problemas incontornáveis, perante a constatação de que não está nas nossas mãos mudar o destino que nos aflige... é preciso aceitar - as grandes adversidades e as pequenas chatices-torturantes - e aceitar é duro! Aceitar serenamente e sem reclamar ainda é mais...
Porque a revolta é o mais instintivo dos sentimentos e a reação contra o impossível a mais natural das atitudes. Conseguir manter a clarividência e a paz interior num momento difícil, em que a revolta e a raiva parecem a única saída, exige treino, capacidades especiais e muita sabedoria também.
Tranquilidade e equilíbrio ...

Já a Coragem me parece mais fácil de obter. Por exigir movimento, ação, vontade e esperança de que se vai conseguir... torna o caminho potencialmente  mais fácil e agradável.    
Ter esperança de que o objetivo pretendido se consegue alcançar, dá alento para superar as dificuldades. E com força, vontade e fé (quanto mais não seja em nós próprios) vai-se em frente. Até podemos ser derrubados pelo caminho, mas se houver coragem, se nos levantarmos de novo, segue-se em frente. Porque, o que se pode superar, está ao nosso alcance, com mais ou menos esforço. Mas sim, é possível! Yes, we can...diria o outro.
Muitas vezes chamamos de impossível àquilo que é apenas improvável. Logo há que ponderar se vale a pena lutar pelo que tem uma baixa probabilidade de acontecer, mas não é de todo impossível.
Agora o incontornável, o definitivamente longe das nossas possibilidades... ficará sempre como um fracasso da nossa história, mesmo que consigamos vestir uma enorme carapaça de Serenidade, mesmo com o treino mental, disciplinado e transcendental de um monge budista, de um praticante de reiki ou de uma outra qualquer ciência obscura...
A Serenidade conseguida, por esta ou outra via, poderá dar paz interior e minimizar a "perda" que  significa não se conseguir o que se pretende, poderá adoçar a vida e amansar as angústias, mas não apagará jamais a sensação de impotência pela incapacidade em ir mais longe.

E Sabedoria é perceber tudo isto. É entender onde fica a fronteira entre o possível e o impossível. É ajustar a nossa atitude às reais possibilidades de viver, de um ou do outro lado dessa fronteira. 
Porque a tendência de quem ambiciona sempre mais, será empurrar a fronteira um bocadinho mais para a frente. Forçar, ir mais longe do que as pernas lhe permitem, esquecer as insuficências próprias e os obstáculos que os outros lhe vão pondo  no caminho.
No entanto, a coragem e a determinação nem sempre são suficientes porque não se pode, pura e simplesmente, esmagar quem se atravessa no nosso caminho e constitui um travão ao progresso pretendido. Aí, há que parar e guardar paciência e aceitação.
Há que considerar a derrota como fazendo parte do percurso e aceitar... aceitar com Serenidade.
Buscar a serenidade onde quer que ela more, porque nos faz falta para viver saudável. 
Aceitar as derrotas pessoais, suspender a ação quando o inimigo é mais forte ou as circunstâncias são tão adversas que a coragem nada pode resolver, é Sabedoria. 

Sabedoria e sentido da realidade. Não entender isto,  é Fantasia.
E fantasia é um processo de fuga para a frente... Alhearmo- -nos dos problemas, até pode ser sinal de sabedoria, até pode dar bons resultados, pela capacidade que a fantasia tem  de encantar os outros. No fundo, todos nos encantamos com histórias de amor reais ou imaginárias ... e ficamos  mais felizes e se calhar mais sábios.
Porque saber ser feliz é talvez a suprema forma de Sabedoria. 






segunda-feira, 26 de março de 2018

Não interessa...


Não interessa a cor das bolas de sabão, porque são delas as cores com que as pinto e minha a tinta que uso. 
Transparentes, vazias e cheias de luz !
Brilham para mim com as cores de cada dia-sentimento, cantando a poesia que trago no momento.

São sombras redondas e coloridas vogando ao sabor daquilo que sinto, daquilo que muda e da vida que me sorri. Ou da vida que me chora e as torna mais escuras.


Não interessa a cor das bolas de sabão, porque serão douradas nos dias bons. Olharei o sol que as espreita e ficarei da cor da alegria, do ouro e do sucesso, da bem-aventurança que me coube sorte. Sinal de privilégio, pelo qual devo estar grata.

É este dourado dos dias bons que me fará suportar os desamores, as perdas e os desafios maiores, sem olhar para o chão... seguindo ao alto o seu subir redondo e brilhante.


