domingo, 28 de janeiro de 2024

Férias

 


Este ano decidi que vou ter férias... minhas!
Não sei para onde vou (ou se fico), não sei se serão férias acompanhadas ou solitárias, como têm acontecido tantas vezes. No campo, na praia ou em casa. Alguma coisa será... mas serão minhas.

Uma coisa eu vou tentar fazer, com muita força: que não sejam INVERTIDAS como as férias do ano passado, tal como escrevi no post de agosto de 2023.

De abril a outubro passados, construí e desconstruí, numa base de programação ativa e feliz, um plano de férias. Programação que envolvia cedências e acertos de datas entre muitos, soluções partilhadas com alegria, decididas e acordadas a bem, com mapas desenhados, roteiros estudados e confirmados... 

Até houve hoteis marcados e desmarcados (um já não devolveu a reserva), mas os planos  que pareciam "firmes" e consensuais, foram paulatinamente falhando, os destinos caindo uns atrás de outros, invertida a marcha porque outras marchantes encontram melhores rumos.

Decididamente, não tenho jeito para agência de viagens. 

E quanto a companhias, as desilusões foram várias, as faltas de respeito (da própria familia), as diferenças  "culturais" desagradáveis... podem simplesmente resultar numa transmutação de dondoca em faxineira... Tão fácil! 

E as melhores das intenções viram chatices, férias que não programei, não desejei e não foram boas para ninguém. Tudo um frete. Um cabaz de fretes! Férias ou são boas ou é melhor desistir.

Este ano vou desistir de encantar os outros - aqueles de quem gosto - vou capacitar-me de que não sou capaz de lhes dar o prazer da minha maravilhosa companhia, num destino espampanante!

Não vou fazer absolutamente nada para inventar uma viagem entusiasmente e gratificante para esta Primavera/Verão, para mim e para quem eu gostava de ter próximo. O que tiver que acontecer, acontece.

Se alguém, me desafiar, eu vou...

Se não, fico na cama o dia todo... talvez saia à rua para ver o sol ou tomar um café e voltarei rapidadamente para casa, para esquecer... não pensar em férias, não lembrar que haverá gente na praia, no campo, a sorrir ao sol, a dar beijos ao luar... e ser feliz. Coisas, que por motivos a que sou alheia, me é vedado.

Mas uma coisa é certa, decidi mesmo que não vou passar metade do ano em ânsias, sempre sem saber que viagem vou fazer, que tempos, que destinos e que desejos alheios me saem em sorte.

Vou sentar-me e esperar que a vida passe... 

Talvez o tempo parado, de espera incógnita, me surpreenda e me leve na onda das pessoas humanas (que sorte!)... ou talvez não. 

Talvez eu seja apenas uma pessoa sub-humana.

Amigos dificilmente me querem para férias, sou má agente de viagens. Só tenho ideias triviais e não encontro lugares recônditos, espetaculares, originais, interessantes, simples, baratos, acolhedores e/ou com paisagens românticas...

Julgo que talvez fosse capaz de encontrar locais com graça, mas será que a minha companhia tornaria o mais belo destino num monte de m... , em algo de sensaborão?

O defeito só pode ser meu. Estou disposta a ir a qualquer sítio, desde que a companhia seja agradável e não seja empurrada para o lixo das ultimas opções - dos produtos não vendáveis da pior das agências...

Só peço aos céus que me conceda o dom da Inveja e o dom da Persuasão, para me vingar de quem faz melhor,  de quem saber organizar uma bela viagem de férias e consegue persuadir o/a parceira de que o melhor destino é aquele, de que melhor companhia de viagem é a sua e que sobrevoam em enlevo apaixonado e aventuroso a nuvem de um mundo de encanto único e original.

Um mundo de intimidade, ilusão e paz… em movimento.

Porque o melhor do mundo são as pessoas e logo a seguir as viagens, a busca e a descoberta do próprio mundo na sua diversidade. 


sábado, 27 de janeiro de 2024

Inverno - inferno

É Inverno, o vento transporta nuvens de angústia, relâmpagos de raiva, chuvas de lágrimas. É a natureza das coisas, culpa do anticiclone (não o dos Açores) mas aquele que habita dentro de tantos de nós. E chamamos de depressão a este vendaval de altas e baixas pressões.

