segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

Silêncio

 

Que a minha solidão me sirva de companhia.
que eu tenha a coragem de me enfrentar.
que eu saiba ficar com o nada
e mesmo assim me sentir
como se estivesse plena de tudo.

Clarice Lispector 

Um dia, quando eu for grande, um dia quando eu for velha e sábia, talvez compreenda muita coisa que hoje não alcanço.
Um dia hei-de perceber que o silêncio é um lugar bom para se viver, que o silêncio pode trazer paz, pode dar tempo de reflexão , permitirá talvez dar lugar à criação poética, à felicidade interior… ao equilíbrio que mata a fome de viver. 
O barulho interior e exterior, o caos dos sentimentos desordenados, o atropelo das palavras inúteis e pouco pensadas só servem para encher a vida de vazios e de frivolidades. 
A falta de silêncio adequado, tolhe-nos e bloqueia a razão necessária para parar, para pensar e para recolocar as coisas importantes, as dores da alma, no seu devido lugar. 

O silêncio - quando se consegue interiorizar a sua necessidade e utilidade - é uma das maiores descobertas das mentes inteligentes e felizes. 
O silêncio como exercício forçado, prosseguido com algum esforço no meio de um grupo de amigos, numa família ou numa comunidade mais ampla, é bem difícil de ser mantido. Mesmo assim, podemos optar por falar pouco, valorizar o silêncio como forma de comunicação não verbal, acompanhar este tipo de silêncio - momentos sem palavras - de outras manifestações de afecto, de sorrisos ou de toques, da oferta generosa de disponibilidade psicológica, etc. 
Ouvir, por exemplo, é uma das melhores formas de valorizar o nosso silêncio em favor das palavras dos outros. Quantas pessoas precisam mais de ser ouvidas em silêncio, do que de dialogar com o interlocutor? Ouvir, respeitar com o coração, sem emitir opiniões, sem perguntar.
Se esta forma de estar na vida fosse mais comum - dignificar e entender o silêncio como um modo potencial de amor e de amizade - talvez não fosse necessário tanta discussão cruel e inútil.
Aprender a calar ! Engolir sapos vivos, quando a dor for muita, pode ser a cura, pode trazer um apaziguamento saudável dos nossos males.
O silêncio enquanto remédio ! A par da aceitação…

A solidão instala-se mais facilmente onde há silêncio, silêncio daquele mais cru, que resulta de não haver gente nenhuma, nem calada nem a falar. 
Clarice prefere essa solidão redentora. Prefere ficar com nada numa atitude de ascese, em que se pode não ter nada e se sentir com tendo tudo.
É demasiado difícil, para mim, é de uma transcendência espiritual a que não aspiro, nem lá chegaria.
A solidão pontual pode ser uma doce e calma tarde de Verão. Já a solidão definitiva é uma noite de trovão. Certamente, seria triste encontrar-me numa solidão destas - perfeita, mas onde teria dificuldade em encontrar-me.
Eu sou solar ! Gosto de gente.
As pessoas mesmo em silêncio são um lugar de paz, de desafio. de inspiração. Sou capaz do silêncio (com algum esforço) e até acho que devia praticar mais.
Decisão desta noite - de choro e de medo, de raiva e de desilusão : manter-me calmamente em silêncio…  

Deixar correr a espuma dos dias, sorrindo sempre como se a vida fossem rosas, deixar que os espaços em branco se encham de silêncio bom. Sem dramas, nem revolta. 

No entanto, ficarei sempre à espera que um ponto lindo de luz brilhe no meio do meu deserto de silêncio e me chame para falar, um dia.
Aí, só direi coisas lindas, palavras de amor regadas com esmero e com
muito cuidado, para não ferir ninguém, nem quebrar o encanto do meu silêncio, palavras guardadas para uma altura especial, embelezadas para serem transmitidas  quando fizerem falta.
Em silêncio … abrindo a boca ao mesmo tempo em que se abre a alma, só com palavras boas.
Porque se eu quebrar o silêncio com raiva e reclamações, tudo se vai perder.
E corre-se o risco da solidão mais dura se instalar no lugar do silêncio. 

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