quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Velhice

 


A velhice é o lugar onde é proibido viver. É o fim! Um fim, onde ainda não se morreu fisicamente mas onde desapareceu o chão e onde tudo o que resta se esfumou, não existe, não acontece…como se essa pessoa nunca tivesse acontecido. Como se quem a conheceu e amou em novo, tivesse perdido a memória e tivesse arrumado o ex-jovem no baú das recordações perdidas. Mesmo que o “velho” ainda seja novo, passou de gente digna a repudiado… desaparecido.

Proibido de viver. 

Não há vida, para um velho renegado assim, ela é-nos negada na sua plenitude e apenas nos é permitido um simulacro de respiração, que a custo e com a benevolência social nos deixa sobreviver, ser infelizes e pairar por aqui. Aceitam-nos desde que sejamos uns seres silenciosos, mais ou menos saudáveis e pouco perturbadores da ordem universal.

Circulamos (com mais ou menos bengala) mas caladinhos e seguindo uma cartilha de direitos e de liberdades altamente restringida... 

A velhice é o lugar da indignidade, da falta de respeito dos outros por nós, da nossa invisibilidade por sermos inúteis aos olhos da sociedade e dos amigos/amantes, por sermos feios, porcos e maus. Mesmo tendo um coração de ouro e uma capacidade de amar luminosa.

Contudo, passamos inopinadamente de seres humanos a sub-humanos, sem perceber como aconteceu e sem que possamos fazer nada para mudar isso. 

A capacidade de afirmação de que não nos sentimos nem gostamos de ser velhos, é objeto de risota.

A velhice não está dentro de nós, se formos sãos física e mentalmente. Está no olhar dos outros, espelho indispensável à nossa sobrevivência.

Espelho esse que nos diz, todos os dias, que não temos o direito de ser felizes. Temos mesmo é que nos conformar com o que temos, aceitar o destino, deitar fora todas as conquistas de uma vida de esforço , trabalho e dedicação ao próximo, baixar os braços à vida e entender que a infelicidade viva é uma boa prenda, a única que merecemos. A única a que temos direito. 

A velhice pode acontecer em qualquer altura da idade adulta. Talvez as crianças e os jovens escapem… não por uma questão de terem menos idade mas porque a sua vivência cronológica - tão curta - as impede de saber o que isso significa de verdade, e assim as afasta da vivência de tal desidrato. E têm a ilusão da felicidade.

Mas quem tem mais conhecimento das curvas da vida, sabe que a velhice é o lugar terrível. 

Um lugar onde jamais se poderá sonhar com a felicidade!

Quem para lá é empurrado, por desamor, fatalidade, doença ou solidão , raramente sai. 

A saída mais comum é a depressão   que, com o tempo, vira demência.

Que mais não é que uma fuga para a frente. Ser maluco dá muito jeito, é um rótulo que dá descanso à família e à comunidade mais próxima. Porque se um jovem-velho ou um velho-jovem “pirar da moleirinha”ninguém se sente culpado. Dirão: a culpa é dele, velho palerma e chato, Não percebem que a tontice é raiva e o mau feitio é sinal da revolta interior, de quem quer muito amar e a quem lhe é negado o direito de ser gente de corpo e alma inteiros. 

É a raiva por lhe dizerem na cara que não presta - por o manifestam sem vergonha, nem cautela. É o asco que se sente quando lhe dizem com palavras e atos, que já não serve para receber um beijo ou um abraço. E fazem-no, sem pensar na dor causada, sem ver quanto magoa saber que se perdeu o sex-appeal e que, sem isso, o velho perdeu o seu lugar no mundo. Deixou de ser gente.

Cai no inferno, passa a ser um corpo em chamas de vida transmutada em morte, em chamas que ardem e ninguém apaga. Cumpre uma pena infernal sem ter praticado nenhum crime. 

E estranhamente ainda existem alguns que ardem noutro fogo, nas chamas doces da paixão, esses não se queimam, nem morrem… vivem um calor doce na mansidão de um fim de vida feliz. Felizes desses poucos, que podem  viver nesse oásis. 

Inferno rima com inverno. 

E ao entrar no Inverno da vida, percebo que depois não mais haverá Primavera. 

Velhice é o lugar onde moram as pessoas mal amadas, as que envelhecem porque ninguém as ama, porque se tornaram incapazes de transformar a energia vital dos afectos num lugar doce para viver e amar. 

Porque são injustamente apelidados de velhos, quando os seus amores - família, amigos, amantes, quem era importante nas suas vidas os classificou de estropiados sexuais. Aí caíram no poço da mais reles categoria humana, no fundo escuro da auto estima perdida, dos seres desprezíveis e desprezados. 

Um velho - assim mal tratado - é visto como se não tivesse corpo, nem sexo, nem desejos, nem necessidade de carinho, nem alma, nem afecto para dar e receber. 

Para os outros, é apenas um invólucro encarquilhado, handicapé da sua libido (ou da alheia), repudiado que nem leproso, contudo é um invólucro onde se escondem os desejos e a beleza de amor refinado e sábio, que a vida lhe deu e os outros lhe negaram.




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