terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Novos rumos




Buscando um novo rumo, sem fazer resumo não me acostumo.
De vez enquanto, sumo, para ver se acerto,
sòzinho no deserto.

Mago Robert





E a vida mudou! Não foi a minha, não foi para mim que as coisas mudaram, mas é como se fosse.

A vida muda todos os dias para toda a gente, nós é que tendemos a julgar que o mundo é estático, que somos eternos, que as nossas crianças não crescem, que o guarda-roupa não passa de moda, que as rotinas se repetem, que os Natais são sempre natais. 

Os natais são chatos, natalícios, stressantes, desesperantes mesmo. Mas quando passam, deixam a alegria do dever cumprido, de mais uma prova superada. Mais um! Consegui, passei no exame, sobrevivi... agora descanso até ao próximo ano, até à próxima situação de mal-estar coletivo, um coletivo-família que deveria ser um lugar de prazer.

O facto de o Natal ser igual e seguro, sem percalços de maior, estarmos juntos e vivos já de si faz dele um bom Natal... o de sempre. 
Porque o que  mais nos assusta, em tudo na vida, é o desconhecido. O conhecido, mal ou bem, dá confiança e sossego. Um Natal igual a tantos, iguais e conhecidos, transporta consigo a ilusão de continuidade e de eternidade (como se tal fosse possível).

E depois percebemos que não é bem assim, que a vida muda, mesmo para quem é arreigadamente conservador...
Percebemos que algumas bolas da árvore de Natal, até daquelas mais antigas, se partiram ou perderam ou partiram pelo seu pé...
E que outras foram sendo compradas, foram chegando, até talvez mais bonitas. 

As bolas pouco importam. E as pessoas? Algumas também se partem porque frágeis, outras partiram para outro rumo e são essas de quem se sente a ausência e se recorda a presença. 

Até num lugar estaticamente igual e inemutável como o meu sítio, até aí onde nada acontece na aparência, aliás, onde é proibido acontecer alguma coisa, tem havido acidentes e desvios à norma.
Uns pequenos: novas chegadas, alguns afastamentos mais colaterais e, agora, um mais marcante: uma bola antiga de vidro frágil, partiu-se e partiu!
Foi a consertar e talvez já esteja reparada, inteira e boa. 


Que volte a brilhar num outro pinheiro, na natureza onde os há tão verdes ou no plástico da cidade. 
Que a bola brilhe no campo bucólico e frio do Inverno nortenho, tremeluzente pelo reflexo das chamas de uma lareira. 
Que brilhe, de coração quente, no enlevo inicial e limpo de quem encontrou outro rumo.
Que essa bola-estrela possa trilhar um caminho novo ou, pelo  menos, que pense estar a descobrir a origem do bem, uma vida onde todo o passado deixa de ter sentido e espaço.

Tudo novo, tudo certo, tudo assente numa pessoa, que condense em si esse ideal de mudança e de conforto. 
No fundo de um caminho a desbravar, na escuridão do verde minhoto das serras, entre as árvores, uma estrela brilha e chama, oferece repouso e cama... 

De repende (ou aos poucos), percebe-se que este é o presente que faz sentido, esta é a vida que importa...  tudo o que ficou para trás se esvaiu, aparece esbatido pela névoa do passado. 
Rumo ao Norte com destino à luz, o que ficou tornou-se deslocado, desfocado, irrelevante, imerecido e esquecido.

Há que seguir a estrela - qual rei mago, cheio de magia - aquela que aquece a alma e promete um novo voo, perdendo nesse passeio alado, o que havia de velho e secundário.

O amor alumia tanto mais, quanto quem dele precisa.

É tomado num cálice na justa proporção da sua precisão.

A muita carência engrandece a oferenda e tudo é demasiado importante e bom.... tão absorvente e óbvio, que nem se compreende como possa haver quem isto não compreenda.


Eu compreendo... eu entendo bem, com o meu romantismo primário, que há momentos únicos e totais, capazes de concentrar toda a grandeza e apetência em estar vivo e amante.
Bons são os dias únicos do deslumbramento inicial, devem ser vividos em toda a sua plenitude.
E devem ser feitos e perfeitos, num caminho a sós, em parceria despojada de tropeços e de emplastros. Seguindo em frente num mar limpo, numa montanha verde, numa vereda lisa rodeada de pedras protetoras e solenes. A pé, de carro ou a cavalo, mas sós. Numa solidão de par.

A melhor solidão é aquela que se faz a dois, numa travessia com espaço e silêncio, com risos e beijos, com descobertas interiores e exteriores, na paisagam que se olha e se interioriza depois, com o sabor permanente a felicidade nos lábios, como se se tivese comido um doce tão enjoativo que o sabor não passa, mantendo-se presente por muito tempo, ao longo dessa caminhada de alegria e distanciamento.


