segunda-feira, 28 de março de 2022

Compassion




Está na diferença, a riqueza do ser humano.

Todos sabemos que todos somos diferentes, que temos direito a isso e que mesmo sem direitos, a realidade é essa, incontornável, absoluta…

Mas por vezes aceitamos mal algumas divergências …

Imperfeitos e humanos, assim somos.

Racionalmente até podemos dizer que a diversidade é coisa boa, fator de crescimento pessoal, de desenvolvimento das sociedades, de incentivo à criatividade, blá blá blá.

Mas lá no fundo, naquela caverna escura do nosso ser, reside o síndrome de querer ao nosso lado alguém igual ou pelo menos parecido conosco. Não exagero a ponto de desejar ou de inventar a fantasia da alma-gêmea ideal.

Ficaria bem contente com uma alminha boa, que partilhasse comigo valores comuns, gostos parecidos … o suficiente para pelo menos ir ao cinema, ler o mesmo livro e falar a mesma língua. Conversar sem tabus sobre temas que à partida correm o risco de “dar para o torto”! Alguém com quem discutir as pequenas diferenças, alegremente, evitando resvalar para o buraco negro das grandes divergências.

Alguém que soubesse transformar diversidade em complementaridade. 

Por exemplo, se um não gosta de fazer sopas mas tem jeito para bolos, e o outro tem o talento para o vice versa, esse é o tipo de diferença que dá um jeitão do caraças!

Apesar desta minha tendência para a tolerância e para a aceitação da diferença em geral, continuo a não engolir todas as diferenças de opinião ou de postura. Porque algumas magoam muito.

Não sou perfeita, eu sei! E sou demasiado sensível…

A minha principal intolerância é a que circula à volta daquele planeta maravilhoso da intimidade. Se não o encontro, fico a pairar no firmamento, qual estrela cadente, planeta em órbita de decomposição … perdida … não aguento a falta de intimidade entre dois seres que partilham parte de uma vida, que merecia maior proximidade afetiva, até quando isso não envolve proximidade geográfica, material ou de opiniões em geral.

A intimidade é um valor maior! Sem ela não se pode construir uma relação afectuosa , amizade sólida, amor!

A reserva de áreas escuras na mente de a quem se quer bem e de quem se espera retorno semelhante é uma ferida terrível. Uma tortura, um dia de chuva, uma tempestade negra  uma caixa de Lexotan inteira!

Uma nódoazita na intimidade é um abismo que se abre, de cada vez que me aproximo para a tentar limpar, corro o risco de deslizar para a queda. 

A intimidade e o afecto mantém-me à tona, permitem andar (qual acrobata) no fio do trapézio sem cair.

E é tão fácil cair neste circo de vida instável, de relações inseguras, de pessoas devoradoras, de máfias arreigadas ao mal ou à extorsão dos bens dos outros. 

A queda faz parte da vida de qualquer artista. Importa saber parar quando as pernas tremem, quando o maquinista de cena se desleixa do seu papel protetor, quando outro bailarino balança o cordel e ameaça desequilibrar o fio da vida … tão frágil quanto fugaz.

Há um baú fechado que tem enegrecido ultimamente…

Lá dentro esconde-se a minha morte? O abanão que me fará perder o equilíbrio e cair em cena … ou talvez cair um pouco mais elegantemente na rede de proteção.

É isso, preciso de trabalhar com rede, sempre, à cautela!

Preciso de sobreviver, tarefa árdua e diária. Criar condições para não me afundar …

Esse baú esconde um tabú. Nem sempre foi assim, dantes a tampa do baú abria-se com naturalidade. Hoje qualquer pergunta sobre o que está dentro do baú-tabú, recebe silêncio como resposta. Silêncio e mais silêncio.

Carradas de cadeados embrulham a matéria secreta (talvez preciosa…) de uma carga que eu pensava trivial.

Não sei o que se passou ou se o fechamento é uma táctica para evitar a minha intromissão naquela parte obscura e paralela, onde eu já habitei.

Não gosto. Magoa! É falta de confiança, de intimidade, é um bloqueio, é ter uma vida partida em dois bocados. O que me obriga a dar metade de mim mesma para equilibrar o retorno que me é possível. Dar meia pessoa, meia alma, doses de indiferença e de frieza, q.b. - é isso que me é pedido? Logo eu que, com a mania das grandezas, dou tudo, exijo tudo!

Quem assiste indiferente ao sofrimento causado por uma vida pobrezinha , preenchida de metadezinhas e migalhinhas, quem fecha metade do baú, dá metade em afecto, em compreensão, em palavras , em gestos … deve ter uma personalidade estranha.

Em vez de estranha e para simplificar, direi diferente! Porque à diferença todos temos direito. 

Será que lhe falta o chip da “compassion”? 

Palavra que não tem tradução direta em português mas que é tão bonita, tão útil à felicidade de todos.

Não é o mesmo que compaixão, nada de parecido. Compaixão é pena (pity), é tratar o outro como coitadinho…

Não é isso que quero! Preciso de mergulhar num mar de afectos azuis, batido por vagas brancas, com espuma de compaisson.

