É Inverno, o vento transporta nuvens de angústia, relâmpagos de raiva, chuvas de lágrimas. É a natureza das coisas, culpa do anticiclone (não o dos Açores) mas aquele que habita dentro de tantos de nós. E chamamos de depressão a este vendaval de altas e baixas pressões.
Mais um Inverno, mais um período de inferno se avizinha. Um inverno de choro, tristeza, dúvidas e insônias … um Inverno-inferno que se prolongará pelo Verão. Adoçado, talvez, por uns brilhos de sol e muitas caixas de Lexotan.
(Para quem não sabe são umas caixas de beijos que se vendem na farmácia).
Quando há sol, tudo parece melhorar, a gente engana-se (ou faz de conta), mente a si própria… e começa a pensar em viagens, fins de semana com quem mais gosta e outras pequenas alegrias. Que muitas vezes falham.
Pensa-se em abraços queridos, em praias quentes, em noites escaldantes … em falhando, há Bromalex que também se vende em caixas na farmácia.
Não vale a pena ter Fé, porque a Esperança é falível e a Caridade um bem escasso.
Não vale a pena acreditar nestes três pilares cristãos para encontrar um sentido para a vida ou um caminho para a felicidade.
É tudo uma nuvem de mentiras, conscientemente contadas para engano próprio.
Contudo, agarramo-nos à Fé na salvação da alma, como se uma alma se pudesse lavar com Omo, cremos nos acontecimentos felizes que estão para vir, pensando que merecemos algo de bom - da sorte grande ao Euromilhões, do aumento de salário a uma casa nova - e tendemos a acreditar na bondade humana.
Mantemos a Esperança nos dias de sol, que tomarão o lugar do Inverno-Inferno do nosso descontentamento. Se essas esperanças falharem, então, corajosamente iremos reformular a trajetória e substituir o fracasso por outra coisa: mais uma caixa de pastilhas rosa, um bebê nos braços, uma tela e tintas para pintar, uns amigos às vezes…
Mas isso não é Verão a sério - é apenas uma névoa para esconder o Inverno-inferno que a velhice não arreda.
No Inverno, sente-se mais o frio das relações de afecto ou de amor, tudo se mostra mais cru, gelidamente real, ficamos mais próximo do tempo exterior… haverá maior semelhança entre o que sentimos e o que vemos, dentro e fora de nós. Tudo frio, deslaçado…
Um bloco de gelo é transparente, vê-se tudo, é real!
O sol, de tão brilhante, obscurece o olhar e cega!
Neste Inverno, cada vez mais próximo do frio final, a tristeza e a permanente insatisfação continuam latentes.
Fraco lenitivo é dar um pouco de amor, de afago ou de conforto a quem o aceita, crianças e carentes materiais.
Tudo o resto é nada! Não havendo quem aceite uma dádiva de amor graciosa, não havendo retorno desse desejo, não existindo quem saiba ouvir, compreender, agasalhar com gosto, ou se preocupar com a felicidade alheia … nada mais importa.
Saúde, casa, família, dinheiro e alguns amigos, são fancaria. É preciso algo sólido, como o ouro! Todos merecemos mais!
Só os bons sentimentos, a sua partilha, a cumplicidade e intimidade valem a pena. E dão sentido à vida.
E o inverno ainda será mais inferno se não houver liberdade. Liberdade para não fazer nada, para manter a dignidade de não trabalhar em prol dos outros, de amar quem não nos ama, de não ajudar quem precisa e merece … mas não apetece.
Liberdade de dormir o dia todo, ou só uma parte … sem horas… sem comida … e até liberdade de ir dormir e não acordar mais, se for essa a solução.
Não é boa solução, eu sei! Desaparecer da face da terra não incomodaria ninguém e alguns até ficariam contentes. Enquanto puder, ao menos assistirei, a rir, à desilusão daqueles que se riem de mim.
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