Porque a lonjura desse rumo novo é indispensável para que a vida comece do zero, inicial e limpa, renascida para a noção maravilha de que há outra vida, muitas mais vidas se quisermos, há muito mundo e, ainda, há algum tempo. 

Sabendo que esse tempo poderá ser inventado e desenhado à medida do tempo que há, será vivido à medida e ao gosto de cada um (ou dos dois), para que a alegria caiba no espaço certo que inventaram para si próprios, para acolher a sua solidão exterior e fazer florir a solidão interior. 
Duas solidões e silêncios juntos podem fazer muito barulho!
Um som que nós, os de fora, mal ouvimos, porque estará bem fundo dentro deles, quiçá para ser descoberto ainda.


E dá tanto gozo descobrir! Ir ao fundo do poço ver o que lá existe. A novidade é tão excitante, empolgante, maravilhosa. Dá a ideia, talvez ilusória, que se está a descobrir o que ainda não foi inventado, que tudo é novo e único.

É bom manter esse ritmo de magia e ilusão realista, enquanto for possível, o mais tempo possível.
É bom acreditar que até num circo, os artistas cheios de lantejoulas dançam no ar sem cair (na maior parte das vezes, não caiem), brilhando por muito tempo sob a luzes da tenda, na ponta do trapézio, ao sabor da corda que balança, mas os traz de volta em segurança. 
E se um dia deixarem de dançar sobre a corda é por velhice e cansaço, mas poderão fazê-lo em sonhos de memória do dever e da alegria de o ter feito e bem feito.
Quem ficou na pista ou na bancada e não arriscou o trapézio, nunca pode sentir o mesmo de quem subiu às alturas e viveu a emoção de um voo.
Partiram na aventura da descoberta, montaram um circo brilhante para dois, com ou sem espetadores, pouco importa. O que vale é serem felizes enquanto for verdade o rumo que traçaram.
O que importa mesmo é esse rumo seja de convergência para os dois, num mesmo sentido de verdade.

Estar atento para que que não haja uma cilada à espreita atrás de um carvalho ou de um abeto, na montanha verde deste Inverno com sabor a Primavera. 

Ter tino e segurança na certeza de que as intenções são as melhores. Esperar que não haja desvios da rota, praticados pelo diabo do costume,o qual tem a forma que todos sabemos...

Avaliar que não haverá desvio de bens e de ilusões, quebrando a fé e roubando a alma que ia dentro da carteira, nem a materialidade que sustentará a vida e a velhice. 

Que todo este novo rumo seja bom e feliz, com pequenas pedras que não atrapalhem a caminhada no meio dos vales e das serras  onde se encontram as raízes e que, no mar bravo e belo,  se refresquem as alegrias lúdicas de uma nova tribo.

Do passado que se preserve tão só o que vale a pena - a prole e a felicidade que transporta, o sinal de que mesmo os maus momentos foram um cimento de experiência e de vida gerada, que dá solidez a um novo rumo. 

Quem aprendeu a caminhar difícil, com sustos e suspeições, com tristezas e depressões, mas com amor vivido e verdadeiro no baú, está certamente muito melhor habilitado a experimentar um mundo novo e melhor. Conhece a diferença e aprecia a mudança.

Sabe que pode partir e levar na mala o que na vida anterior reuniu de bom.
Se do passado nada houver, restam os filhos, porque esses são presente. 
E com a mala bem feita, cheia de coisas que vale a pena transportar se fará uma vida nova - amigos, família e amores diferentes - tão renovadora e promissora.

Haverá a certeza de que depois de um pôr do sol escurecido, um novo dia despontará num recomeço feliz. Quer o dia acorde nevoento como uma manhã de jagozes, quer ensolarado como na Costa do Sol, é um novo dia... e isso basta.
Novo, com ternura e calor, sem nada na manga, sem enganos, nem estratégias ou premiditações, sem interesses materiais, cada um levando na mala apenas afetos,  compromissos leves e doces, com verdade.

A isto se chama felicidade... a qual não existe, mas pode haver momentos felizes.
convém agarrar todos esses momentos - nunca se deve perder uma oportunidade que apareça - agarrá-los, abraçá-los sem largar, fundir os corpos nessa ilusão a que se chama amor, que existe mesmo, apesar de todos sabermos que é uma construção humana e mental. 

O homem é um ser prodigioso que tudo constrói, desde pontes e estradas a caminhos mentais para um novo rumo de afecto.

Que quem vem, venha por bem!


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