Compassion para com todo o ser humano, dando-lhe a dignidade que merece… em sintonia, compaisson à inglesa, uma aderência ao sentir do outro, uma compreensão amiga, um estar presente por inteiro, um impulso de ajudar por prazer . 

Não é caridade, nem é pena do desgraçadinho. 

É amor. Só porque sim, sem preço, como dádiva de alta rendibilidade. 




sexta-feira, 18 de março de 2022

segunda-feira, 14 de março de 2022

Caminho

 


Mudar de vida, virar a página é das coisas mais difíceis de fazer. 

Porque razão me acontece estar tantas vezes parada no caminho, parada em reflexão ( ou em bloqueio) - caminho esse que aos outros pode parecer simples, confortável e direito - e onde eu vejo pontos de viragem obrigatória? 

Porque sinto com tanta força, em momentos cada vez mais frequentes, que algo me impele para partir para fora de mim?

Procurar, procurar… ou nada fazer e esperar que aconteça…

Mas o quê? O que espero eu?

Não sei o que quero mas sei que algo não está em equilíbrio. Talvez por ambicionar o que está acima das minhas possibilidades reais e atuais. Talvez julgue, arrogantemente, que sou capaz de lá chegar, bastando subir a um banco e olhar para o alto.

Já tentei . Só serve para ver melhor o tecto, branco, quiçá sujo, rachado … um tecto é um limite, é como um muro ao contrário . Impede que se vejam estrelas que se olhe mais longe, corta o sonho antes dele pode voar. O pensamento esbarra no tecto e … boom! Dali não sai nada, morre o desejo , nasce o desgosto . 

Pudera, dentro de casa, dentro de mim mesma não há céu, nem estrelas nem infinito. Dentro de mim esbarro-me inevitavelmente com as minhas condicionantes comezinhas: as rotinas, as obrigações, as pessoas que não me entendem … sobretudo que não me amam. Porque quem ama sem compreender, dá o que de melhor se pode esperar…

A mim não me entendem e não vale a pena tentar explicar porque a ninguém interessa saber quem sou, do que preciso …

Não vale a pena tentar explicar o que me falta, quais as minhas desmesuradas ambições. Chamar-me-iam louca, quero tudo .

Neste sufoco sem acesso a um firmamento mais amplo, nada vejo. O caminho esconde-se adensa-se em floresta intrincada e escura. 

Eu quero um caminho limpo como o da imagem, com água e flores e pessoas que me queiram, me gostem e tenham prazer em seguir em frente, ao meu lado ou à minha frente , em diálogo, em amizade e afectos, admirando as mesmas flores que despontam nas bermas. Alguém que tire o mesmo prazer de descobrir, a dois ou mais, o muito que o mundo nos tem para dar … uma simples flor , a primavera está aí.

Haverá porventura um caminho para mim, mas neste momento não o vislumbro , para onde me vire há encruzilhadas, pontos em que tenho de decidir para onde me voltar… saber o que quero alcançar e saber avaliar o que vou perder com a mudança de rumo.

Neste ponto do caminho, é preciso tomar uma decisão de mudança. 

É uma guerra de mim contra mim mesma, que deixará estilhaços à volta.

Ou talvez não. Se calhar ninguém se importa com o meu destino.

Qualquer que seja o caminho escolhido, quem fica nas margens floridas daquele jardim, sobreviverá bem sem mim, como é normal, ninguém é insubstituível. E quem eu encontrar na nova estrada… logo se vê . Um dia de cada vez.

O que importa é ir perdendo aos poucos a ansiedade, despindo peça por peça estas roupas cheias de mágoas que carrego. Aos poucos ficarei nua e livre… 

Que ideia agradável seria partir ligeira, sem roupas ou amarras pela estrada fora. Voar sem embater no tecto, correr sem esbarrar num muro.

Que ideia desagradável seria partir despida dos afectos e dos elos doces, leve mas sem ninguém que comigo pudesse apreciar o caminho, as flores lindas, os aromas que cantam…

Perder tudo para possivelmente nada encontrar à frente, é um risco.

Branquear a alma para que ela não seja tão ambiciosa, para tentar perder esta mania obsessiva de muito querer, sempre mais alimento espiritual e intelectual, que carecer de doses exorbitantes de amor para não morrer à fome… é um desejo irrealista, bem sei. 

Para os outros é demasiada a minha ambição , eu não mereço sonhar com mais, é suposto ter tudo para suprir a migalha de felicidade que me cabe em sorte. Tenho mais do que o comum dos infelizes humanos que me rodeiam, tive uma boa vida, agora é suposto parar e contentar-me com o silêncio, com o vazio de coração …

Mas ainda sonho continuar caminho fora e encontrar o amor e uma cabana das histórias felizes, sendo que o amor terá de ser grandioso, estonteante e a cabana um simpático T2 mais moderno e mais sólido do que a cabana.


quarta-feira, 2 de março de 2022

Maior do que nós

 


A Natureza - maior  do que nós!

