quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

As Viagens


As  viagens são um caminho - entre muitos outros possíveis - para atingir um espaço de vida nova, para ir ao encontro de algum crescimento interior ou para vivenciar um novo sentido de liberdade. Quiçá, para ver e ouvir o som verdadeiro da liberdade, no caso de quem nunca a conheceu ou de quem dela tem uma visão destorcida.

A viagem essa miragem - meio para nos tornarmos melhores, mais conhecedores, mais tolerantes, mais aberto ao mundo, mais sábios, mais preparados para entender e aceitar as diferenças entre os povos e as culturas, a par da diferenças óbvias entre as paisagens e os climas.

Enfim, as viagens são uma coisa boa! Podem melhorar o mundo - o nosso pequeno mundo e o conhecimento que vamos adquirindo sobre o grande mundo dos outros, dos nossos semelhantes, por vezes tão distintos e, por isso mesmo, desconhecidos e potencialmente adversos.

Viajar faz-nos ser (ou devia fazer) melhores pessoas, clarividentes, mais ricos, mais capazes de entender a Humanidade.

Para cada um individualmente a viagem pode ser fonte de riqueza interior, pode ser válida e importante para o equilíbrio emocional e para a auto-estima. E para que isso aconteça, não é necessário ser uma viagem longínqua, exótica ou especialmente aventurosa ou perigosa.

Nem todas as pessoas são iguais, eu sei, há viajantes competentes, com especiais capacidades de planeamento e imaginação para encontrar destinos maravilhosos. Esses conseguem explicar o sonho da viagem de uma forma cabal, transcendente mesmo. Mas não é por isso que são melhoras pessoas do que os outros. Simplesmente têm esse talento, a par de terem tempo e dinheiro para serem um viajante “exótico e profissional”.

Para esses militantes-profissionais das viagens, o que é mesmo decisivo, é ter vontade, gosto pelo desconhecido e espírito de aventura. 

E também um certo tique, mania de colecionista. Somam destinos, fotos e relatos como quem coleciona cromos. (Nem todos são assim, felizmente, espero que apenas uma minoria retire das viagens o fogo-fátuo do exibicionismo e da sua prova documental).

Quanto aos verdadeiros viajantes - e por muito que os admire - infelizmente, a experiência diz-me que tendem a ser snobs, raiam a arrogância e até talvez algum desprezo pelos “pobres excursionistas”. Aqueles que gostam de passear, estudar e conhecer o mundo e os povos, mas que, por força das circunstâncias, se limitam a destinos mais triviais - ou por falta de dinheiro, de tempo ou de imaginação para planear voos mais altos. Serão apelidados de rascas, sensaborões ou preguiçosos. 

É injusto !

Uns e outros são viajantes. - procuram sair da sua morrinhice, para arejar a alma. Tanto faz ir à Nova Zelândia como a Badajoz. 

Tanto uns como os outros são pessoas dignas de respeito (tal como os que ficam no sofá…) e não faz sentido descriminar viajantes em função da grandeza do destino.

Cada um viaja como pode. O que importa mesmo é que algo mude dentro de si, que construa algo de novo, que ganhe novas vivências, novos olhares, que colecione não apenas mapas e folhetos,  mas amor - pela natureza e pelos seres humanos -, que consiga mais paz interior, um maior apreço por quem lhes é querido, mais tolerância e não traga apenas na bagagem fotos e souvenires. 

Que venham mais ricos pelas pessoas que encontraram, ou pelas belas paisagens que encheram o olhar e a alma de emoções e bons sentimentos.

Que encham a mala de regresso com um sorriso, por ter visto uma montanha nevada, um lago azul. Ou que tragam a tristeza profunda de ver uma criança sub nutrida, procuram sustento numa lixeira indiana.

Ou simplesmente que carreguem a alegria de um saco cheio de caramelos de Badajoz para distribuir pelos sobrinhos mais queridos.

Tanto vale encontrar a alegria nas pequenas como nas grandes descobertas, nas paisagens, no olhar sobre a humanidade mais próxima ou mais longínqua - é igual, é nobre, merece respeito se for genuína a emoção.

