terça-feira, 20 de abril de 2021

Naïf


 Naïf, assim contado em inglês soa mais chique.
Para disfarçar, resolvo auto intitular-me de naïf. 
Parece-me melhor do que definir-me como tolinha, ingênua, patega, bimba ou mesmo ligeiramente mentecapta. 

Biblicamente, dir-se-ia pobre de espírito... e será dela o reino dos céus... LOL.

Ora eu não ambiciono nem acredito nesse céu transcendente e eterno, visto como destino futuro, para além da vida. Sou terrena.

Queria ter um céu, sim, mas aqui e agora, o que não está fácil. Queria muita coisa, eu sei, sou uma falhada, esforçada sem sucesso. Apesar de tudo, tenho pequenos talentos diversos e simples; sei e gosto de trabalhar, (ou sabia), pinto, escrevo, bordo e tricoto, cozinho comida honesta e simples de mãe de família, e sobretudo sei amar como deve ser - e gosto muito! Tento ser boa, agradar ao próximo... mas não consigo ser plenamente feliz e rodear os outros de alegria . Não consigo partilhar o bem que fervilha e transborda de dentro de mim. Se houvera quem o aceitasse, quem o daria era eu.

O problema é a minha falta de jeito para viver, para me divertir, para pensar em mim. Sou tosca, desastrada nestas coisas do saber-viver, sou trôpega quando se trata de caminhar segura na estrada certa, sou cega e não vejo como agarrar as oportunidades boas que me têm passado tão perto. 

Completamente naïf e baldas, com tendência para a anarquia do “deixa -andar”. 

Nunca forço, nunca busco o amor, deixo-me ficar sentada, parada, quieta e calada porque sei que o importante é o que eu sou e não o que faço. Mais logo, alguém verá a pérola dentro da concha e abrirá uma prenda de amor que está para quem a merecer. Basta esperar e acontecer. E tem acontecido... sem truques da minha parte... naturalmente ... 

Sei o que valho, sei que tenho uma capacidade imensa para amar, para me dar, para me entregar com força e paixão a quem gosto ou aos projetos que me empolgam. Sei que essa força e energia vêem de dentro, e que  há uma luz que a reflete para o exterior. Tipo farol escondido que só alumia e atinge aqueles que me vêem ou que me amam com olhos de ver , com coração de sentir.

Por isso, não preciso de fazer nada, fico quieta e espero que quem interessa dê por mim. Porque se me olharem bem, tal como eu sou, verdadeira, automaticamente serão fulminados pelo tal raio que emito sem saber. Não preciso de montar estratégias de conquista,  nem maquilhar o corpo ou a alma... basta-me ser eu. É assim que gosto de ser , é assim que gosto que os outros me vejam - nua, verdadeira, cheia de defeitos, cheia de qualidades, cheia de sorrisos , de solidariedade  de gosto por amar e de ajudar amigos... pronta a dar tudo (mesmo que o tudo seja demais para quem recebe), pronta a partir e a mudar o rumo da minha vida, a bem da liberdade ou de um melhor destino, sem olhar para o que perco . Porque uma mudança implica sempre perdas... algo fica para trás e não se recupera...

Mas sou assim tolamente ingênua ... em especial no amor. Desprendida das consequências materiais dos meus actos, foco-me no essencial - e o essencial é o Amor. A única coisa que interessa e que gostaria de preservar, sem truques de dominação, sem estratégias para arrasar a concorrência, sem lutas pelo poder. Ganhar o amor por mérito próprio, sem ter de o roubar a ninguém. 

Nunca optei pelo caminho fácil. Escolhi vários caminhos, tinha auto-estradas razoáveis à minha frente, mas a tendência de uma naif é escolher o caminho das pedras, onde tropecei e me levantei, onde continuo a sofrer acidentes... alguns graves ..  alguns já me deixaram na valeta, moribunda, há uns anos. Mas renasci , passantes carinhosos levantaram-me e deram-me colo, por uns tempos. A convalescença com amizade ... deu-me nova vida. Hoje ainda tropeço mas estou mais preparada, menos ingênua, com mais skills de sobrevivência para enfrentar as perdas desta vida. 

Mesmo assim, continuo naif ,  não luto nem me defendo, não me esforço por definir uma estratégia de ataque aos inimigos ... sei que existem e não faço nada para suplantar as dificuldades, sou parva, portanto. Jogo limpo, num mundo sujo!

Sei dos engulhos que me espreitam, nas curvas do caminho, nos esconsos sombrios, sei que os golpes sujos não acontecem por acaso, só eu e o inimigo os conhecem... mesmo assim fico parada.

Permaneço eu - Palerma,  sem armas, sem guerras, queimando as dores no lume brando das drogas leves, escondendo as lágrimas na solidão, largando a raiva nos dias difíceis ... o que só piora a situação.

O mundo artificial e fútil em que vivemos só admite gente alegre, bonita, amorosa, com um sorriso feliz que sirva de maquilhagem à miséria humana que cada um de nós comporta. 

O que os outros esperam de nós, aquilo de que mais gostam é de teatro, daquele que faça rir, que acarinhe , que faça de conta que a bondade existe e a mentira não. 

Em especial, as almas simples  como as crianças querem palhaços porque estes sorriem sempre e contam histórias maravilhosas . Não interessa que esse palhaço - que lhes alegra o tempo livre - seja um ser humano sofredor e pobre. Se está ali é para o serviço de dar prazer ... não querem saber da dor escondida do palhaco-homem.. porque a dor é porca é humilhante. 

E eu vou tentar deixar de ser tão Naif, assim só tenho a perder... vou carregar no sorriso como o palhaço carrega no batom, vou pintar as unhas com a alegria da ligeira futilidade divertida, vou passear à beira mar de mãos  dadas, na ilusão de um filme de Hollywood, vou conversar de alegrias e de sonhos irrealizáveis, vou idealizar viagens, vou vestir e despir a melhor lingerie, ficar nua e fazer a melhor pirueta de circo, dar ao sexo o lugar do pódio, meter a língua bem fundo na alma impedernida, levar ao céu a avioneta estacionada no hangar, passear no balão mais colorido que houver ... para voar... para voar... bem alto..  e descer à terra, para descansar na paz de um aconchego pleno de sentimento puro... natural e limpo, como devem ser os sentimentos bons.

Num aconchego sem futuro, vivido num presente radioso, de intimidade total. 

Se a guerra não voltar, ficarei bem assim, em paz... 

Mas se o regresso apoteótico das forças poderosas da ambição voltarem, eu pobre naïf , sucumbirei, porque não sei defender -me.

A minha única arma sou Eu - nua e crua, ao natural, apenas vestida de flores e de afectos, prontos a ser desfolhados.


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