Uma Primavera inopinada: chegou cedo, com surpresa e quase sem água. Afinal o Mundo mexe e avança ... apesar da seca severa, da guerra nascente, da doença má alastrante, apesar de tanta tristeza, de tanta maldade à nossa volta, mesmo assim, as arvores florescem de rosa, o chão, pisado pela minha solidão e choro, continua verde… indiferente ao meu sofrimento, alheado da desgraça dos povos sofredores, das pessoas moribundas e daquelas que para lá caminham. É tudo uma questão de tempo, de muito pouco tempo... vamos todos morrer...

E no entanto, do céu jorra uma luz de esperança, um raio lindo por detrás das nuvens, anunciando um novo dia, que se seguirá a este … tão angustiante.

E no entanto, mesmo sem água, as velhas cepas das melhores castas irão dar fruto e vinho, lá mais para diante, a seu tempo... num tempo em que muitos de nós já não estarão cá para o provar. 

A vida é tão injusta e tão pouco domesticável. A vida de cada um de nós, humildes e frágeis humanos.... porque a mãe natureza, essa mesmo domesticada, orienta-se bem...

Ao homem, ou seja, à mulher em especial (porque os homens têm maiores possibilidades para decidir o seu destino) só lhe resta seguir o rtimo da desgraça (ou da graça) que lhe cabe em sorte. 

Muitas mulheres nunca saberão que há um mundo de oportunidades e de felicidade que lhes assiste. Muitas passarão à face da terra sem nada saberem, para além do conhecimento empírico do nascimento e da morte, da "produção" dos filhos, da força bruta dos seus homens, da luta por comer e dar de comer aos seus, do sofrimento da velhice (sua e alheia) e morrerão sem nada. 

Todos morremos sem nada, aliás. Mas alguns (mais afortunados) vão levar memórias felizes, quiçá grandiosas, deixarão obra feita, um livro de notas onde acumularam amor, conhecimento e dias felizes, colecionarão pessoas, visitarão lugares, escreverão  livros,  inventarão ciência, ajudarão a dar vida ou a apoiar mortes, com conforto e ternura.

Dar amor é talvez a melhor herança que se pode deixar à pequena parcela de humanidade que nos é dado tocar em vida. Uma pequenina parte da humanidade, claro. 

Em geral, cada um de nós limita-se a dar amor à familia próxima, o que não é lá grande coisa! 

É talvez a atividade mais inútil que existe. Porque a família não celebra, não agradece, nem valoriza o bem que lhes é dado. Assumem que é natural. Uma mãe se for boa para os filhos ou para os pais não tem nada de glorioso, nem de heróico. Todos acham que não fez mais do que a sua obrigação. E, como tal, os outros só marcam as falhas, o que correu menos bem, os traumas dos filhos são sempre culpa dos pais (em especial da mãe). A vida em família é um livro de contabilidade que só tem "deve" não tem "haver".

O amor aos outros fora do circulo obrigatório deveria ser mais feliz, mais valorizado, mais livre e descompromeido mas, na prática, constato que também não é. 

Alguns homens não querem, negam o amor e a paz com medo da perda de poder e de suposta “liberdade”. Não podemos generalizar. Há pessoas boas, claro. Mas esta linha de pensamento é muito comum e traz grande infelicidade - confundir liberdade com egoísmo é fácil e é mau. Pensar que se pode vencer estando orgulhosamente só , porque isso evita a dependência é mau . E é estúpido, porque todos precisamos da solidariedade alheia. 

Descartar responsabilidades afetivas em nome da independência e da liberdade, não me parece que dê bom resultado. 

As sociedades humanas crescem tanto mais quanto maior for a solidariedade e entre ajuda forem possíveis e valorizáveis. 

As relações humanas - a uma escala mais restrita - melhoram sempre que a intimidade, a lealdade, a confiança são vistas como um valor. 

O princípio do “Cada um por si” não é uma solução saudável a prazo; pode dar uma ilusão de liberdade a quem o defende (supostamente o mais forte) mas um dia todos precisaremos de ajuda. A dependência afetiva ou mesmo física que um dia chegará,  com a mansidão com que cai a noite, talvez faça mudar de ideias, a esses “heróis” do orgulhosamente sós! 

Pode ser que um dia, esses empedernidos defensores da liberdade solitária percebam o valor dos amigos, da ternura e da generosidade do amor, 

A sociedade tende a criar relações doentias e complexas. Está tudo organizado para que a infelicidade dos homens, a maldade e a guerra prevaleçam sobre o bem.

Só a Natureza continua o seu espantoso caminho de flores cor de rosa e brancas, sem se perceber porquê, mas ainda bem que assim é. 

Ao fundo do caminho verde uma charca que contraria a falta de agua e que é tao util aos campos como aos homens.

A água é uma atração de vida e de fim. A água meio turva da charca resolveria tanta coisa. Basta pensar em Virginia Wolf, duas pedras em cada bolso e avançar lentamente pela charca dentro. Morre-se depressa, 2 minhtos é o máximo que se aguenta sem respirar e ainda se dá de comer aos peixinhos - a Natureza agradece.