O que importa é manter a Alegria e a capacidade de amar e de entender o outro. Não fechar a porta do casulo - o tempo e o privilégio de uma viagem é um casulo egoista enquanto dura - e é preciso continuar a amar o mundo fora dele.

Agir como se fora do casulo não existisse vida e outros seres humanos fossem bonecos parados no tempo,  como se a Terra deixasse de rodar enquanto estamos fora, é uma atitude bastante comum do viajante auto centrado ou distraído.

Este tipo de viajante tende a colecionar memórias da viagem e fotos para apresentar como troféus, provas da sua superioridade.

Quando o que importaria era mostrar o resultado da viagem como um presente de ensinamentos.

Uma dádiva para os outros, não uma conquista para si.

Quem mais vê e mais sabe tem o dever ético de partilhar com o pobre, o ignorante, o perdido, o que ficou para trás, sem acesso ao mundo grande das grandes viagens e experiências.

 


É como deixar um pedinte morrer-nos à porta. 

Infelizmente, é o que mais acontece… por isso , há tantos sem-abrigo.

E as viagens podem ser até mais baratas do que a comida, bastam fotos, memórias, conversas e amor partilhado, diálogo e atenção, de quem muito viu e muito tem. Não custa dinheiro, apenas amor.

É feio menosprezar aqueles “parolos” que só fazem viagens mixurucas - ir a Paris ou a Itália, parecer uma viagem pindérica,  para que vai à Austrália ou à Patagônia.

É muito triste amachucar o próximo, tirar o orgulho a uma velhota provinciana que conta a sua ida a Fátima, com enlevo, e fazê-la sentir memorizado pela insignificância da viagem, é falta de caridade  desmoralizar quem viajou menos, porque a vida ou a falta de jeito não deu para mais. Que pode ter ido “só ali ao lado” mas voltou com a alma mais rica!

A vida é demasiado valiosa e curta. Não pode ser desperdiçada, há que encontrar a Alegria e não dar ouvidos a quem nos magoa com soberba e incompreensão. 

Quem trabalhou demais e viveu de menos, é digno de respeito, sobretudo se continua em busca da felicidade… sempre. 

Em viagem ou parado a sonhar.

É de apreciar quem consegue modestamente e sem viagens estrondosas, pôr a tristeza de lado, esquecer a amargura provocada pela falta de afecto, e mesmo assim seguir em frente: fugir do mal … fugir… porque andar, correr ou fugir sem sentido, também é viajar.

Procurar a felicidade (a qual não existe, mas que utopicamente perseguimos), sorrir às flores e ao sol, às pessoas boas, aos pequenos sinais que o Universo nos transmite é a melhor das viagens. 

Isso é ser otimista, é ter fé na alegria, na solidariedade e no amor. É reconhecer que o sopro da felicidade está não apenas na viagem em si, mas também nas pessoas com quem se partilham essas vivências, ao vivo ou à distância.

Um viajante que se fecha egoisticamente no seu casulo de viagem é um ladrão, porque não transforma em dádiva aquilo que lhe pertenceu mas não é seu - é um bem universal. 

Ir em viagem não é o mesmo que ir para um convento em retiro e desligar-se do mundo e dos seus. Há deveres de viajante. Tal como todos temos o dever de ajudar quem mais precisa: família, amigos, desfavorecidos em geral, na medida 

Por isso há tantos mal-amados, tanta gente amarga, tanta gente virada ruim pelo muito sofrimento acumulado. 

E as viagens podem ser até mais baratas do que a comida, bastam fotos, memórias, conversas e amor partilhado, diálogo e atenção, de quem muito viu e muito tem. Não custa dinheiro, apenas amor.



Além do mais, uma viagem tem o seu regresso. E aí a realidade volta a surgir com toda a força, quando se desfazem as malas e se espera encontrar as outras pessoas ficaram exatamente no mesmo sítio. O que é impossível! A terra rodou para todos. 

É que a vida não pára (não suspende quando alguém está em viagem), o tempo passa para todos por igual, com distâncias e esquecimentos, desamores e vivências distintas, como é óbvio. Mas tanto quem vai como quem fica, mudou… viajou quieto ou a andar.
Não reconhecer isto é não saber viajar.
Por isso, há que guardar a sensatez e trazer compreensão, porque na volta  todos nos encaminhamos igualmente para a morte…

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