Não interessa a cor das bolas de sabão porque são azuis, quando sobem em direçao ao céu, à procura do calor do sol e da grandeza dos espaços. Aí, nesse azul infinito, o meu coração respira a paz e a liberdade, permite-se voar, lá no alto onde tudo é azul.

Ou no mar que também o é ... mergulhando em igual plenitude de infinito.


Não interessa a cor das bolas de sabão porque são verdes de esperança.
E é a esperança que nos faz viver, continuar em frente, mesmo aos tropeções, esbarrando e contornando as pedras que nos largaram pelo caminho... caindo e levantando.

A esperança olha sempre para cima, a sorrir, a amar e a crer que sim... que vai acontecer.
Porque a esperança é a última a morrer...
Antes de nós, claro!
Primeiro morre a esperança e depois lá vamos nós, atrás dela.


Por fim: as bolas não eram de sabão. De ar redondo e brilhante também voam, levam no vazio um coração,  de quem sofre ou de quem ri.

São balões de feira, fantasia de Carnaval, presas ao olhar das crianças, libertas para fazer sonhar os adultos. 
Para mim, transportaram a felicidade de um dia, em que não se compraram caramelos, mas se sonhou com um mundo melhor, uma vida de amor e um caminho leve e lindo ao sabor do balão-pirilampo.


domingo, 25 de março de 2018

Inveja


   
Inveja não é querer o que o outro tem e nós gostaríamos de ter. Isso é cobiça!
Não, inveja é um sentimento diferente, mais sujo e intrincado - é desejar o que o outro possui e nós não conseguimos obter, por desmérito nosso. 
Inveja é a prova do nosso fracasso. Não conseguimos igualar aquele que invejamos, por incompetência própria. 
As "culpas" residem todas em nós, o outro lado nada fez, nada tirou, apenas manifestou a sua superioridade e isso é insuportável. Inveja é um atestado de menoridade a nós próprios, comprovada no talento dos outros e na insuficiência pessoal. Dói muito reconhecer que há quem tenha o jeito, o talento, os bens ou a felicidade que ambicionamos e não sabemos alcançar.
Por isso, quem sente inveja pode resvalar para a baixeza de levar o outro ao chão!... tentando que mergulhe na merda onde estamos atolados por defeito próprio. 


Sofre-se porque é insuportável a dor da nossa impotência, da falta de coragem, de talento, de sabedoria, de ambição ou de amor para chegar tão longe quanto seria preciso. Porque quem não tem ambição e tem preguiça só lhe resta invejar quem obteve mais.

Inveja é eu ver um pássaro voando em alegria e liberdade, em direção ao horizonte e saber que estou condenada a ficar no chão... por não sabe voar.

É também a dor de saber que o outro sendo mais rico em sabedoria, talentos ou bens, mais pode dar. 
E ao poder dar mais, ao distribuir pelos seus semelhantes  o que tem, está, naturalmente, habilitado a mais receber.

A inveja é definitiva e inconturnável, porque a incapacidade de igualar o invejado é real. Pelo contrário, o ciume é transitório, é um vazio doloroso mas pontual, porque transporta esperança, partilha, quiça amor ...

Ciúme é um buraco vazio de afecto e cheio de insegurança. Um lugar onde o afeto, por chegar ou preencher, espera atento a sua sorte. É concorrência (leal ou desleal) mas viva, possível, plena de futuro, criadora de esperança e de confiança. Mexe, dói, cicatriza-se e voa. 

Inveja é lança cravejada no peito, sangrando até à morte, sendo que esta não vem, e nos arrasta o sofrimento...parado. Ali!

Inveja é de pedra, ciúme é de ar.


terça-feira, 20 de março de 2018

Viver custa!





As pessoas racionais, realistas e com vontade por ir ao fundo das questões, dos pensamentos ou dos corações, em geral, lixam-se!

Para elas, viver custa. E custa porque têm de suportar a realidade tal como ela é - a frio, a crú, a nú. Aguentam e racionalizam.

