Mudei para este bairro há pouco tempo. É um lugar sossegado, construções maioritariamente novas, quase sem movimento automóvel, rua sem saída e pouco comércio. Boa construção, preço razoável, suposto ambiente classe média pacífica, aparente segurança, escolas para a filha … foi o que nos atraiu para o novo lugar.
Ao fim de alguns dias, a empregada ao estender a roupa, chamou a atenção da minha mulher para o estendal do andar de cima - uma longa fila de chinelos de quarto, daqueles de pano turco como há nos bons hotéis, impecavelmente brancos … que depois de contados e recontados pela Gravelina se conclui serem 40!
40 sapatinhos, 20 pessoas de quarto calçadas, num só dia … que se multiplicaram por semelhante número de pés e de pernas, de braços e abraços, nos dias seguintes.
Atento, mais preocupado do que perplexo, passei a ouvir o som rouco do elevador, desde o fim da tarde pela noite dentro…
Um sobe e desce catita e de curta duração, pensei: pés há certamente, tal como braços … mas talvez sem abraços. Porque um abraço leva tempo e outro pezinho espera a hora de calçar seu chinelinho, branco, lavado … que ali parece ser casa asseada e produtiva.
Sem saber muito bem o que fazer, mas pensado que uma filha pequena em idade escolar merecia o meu cuidado, uma casa com algum decoro, resolvi ir falar com um dos poucos vizinhos que conhecia e sabia ser um chefe da polícia da judiciária com alguma importância. Ele alinhou logo em atacar o assunto com a devida energia policial que a circunstância justificava.
Sugeriu mandar um agente da polícia no dia seguinte, montar rondas… sei lá… divagou sobre estratégias… não era fácil provar uma situação ilegal… no fundo, a casa era particular, as pessoas livres de receber visitas… enfim… complicado. Mas havíamos de fazer qualquer coisa, estava comigo !
Eu disse: deixe lá, eu sou engenheiro eletrotécnico ! Amanhã falamos.
Ele sorriu, irônico…
Saí dali e fui à loja do chinês. Comprei duas câmaras de vídeo vigilância, muito rascas, o mais barato que havia.
Cheguei a casa e montei o escadote no átrio, espalhei o conteúdo da minha caixa de ferramentas, berbequim, martelo, cabos elétricos enrodilhados, chaves disto e daquilo. As pessoas passavam e cumprimentavam, olhavam para o estardalhaço, uma vizinha disse mesmo: Bom dia. Senhor Engenheiro!
A comadre do rés de chão ouviu e perguntou:
- O vizinho é engenheiro?
- Sim, respondi, engenheiro eletrotécnico.
- Ah, muito bem! Tão bem apessoado, só podia … (não percebi qual a relação entre uma coisa e outra, mas sorri).
Acabei de pregar uma das câmaras de vídeo no átrio. Quanto ao fio elétrico enfiei-o à balda no buraco que estava tamponado no alto da parede, nem me dei ao trabalho de concluir a instalação elétrica. Para quem estava de fora não percebia que estava desligado.
Fui à garagem, que tinha também acesso aos andares pelo elevador, e fiz o mesmo - preguei aldrabadamente a câmara do chinês.
Depois fui a casa e terminei a tarefa mais elaborada - própria de um verdadeiro engenheiro (leia-se pessoa com muita criatividade e jeito de mãos, para além de bem apessoado, na opinião da vizinha…) - escrevi, em letras grandes, dois cartazes que colei por baixo das câmaras.
Diziam: Sorria que está a ser filmado ! 😀
A partir desse dia, passei a dormir descansado, o elevador num sossego, o prédio mergulhado num quase silêncio de lugar de boas famílias … sem chinelos no estendal.
Moral da história: um engenheiro eletrotécnico vale mais do que um polícia !
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