Mais um Inverno, mais um período de inferno se avizinha. Um inverno de choro, tristeza, dúvidas e insônias … um Inverno-inferno que se prolongará pelo Verão. Adoçado, talvez, por uns brilhos de sol e muitas caixas de Lexotan.  

(Para quem não sabe são umas caixas de beijos que se vendem na farmácia).

Quando há sol, tudo parece melhorar, a gente engana-se (ou faz de conta), mente a si própria… e começa a pensar em viagens, fins de semana com quem mais gosta e outras pequenas alegrias. Que muitas vezes falham. 

Pensa-se em abraços queridos, em praias quentes, em noites escaldantes … em falhando, há Bromalex que também se vende em caixas na farmácia.

Não vale a pena ter Fé, porque a Esperança é falível e a Caridade um bem escasso. 

Não vale a pena acreditar nestes três pilares cristãos para encontrar um sentido para a vida ou um caminho para a felicidade.

É tudo uma nuvem de mentiras, conscientemente contadas para engano próprio. 

Contudo, agarramo-nos à Fé na salvação da alma, como se uma alma se pudesse lavar com Omo, cremos nos acontecimentos felizes que estão para vir, pensando que merecemos algo de bom - da sorte grande ao Euromilhões, do aumento de salário a uma casa nova - e tendemos a acreditar na bondade humana.  

Mantemos a Esperança nos dias de sol, que tomarão o lugar do Inverno-Inferno do nosso descontentamento. Se essas esperanças falharem, então, corajosamente iremos reformular a trajetória e substituir o fracasso por outra coisa: mais uma caixa de pastilhas rosa, um bebê nos braços, uma tela e tintas para pintar, uns amigos às vezes… 

Mas isso não é Verão a sério - é apenas uma névoa para esconder o Inverno-inferno que a velhice não arreda.

No Inverno, sente-se mais o frio das relações de afecto ou de amor, tudo se mostra mais cru, gelidamente real, ficamos mais próximo do tempo exterior… haverá maior semelhança entre o que sentimos e o que vemos, dentro e fora de nós. Tudo frio, deslaçado…

Um bloco de gelo é transparente, vê-se tudo, é real!

 O sol, de tão brilhante, obscurece o olhar e cega! 

Neste Inverno, cada vez mais próximo do frio final, a tristeza e a permanente insatisfação continuam latentes.

Fraco lenitivo é dar um pouco de amor, de afago ou de conforto a quem o aceita, crianças e carentes materiais. 

Tudo o resto é nada! Não havendo quem aceite uma dádiva de amor graciosa, não havendo retorno desse desejo, não existindo quem saiba ouvir, compreender, agasalhar com gosto, ou se preocupar com a felicidade alheia … nada mais importa.

Saúde, casa, família, dinheiro e alguns amigos, são fancaria. É preciso algo sólido, como o ouro! Todos merecemos mais! 

Só os bons sentimentos, a sua partilha, a cumplicidade e intimidade valem a pena. E dão sentido à vida. 

E o inverno ainda será mais inferno se não houver liberdade. Liberdade para não fazer nada, para manter a dignidade de não trabalhar em prol dos outros, de amar quem não nos ama,  de não ajudar quem precisa e merece … mas não apetece.

Liberdade de dormir o dia todo, ou só uma parte … sem horas… sem comida … e até liberdade de ir dormir e não acordar mais, se for essa a solução.

Não é boa solução, eu sei! Desaparecer da face da terra não incomodaria ninguém e alguns até ficariam contentes. Enquanto puder, ao menos assistirei, a rir, à desilusão daqueles que se riem de mim.

quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Velhice

 


A velhice é o lugar onde é proibido viver. É o fim! Um fim, onde ainda não se morreu fisicamente mas onde desapareceu o chão e onde tudo o que resta se esfumou, não existe, não acontece…como se essa pessoa nunca tivesse acontecido. Como se quem a conheceu e amou em novo, tivesse perdido a memória e tivesse arrumado o ex-jovem no baú das recordações perdidas. Mesmo que o “velho” ainda seja novo, passou de gente digna a repudiado… desaparecido.

Proibido de viver. 

Não há vida, para um velho renegado assim, ela é-nos negada na sua plenitude e apenas nos é permitido um simulacro de respiração, que a custo e com a benevolência social nos deixa sobreviver, ser infelizes e pairar por aqui. Aceitam-nos desde que sejamos uns seres silenciosos, mais ou menos saudáveis e pouco perturbadores da ordem universal.

