segunda-feira, 1 de julho de 2019

É Para Ti Que Eu Escrevo...


É para ti que eu escrevo.


Para ti que não sei quem és, que te pressinto algures por aí, escutando o som torpe de uma alma entorpecida pela sua própria ronquidão interior.

É para ti que não conheço, que eu debito estúpidas palavras de amor sem sentido nem destinatário, rudes desabafos de aborrecimento, raivas de desamor, queixas de solidão, alegrias de pequenos nadas ou de grandes amizades.

Sim, era contigo, aquele para quem escrevo tudo isto, era mesmo contigo que eu queria estar, ter-te aqui e agora... para lermos os dois, em conjunto, o que tenho para dizer e não sei escrever.

É para ti que eu escrevo - mal e atabalhoadamente - aquilo que não sei o que é, que nem sei dizer, nem contar, porque não existe fora de mim...

É para ti que não existes e que, se calhar nunca irás existir. Para ti, aquele que eu gostaria que houvesse fora de mim, aquele que invento porque não vejo, nem tenho, nem toco... mas a quem escrevo. 
Escrevo, escrevo indefinadamente sobre temas vários, a carta que te é destinada, que nunca lerás porque nem sabes que é para ti...
Escrevo a carta invisível que contém as mais importantes palavras do mundo, aquelas que exprimem tudo o que sinto e sei que te pode tocar.
Tu, alma insensível. Tu que não existes porque não me entendes. Tu que não lês as minhas cartas, os meus poemas sem poesia, os meus textos cheios de palavras inutéis, tropegas frases que não chegam ao céu, nem ao outro... que navegam no espaço virtual, congestionado do ruído das palavras escritas, ditas ou cantadas, nesse espaço onde a gente flutuante da "rede" tropeça sem querer.
É nessa nuvem anónima de pessoas comuns que tu te encontras e é lá que eu quero ser lida. 

Aí, nesse mar azul feito de gotas de água brancas, translúcidas gotas milimetricamente iguais que se podem transformar em coisa diferente -  num turbilhão revolto ou num calmo lago... aí, nesse mar, há palavras à espera de serem pescadas.


Mas terás de mergulhar porque as palavras boas, as importantes, não vêm ter contigo à superfície, não beijam docemente os teus pés molhados na beira-mar. Há que ir mais fundo porque é aí que elas dormem na escuridão fria dos oceanos, nas grutas submersas e desconhecidas, no assustador fundo dos animais mitológicos, dos monstros marinhos, da liquidez opaca do mar profundo. Aí estarei eu à espera que descubram as minhas palavras, aquelas mesmo que te são destinadas... e não encontrarás.
Porque os pescadores de pérolas são tão raros quanto as ditas.
Nem a poesia canhota é uma perola, nem tu és um peixe de águas profundas. Nem és peixe nem és nada, simplesmente porque não existes... o que torna tudo muito mais fácil e menos dramático...
Acabou-se... o mar fecha-se e eu vou para casa, vou até para uma alegre praia apanhar conchinhas... bonitinhas... dessas que existem mesmo e são tão alegres e fáceis. Aquelas conchinhas com que se pode conversar... que não sofrem os arrebates das marés, nem os sustos dos maremotos, que simplesmente sorriem quando uma menina pequena lhes pega e as traz para casa...

Enquanto tudo for a espuma da maré numa praia de um dia de Verão, enquanto a onda não nos arrebatar para o fundo de onde não se sai... gozemos o dia, o sol, a falta de ti, o lugar do outro, o outro no teu lugar (que não existe porque tu também não existes e se existisses não lançavas a âncora para fundear na minha praia).
Assim é tão mais fácil escrever, sabendo que não há quem leia!

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