Em contrapartida, os fantasistas, os iluminados e os parvamente felizes estão bem mais aptos a sobreviver nesta selva, a que chamamos o nosso mundo.
A realidade é tão dura, para algumas pessoas, ele há vidas tão difíceis - falta de dinheiro, de casa, de emprego, de família ou de afectos, de saúde - que se percebe que essas pessoas sintam a necessidade de fugir à crueza dos dias e dos factos. E tenham a tendência de fugir para o mundo da fantasia, para lá do arco-iris, para a ilha dos amores imaginados...
Nem todos o fazem, naturalmente. Há certamente quem se deixe abater e também quem tenha a força e a coragem para tornar cada dia um acto de heroísmo... E depois há os outros, mais excêntricos, que fantasiam...
Esses, os românticos, optimistas ou espiritualistas são provavelmente um nicho de pessoas estranhas e especiais, mas devem ser muito felizes. Criam para si próprios uma realidade virtual, pintada de cores e semeada de luzes e corações, onde se instalam a sorrir. Ou então, encenam para si próprios uma peça de teatro da felicidade na qual são os protagonistas e os heróis, uma farsa assente em mentiras ou em construções teóricas, nas quais passam a acreditar como verdade.
Ás tantas, a efabulação criativa torna-se tão semelhante aos seus desejos que até acreditam... e deixam de conseguir distinguir entre invenção e realidade.
São assim os processos de fé. Constróí-se, reconstrói-se, escreve-se, divulga-se, pinta-se com outras cores, vende-se com um pouco de marketing e no final já ninguém sabe como começou a história, o que é verdade ou mentira.
Aliás a verdade não existe. O que existe á a nossa perceção sobre os factos, sobre o mundo.
Os fantasistas podem dominar os outros (ou o mundo) se tiverem capacidade de persuasão, se conseguirem meter nas cabeças alheias as suas crenças, por mais mirabolantes que pareçam. Encenam o papel do ser humano perfeito. São em geral personalidades marcantes, interessantes, amáveis, alegres, espirituais, sociáveis e muito tolerantes. Por isso criam empatia, não hostilizam, juntam amigos e fazem da diplomacia uma forma de respirar. Sentem-se felizes por se julgarem tão bons e sentem-me ainda mais felizes por verem que os outros os admiram, veneram e seguem.
É desta massa que nascem os místicos ou os políticos loucos. São carismáticos e julgam sobrevoar o mundo e dominar o comum dos mortais pela superioridade moral que atribuíram a si mesmos.
Uma superioridade moral que inventaram para si próprios, assente na fantasia que lhes aquece fraudulentamente o coração e lhes tapa as misérias de que fogem...


segunda-feira, 19 de março de 2018

O Homem Sem Cão


Era uma vez um homem que tinha tudo. Quando a noite caía sobre a sua almofada, quando o filme do seu dia presente e dos muitos que o antecederam passava a correr, entre sonhos antecipados e o um meio sono entaremelado de sensações e raciocínios, entre angústias e alegrias, ele via passar uma avioneta…

Era sempre a mesma imagem: uma avioneta, daquelas publicitárias com uma faixa de pano esvoaçante que dizia: O que te falta?

Ele sabia que era para ele. A mensagem voava num céu azul de Verão, baloiçava ao sol, trazia uma luz que feria e que o levava a cerrar firmemente os olhos, a enterrar a cabeça na almofada, quiçá para não ver, não pensar, não acordar.

Mas era para ele, sim, ele sabia. Se acordasse, se pensasse direito saberia que lá fora chovia, o Inverno continuava a sua marcha pesada, a praia estava fechada para férias e as avionetas comerciais jaziam no estaleiro à espera das próximas missões – acordar adolescentes para a discoteca da moda ou para o concerto estival, assinalar a marca de um bronzeador espetacular...

Sim, nada disso era com ele. O Verão que esperasse.

O que ele esperava era uma resposta dos céus de Inverno, plasmada numa faixa branca, uma resposta para as suas faltas, que nem ele sabia quais eram.

- Oi quirido, você está com muita falta de carências, viu?! – foi a boca foleira que lhe mandou a empregada da lavandaria, há dias quando ele se encostou um pouco mais do que a conta, roçando o seu braço nu no colo destapado da pequena, ao debruçar-se no balcão da loja, vergado ao peso de um saco de roupa para tratar.

Se até a brazuca percebia o que se passava com ele, era porque realmente lhe faltava alguma coisa. Elas têm um certo sentido de vidência, transportam aquele exoterismo tribal capaz de identificar os espíritos, de anunciar mandalas em todos os círculos, de produzir melaço de atração ou macumbas de vingança. Cuidado com as brasileiras, portanto. Era esse o seu lema. Esta, ainda para mais, não lhe suscitava nenhuma apetência carnal, era mastronça, meio índia meio parva… mas ia acertando… era isso, ele tinha alguma falta de carências!