Circulamos (com mais ou menos bengala) mas caladinhos e seguindo uma cartilha de direitos e de liberdades altamente restringida... 

A velhice é o lugar da indignidade, da falta de respeito dos outros por nós, da nossa invisibilidade por sermos inúteis aos olhos da sociedade e dos amigos/amantes, por sermos feios, porcos e maus. Mesmo tendo um coração de ouro e uma capacidade de amar luminosa.

Contudo, passamos inopinadamente de seres humanos a sub-humanos, sem perceber como aconteceu e sem que possamos fazer nada para mudar isso. 

A capacidade de afirmação de que não nos sentimos nem gostamos de ser velhos, é objeto de risota.

A velhice não está dentro de nós, se formos sãos física e mentalmente. Está no olhar dos outros, espelho indispensável à nossa sobrevivência.

Espelho esse que nos diz, todos os dias, que não temos o direito de ser felizes. Temos mesmo é que nos conformar com o que temos, aceitar o destino, deitar fora todas as conquistas de uma vida de esforço , trabalho e dedicação ao próximo, baixar os braços à vida e entender que a infelicidade viva é uma boa prenda, a única que merecemos. A única a que temos direito. 

A velhice pode acontecer em qualquer altura da idade adulta. Talvez as crianças e os jovens escapem… não por uma questão de terem menos idade mas porque a sua vivência cronológica - tão curta - as impede de saber o que isso significa de verdade, e assim as afasta da vivência de tal desidrato. E têm a ilusão da felicidade.

Mas quem tem mais conhecimento das curvas da vida, sabe que a velhice é o lugar terrível. 

Um lugar onde jamais se poderá sonhar com a felicidade!

Quem para lá é empurrado, por desamor, fatalidade, doença ou solidão , raramente sai. 

A saída mais comum é a depressão   que, com o tempo, vira demência.

Que mais não é que uma fuga para a frente. Ser maluco dá muito jeito, é um rótulo que dá descanso à família e à comunidade mais próxima. Porque se um jovem-velho ou um velho-jovem “pirar da moleirinha”ninguém se sente culpado. Dirão: a culpa é dele, velho palerma e chato, Não percebem que a tontice é raiva e o mau feitio é sinal da revolta interior, de quem quer muito amar e a quem lhe é negado o direito de ser gente de corpo e alma inteiros. 

É a raiva por lhe dizerem na cara que não presta - por o manifestam sem vergonha, nem cautela. É o asco que se sente quando lhe dizem com palavras e atos, que já não serve para receber um beijo ou um abraço. E fazem-no, sem pensar na dor causada, sem ver quanto magoa saber que se perdeu o sex-appeal e que, sem isso, o velho perdeu o seu lugar no mundo. Deixou de ser gente.

Cai no inferno, passa a ser um corpo em chamas de vida transmutada em morte, em chamas que ardem e ninguém apaga. Cumpre uma pena infernal sem ter praticado nenhum crime. 

E estranhamente ainda existem alguns que ardem noutro fogo, nas chamas doces da paixão, esses não se queimam, nem morrem… vivem um calor doce na mansidão de um fim de vida feliz. Felizes desses poucos, que podem  viver nesse oásis. 

Inferno rima com inverno. 

E ao entrar no Inverno da vida, percebo que depois não mais haverá Primavera. 

Velhice é o lugar onde moram as pessoas mal amadas, as que envelhecem porque ninguém as ama, porque se tornaram incapazes de transformar a energia vital dos afectos num lugar doce para viver e amar. 

Porque são injustamente apelidados de velhos, quando os seus amores - família, amigos, amantes, quem era importante nas suas vidas os classificou de estropiados sexuais. Aí caíram no poço da mais reles categoria humana, no fundo escuro da auto estima perdida, dos seres desprezíveis e desprezados. 

Um velho - assim mal tratado - é visto como se não tivesse corpo, nem sexo, nem desejos, nem necessidade de carinho, nem alma, nem afecto para dar e receber. 

Para os outros, é apenas um invólucro encarquilhado, handicapé da sua libido (ou da alheia), repudiado que nem leproso, contudo é um invólucro onde se escondem os desejos e a beleza de amor refinado e sábio, que a vida lhe deu e os outros lhe negaram.