quarta-feira, 1 de novembro de 2017

O peso do amor




"(...) farei o possível para não amar demais as pessoas, sobretudo por causa das pessoas. Às vezes o amor que se dá pesa, quase como uma responsabilidade na pessoa que o recebe. Eu tenho essa tendência geral para exagerar, e resolvi tentar não exigir dos outros senão o mínimo. É uma forma de paz..."
Clarice Lispector

Tão verdade! Tão sensato ... e tão difícil de cumprir.
Como se isto do amor fosse uma decisão racional, como se fosse uma coisa que se compra na praça, na dose certa, adequada a cada caso. Como se fosse possível pesar o amor na balança das batatas e pedir ao merceeiro: um pouco menos, por favor, não quero tanto, pode fazer mal ... não quero que os meus mais queridos tenham uma indigestão! 
Não, não é possível regular o amor. Porque ele é algo que nós mesmo inventámos, que criámos para ser grande, excessivo, disparatado e irreal. Por isso, ele tem o tamanho que tem e ponto final. Mas é possível fingir.
Sim, isso é boa ideia - fingir, mentir, reduzir a dimensão do sentimento ao ponto de ninguém o ver ou ver pouco... transformar o amor assim a modos que numa coisa modesta, bem comportada, pacífica, arrumada no seu sítio. Um sorriso em vez de uma gargalhada ruidosa. Um tímido e sossegado esgar, doce, mole, limpinho, jeitoso... que não assuste. Porque um amor gritante e desarrumado é muito assustador. Sobretudo para quem é objeto desse amar tresloucado.
Todos querem paz e desresponsabilidades... 
Ninguém quer suportar o fardo de ser demasiado amado, é uma canseira, um medo, uma prisão. Um coitado, vergado ao peso de um amor em demasia, começa por gostar, depois sente um dever de retribuição que, se não está ao seu alcance, o fará sentir sem jeito, apoucado, em falta. E vai daí, não gosta! Então das duas três: ou foge, ou torna-se mau, ou assobia para o ar fazendo de conta que não sabe que gostam dele. Esses são os espertos, aproveitam o doce maná que lhe é destinado. Esses são os fleumáticos, pragmáticos...sem complicações românticas... saboreiam um pouco do amor que lhes és dado e acreditam que aquilo é tudo.  Fingem aceitar um amor do tamanho certo, que é a justa medida do peso da responsabilidade que aguentam. O peso certo é o que dá liberdade, prazer e não exige muito em troca. 
É melhor assim: um fingindo que tem pouco para dar e o outro aceitando a dose certa ... aquela que coloca o fiel da balança no ponto certo, nem demais, nem de menos. Em paz! Cada um dando o que o outro quer. 
Só um louco apreciaria a loucura de ser objeto de uma paixão desmedida, desequilibrada. A menos que sejam dois, dois a inventar um disparate desmesurado que julgam transcendental, oferta dos deuses... mas que é tão só pura invenção de mentes esquisitas.
Só dois loucos debaixo de uma chuva de estrelas...





1 comentário: