A vida é injusta para com as pessoas “normais”.
Que são a maioria, felizmente!
Apesar de serem uma maioria em regra silenciosa…
São aquelas pessoas que batalham no dia a dia cumprindo discretamente os seus deveres, muitas vezes com esforço e abnegação, porque assim manda a sua consciência. Vivem com cedências constantes, sofrimento, traições, aceitando contrariedades com cara alegre… e desde que as ofensas não ponham em causa a dignidade de cada qual, seguem em frente, sem alarido nem publicidade.
Claro que a fronteira da dignidade aceitável e suportável é difícil de definir; o que para uns é admissível (por exemplo, apanhar pancada do marido), para outros a fasquia da ofensa e da indignidade está muito acima (é o meu caso).
Ser bom para as pessoas de quem se gosta não tem nada de heróico nem de especial. Não é apreciado nem louvado. É normal!
E os “normais” são aqueles a quem não se liga e se diz: vai-te à vida! Tens boas condições para isso, tens pão e tecto, não tens necessidade de amor, nem de compreensão, nem de ajuda ou de solidariedade. Não tens direito a estar doente ou deprimido. Desenrasca-te!
Pelo contrário, os “desfavorecidos” da sorte merecem piedade e apoio. E são logo enquadráveis em situações de dependência que é fácil justificar - os coitadinhos que tudo merecem (pobres, doentes, velhos solitários, desempregados, sem-abrigo, sem
Pátria, malucos, etc). E efetivamente precisam de ajudas, subsídios, legislação adequada, não duvido.
Mas isso não faz deles um grupo nem melhor nem pior do que os outros. São humanos desfavorecidos e devem ser ajudados. Esta condição não lhes deve dar direito à “arrogância da pobreza”.
Enquanto, os ricos e poderosos são objeto de inveja e ódio e desprezo por razões diferentes. Não precisam de ser ajudados mas têm direito a ser olhados com o mesmo respeito que qualquer ser humano. A menos que, na origem da riqueza haja crime… mas a parte criminal não é para aqui chamada. Acontece em qualquer grupo ou local.
O que interessa aqui é o comportamento da sociedade perante as pessoas. Somos todos humanos e todos temos os nossos problemas , defeitos qualidades e direito à vida e à solidariedade coletiva.
Irrita-me o discurso de que os desfavorecidos são todos uns coitadinhos e os ricos uns malandros… e depois há os outros: os Normais, a quem ninguém liga.
Bem-aventurados os pobres de espírito porque será deles o reino dos céus.
Eu dispenso fazer o papel de desgraçadinha, só para aumentar a minha cotação de mercado e cativar a compaixão alheia.
Tal como cultivo a bondade, desprezo a arrogância e não faço alarde das minhas “riquezas” materiais ou espirituais, nem dos meus talentos e desejos mais íntimos.
Resumindo, sou normal e desses não reza a história. E são praticamente invisíveis, mesmo junto de quem lhes é mais próximo.
Sei, há muito, o que valoriza um ser humano, não é nem a riqueza nem a desgraça.
Um ser humano vale por aquilo que é e não por aquilo que faz ou por aquilo que tem (ou não tem).
A trilogia do “ser”, “fazer” e “ter” comanda a sociedade, as pessoas e as organizações, de um modo que considero perversa. Talvez não seja esta a melhor palavra. O que gostaria de expressar é a injustiça que grassa por aí, pela importância a meu ver distorcida daquilo que uma pessoa vale pelo: ser, fazer e ter . Ou não ter, no caso dos desgraçadinhos.
Posso ser mal-amada e mal-fodida, posso ser mal compreendida, posso fazer muitos erros (e certamente os faço) mas nunca porei a culpa nos outros.
A imagem que transmito com os meus atos, o bem ou o mal que faça são da minha exclusiva responsabilidade.
Tal como um chefe é responsável pelos seus subordinados. Eu sou a chefe de mim mesma. Se algo corre mal, é em princípio culpa minha. Falhei e gosto que o digam para poder corrigir.
O facto de falhar e de não conseguir atingir o meu nível de “ ambição” - aquele que os outros me atribuem mas que para mim não é demasiado alto, é normal e justo - não faz de mim uma infeliz, permanentemente insatisfeita.
Faz-me sentir triste e impotente por ter falhado, pode fazer com que me sinta eventualmente deprimida e só, é uma atitude pontual e normal, quando se tem uma desilusão. Mas jamais me sentirei derrotada por não atingir o que quero.
Posso ser chata e reivindicativa - é sinal do meu gosto por querer mais e não um lamento por ter menos e me sentir derrotada.
Não farei parte dos deserdados da sorte, que deixam de lutar.
Não farei parte do contingente das sanguessugas, dos que dependem dos outros para prosseguir as suas vidas à custa alheia, dos que lamentam as suas desgraças pondo a culpa em quem lhes atrapalha o caminho, ou lhes roubou um passado sonhado.
Eu penso pouco no passado e as marcas que eventualmente me deixaram não me angustiam, nem criam sentimentos de vingança, nem condicionam a liberdade e independência, nem me provocam arrependimentos nefastos daquilo que não tive ou já tive mas perdi.
O passado de cada um de nós foi o que foi, passou!
É saudável pensar assim .
Nem todos os sonhos de infância e juventude se realizaram, pois não! Acontece a toda a gente, sobretudo com os mais fantasistas. Mas não é saudável procurar no futuro tapar todos buracos, desgostos ou erros que o passado nos deu.
Numa idade “ já mais para o avançado ”, como a minha, é errado olhar o presente como se fosse a última paragem do caminho de ferro da vida. O lugar onde à pressa tudo de bom tem de acontecer - tipo pudim instantâneo que é preciso fazer porque surgiram visitas inesperadas e não houve tempo de fazer um doce melhor.
É estúpido pensar que é nesta estação que, por milagre, se irão, realizar todos os sonhos por concretizar e emendar todos os erros acumulados. Não há milagres!
Isto sou eu a falar. Porque sou normal.
Tento viver o presente como uma criança que recebe um presente. Gosto da prenda com muita força e quero mais e melhor. Quero agora porque vivo na realidade e não porque o tempo urge e há que recuperar o passado desperdiçado ou mal usado.
Farei tudo para vencer, para ser feliz, para ser “normal”. O poder e o dinheiro em demasia não são objetivos. A riqueza do afecto humano é o mais importante.
O amor é o maior tesouro… sei perfeitamente que nem sempre se encontra, nem todos o conhecem. Fui uma privilegiada neste aspecto, não tenho expetativas de que se repita.
Mas tenho a ambição e o
direito de ser ambiciosa e de querer viver confortavelmente e em paz, num ambiente de afecto, o pouco tempo que me resta. Lutarei para ter amigos bons que gostem de mim e me respeitem. Lutarei contra o ódio, a indiferença e o desprezo, lutarei contra quem me quiser destroçar, evitarei aqueles que não me souberem ouvir com o som do coração.
Não acredito muito na família “pura”. Nem tudo o que vem da família é bom, nem sempre podemos contar com ela. Os membros de uma qualquer família são tão bons ou tão maus como outras pessoas quaisquer. Isso do sangue é uma treta!
Temos deveres legais para com eles, é certo… a nossa sociedade está assim construída… até um dia mudar, como tudo…
Há mosquitos com mais sangue meu do que algumas pessoas da minha família… (gosto de dizer isto para relativizar a preponderância do “império” da família dita normal).
Há amigos e amores mais importantes e não são mosquitos!
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