Ora ele era o tipo de homem que todos admitem ter tudo. Tudo para ser feliz e viver alegremente numa sociedade dita civilizada e ocidental. Tinha uma mulher bonita, três filhos maravilhosos, com vidas e carreiras profissionais bem encaminhadas, tinha saúde, um bom emprego e aceitação profissional, tinha casa na cidade e na praia, o carro que sempre ambicionara e que mudaria ao sabor de nova apetência.

Tinha amigos, dois amigos do peito, com quem se encontrava regularmente e com quem podia contar para um desabafo, um conselho. Tinha mais outros – os do clube de golf – com quem se dava bem, sempre prontos para jogar pouco e rir muito, beber uns copos no country club e fazer umas almoçaradas por ai.

Pensando bem ele tinha tudo… menos um cão!

Porém, não era dado a grandes desvelos com animais. Considerava mesmo uma chatice ter um cão ou um gato para cuidar.
Havia psiquiatras e afins que recomendavam animais de companhia para curar angústias e solidões. Mas não era certamente esse o seu problema, vivia rodeado de gente. Apenas se sentia só, quando o sono descia sobre a sua almofada e a avioneta gritava nos céus: O que te falta?

Não era um cão, que lhe fazia falta, era talvez um aconchego animal, físico, quente, fofo, meigo… mas não era cão, isso sabia.

Mais parecido com isso, poderia ser uma mulher… e sorria para dentro, gozando com a comparação… Ai, se alguma ouvisse os seus pensamentos!

A verdade é que a sua noção de mulher dificilmente se encaixava nesta ternura de ideia – animal, quente, fofa, meiga.
Mulher era sinónimo de muita complicação, trabalho, argumentação, exigências e cedências e, claro, tudo isto a troco de uma hipotética-passada-futura cambalhota valente.
Uma canseira, que hoje já não valia o esforço…

Mas a avioneta voltava a passar e ele ditava para si próprio uma resposta e outra… até acertar:

- Quente, fofa, amorosa e meiga, mimenta, mimosa...

Uma mãe, talvez. A mãe que lhe fazia falta, é verdade que partira demasiado cedo… e nenhuma esposa, namorada ou amante a substituiria.

E continuava a responder à avioneta no ar:

- Carnal, animal, generosa, compincha, fiel…

Algo que talvez ficasse a meio caminho entre uma mãe e um cão.

Que fosse quente e meiga, amorosa e fofa, amiga e livre, inteligente e companheira … como um cão, como um cão...
De peluche talvez, para não incomodar, alguém que pudesse abraçar na cama antes de adormecer, que pudesse beijar e chamar de fofa, alguém que encenasse o mimo, que o ajudasse a dormir e a gritar bem alto quando a avioneta passasse:

- Eu tenho tudo, eu sou feliz, eu tenho um cão fofinho e doce, que me embala e abraça como a minha mãe fazia, que me lembra uma amiga que não tenho, mas existe dentro de mim. Vou dormir com ela, abraçado e quente…

E a avioneta partiu, não mais voltou, talvez ocupada a preparar o Verão.


quinta-feira, 15 de março de 2018

Crianças...






Há mulheres-criança que pouco evoluíram desde a adolescência. Que, apesar de maduras e fustigadas pelas agruras da vida, continuam a viver num mundo de fantasia infantil. 
Há mulheres para quem os afectos e os relacionamentos amorosos reais se deviam parecer com uma página de romance, daqueles fantasistas e pirosos que leram na má literatura da juventude, nas foto-tele-outras novelas, feitas para encher as cabeças das meninas de ideias cor-de-rosa e irrealistas.




Sonham com um príncipe encantado, montado num cavalo branco, que chega para lhes arrebatar o coração, semear a paixão e as levar às alturas, para lhes tocar o corpo como se fosse um instrumento musical do qual vão arrancar as notas mais sublimes, levitando-lhes as entranhas num céu de rosas e caindo nos seus braços numa chuva de estrelas. 



Depois percebem - mais tarde e ao sabor das desilusões - que os homens não são príncipes perfeitos e que o êxtase celeste não lhes tocou o corpo. Quando o percebem dizem para si mesmas, que foram enganadas pelas promessas românticas da literatura e do cinema, que a realidade é mais pobre do que a ficção. 
Se elas não foram bafejadas pelo dom do paixão ou do prazer físico é porque estes não existem, se alguém disse que sim estava a mentir ou no mínimo a empolar a coisa. Não admitem que não tiveram sorte ou jeito. 
A partir do momento em que constatam que há um desfasamento entre a sua vida real (de fraco pendor amoroso ou sexual) e a ideia romântica que imaginaram em criança, podem seguir dois caminhos:
i) ou amadurecem e endurecem, arrumando-se num local assexuado e de fraca afetividade, desviando os seus talentos para outras áreas: os filhos, os cães, os gatos, a maquilhagem ou a culinária... quiçá a bruxaria ou a má-língua... ou então,
ii) ficam eternamente criança, vivendo uma fantasia romântica, por si mesmas criada, para cumprir o sonho juvenil, melhor ou pior. 

Das primeiras, está o mundo cheio: esposas incompetentes e desalmadas que arrumam as botas e os maridos na última prateleira da dispensa, que fecham a pernas e se tornam descrentes do amor.

As outras, as bébés-loiras e queridas, irão continuar a sorrir e a sonhar, contentando-se com amores mais pobres, com sucedâneos da verdadeira paixão (a qual afirmam não existir por ser um produto da ficção). Vão continuar reproduzir nos seus afetos a imagem infantil do principe/amante encantado e encantador, do qual não querem abdicar por inteiro. E amam, sofrem, desesperam e agarram-se a uma imagem-fição, que já é sua e não produto da literatura.
E são capazes de viver alegremente dentro dessa realidade virtual, amando no éter a projeção hoolística do amor inventado-imaginado em criança. Embaladas na fantasia... 
Tal como uma criança de 3 anos tem um amigo imaginário.´

Acreditar que a vida real é uma cópia pobre e aldrabada da ficção 
é uma total inversão do devido.
Não é a realidade que se parece fracamente com a ficção, por esta ser mais ou menos uma mentira pegada. Não é a nossa vida real que é enganada pela fantasia maravilhosa e falsa, que nos transmitiu a literatura e o cinema. É o contrário.

A ficção - literatura, cinema, etc - é que se inspiram na realidade, nas histórias de uns e de outros, para nos mostrar o que é a vida. A fonte de inspiração para a ficção é a realidade, por vezes caricaturando e exagerando, é certo, mas mostrando o que de facto existe e pode acontecer a qualquer um. Não inventa nada de novo - com excepção daquelas loucuras de ficção cientifica verdadeiramente inverossímeis, tipo Startrek - limita-se a fazer sobressair sentimentos e emoções, que homens e mulheres já viveram, a mostrar o que de facto existe. 
E o amor existe. As pessoas (algumas, poucas e sortudas, talvez... apaixonam-se...) e há quem saque do corpo chuvas de estrelas... não é mentira! Mas não é para todos. E quem não sabe ou não viveu tanto, não deve descrer... nem ficar eternamente criança num mundo virtual...  imaginário.
O sonho é fonte de vida, mas não a pode substituir.
E quem sonha - apenas e demais - não vive!
Quem não consegue ter os pés assentes no chão e caminhar, pisar os adereços da fantasia enganosa e olhar em frente na procura da realidade também não pode encontrar um amor verdadeiro e terreno. Não um príncipe encantado mas alguém de carne e osso, "feio, peludo e a cheirar a cavalo", como se dizia nos anos 70, alguém cheio de defeitos, mas com capacidade para dar o que tem: o afeto, o amor, a disponibilidade, a amizade, a intimidade e o companheirismo que são precisos para o nosso caminho prossiga com alegria, aqui nesta terra de dificuldades (mas a única que vamos pisar). 
Alegria é a coisa mais parecida com felicidade, a qual não existe, como sabemos.


Atenção, enquanto umas sonham e deliram, enquanto se tentam convencer que o amor não existe e que amar é aquela coisinha chocha e querida cheira de corações pirosos com que enfeitam a cama no dia dos namorados, outras são terrenas e sabem!
Sabem que amar é possível, que a paixão pode não tocar a todos da mesma maneira mas é possível, que o mais importante não é sentir os sentimentos (passe o pleonasmo) como manda o figurino, mas viver a vida com toda a intensidade, tal como ela se nos apresenta. 
Essas sabem que só se vive uma vez e que não se pode desperdiçar as oportunidades, os afectos e as pessoas boas que estão aqui para serem gostadas e para gostarem de nós.
Essas sabem aceitar com aceitação, amar com amor, sofrer com sofrimento, trepar e cair na chuva de estrelas que, com maior ou menor brilho, nos coube em sorte. Sem fazer comparações, porque a que nos coube é só nossa e não foi copiada de um filme. Sendo nossa, essa sorte e essa vida, compete-nos alimentá-la e fazê-la crescer com carinho. Com realismo, com verdade... sem exoterismos ou fantasias descontentes.