sábado, 24 de abril de 2021

Gaiola Aberta


Custa-me ser acusada de carcereira! De ter aprisionado o meu pássaro favorito numa gaiola e de a ter fechado à chave. Privando-o da liberdade e impedindo que porta esteja sempre aberta para que, por ela, possam entrar e aí pousar todos os pássaros, que se sentirem  lá bem e que ele estima. 

Eu que tanto prezo a minha liberdade, acho isso de uma injustiça atroz. Eu que tenho dado espaço de tolerância, para além do que seria razoável para a maioria das pessoas, eu que troquei conforto por liberdade. Eu que podia gozar a estabilidade de um casamento equilibrado e que tinha uma gaiola confortável... e, no entanto, saí e mudei de rumo, em prol de um espaço mais amplo de liberdade, sou a prova viva de quanto prezo e de quanto  respeito a liberdade - a minha, a dos outros e, também, nas relações que estabeleço com eles.

Se o outro for alguém que eu amo, mais fácil é alegrar-me com o seu voo livre e feliz, com um entrar e sair da gaiola sem entraves, em transparência e de porta aberta.

No entanto, é justo esperar que a livre escolha de entrar na tal gaiola, de portas sempre abertas, seja algo que flui nos dois sentidos. Ele é livre de acolher as aves de arribação que passam e exigem franquia pronta. Eu sou livre (gostava de o ser!) para entrar, sem complexos nem entraves. Quando a porta está aberta, estimo ser bem acolhida.

Só que, neste momento, não é assim: a liberdade mútua está em risco, porque há ameças na tranca da gaiola, o retorno de uma ave de arribação antiga, que parece ter vindo para ficar, está a fechar a grade que o isolará  do mundo (mais do que uma ameaça imaginada, é um real travão à vida franca e aberta na gaiola).

Foi um avanço inesperado, uma reentrada triunfal que tem por objetivo viver ao máximo dentro das grades seguras e encerradas da gaiola... se possível nunca abrindo a porta... porque o seu pássaro encantado tem de ser embruxado ou preso. Não há outra hipótese, pois ele já demonstrou que é fugidio e, como é sabido, à sua volta cirandam outras asas.

Faço parte dessa turma voadora, flutuante... que passa e gosta de pousar. Sem nunca fechar a porta... consciente de que posso ser forçada a partir, a qualquer momento. Não gostaria de partir empurrada à força para fora da gaiola, não nego que apesar de reconhecer que aquele lugar não é meu, permanente (nem quero!), eu gostava de "estar quando estou". 

"Estar quando estou" é um conceito importante! Parece um pleonasmo, mas não é... Pode-se estar num lugar ou com uma pessoa, como se não se estivesse lá, como se eu não existisse, como se não me vissem. Há muitas maneiras de estar. Infelizmente, às vezes, estou fisicamente num sítio e sinto-me longe ... olho no espelho e ele não me devolve a imagem (serei fantasma?), falo e não me respondem, beijo e não me aquecem, cheiro e encontro um podre aroma a miséria... afetiva, (des)umana...

A gaiola pode ser um lugar estranho, mas tem porta de fácil abertura, não tem de ser uma prisão.

A liberdade preza-se, cultiva-se, inventa-se, a cada passo... não é um conceito absoluto. Se a virmos de forma absoluta, então sim, só é verdadeiramente livre um eremita -  aquele que não cria laços de dependência, de companheirismo, quem não gosta de fazer e de dar amor.

Fazer amor, com a plenitude que eu gosto, mereço e de que não abdico, é um ato que exige compromisso. Não há Amor sem compromisso, sem entrega, sem fusão de corpos e de pensamentos, sem cedências e ajustamentos triviais, de parte a parte... sem pequenas coisas que nos tornam menos livres mas não comprometem necessariamente a Grande Liberdade fundamental, Compromissos deste tipo não os sinto como perda de liberdade e não nos torna menos dignos por isso.

Eu sou livre porque posso dar o meu corpo e coração a quem prezo, respeito e admiro... sem largar mão da liberdade que também me é cara. Amar não é uma perda, é um ganho!

Não estou presa na sua (dele) gaiola. Mas ele sente que o prendi... demasiado, porque me revelo “dependente” (lol)!!!

Posso é estar presa dentro de mim, fico bloqueada e triste ... quando pressinto que sou vista como uma pesssoa acusada sem justa causa por coisas insignificantes... como, por exemplo, dar um beijo inopinadamente. Pedir um beijo, um abraço, ou chorar num ombro amigo é humano. Não é roubar a liberdade de ninguém!

Claro que um envolvimento amoroso autêntico, sobretudo, se for de longa duração, se torna sério e começa a parecer-se com compromisso, o que não é crime, nem necessariamente mau. Involuntariamente, criam-se raizes que prendem e podem ser lidas como perda de liberdade. No entanto, é uma "perda" transitória que traz grandes compensações - a intimidade e a cumplicidade que se ganham, nos momentos a dois, valem bem o "prejuízo" de uma solidão independente. E depois, tudo é transitório, temporário - quer a liberdade, quer os breves momentos da sua perda. Seria um assunto simples e ultrapassável, se houvesse diálogo, compreensão e jogo limpo.

Todos os compromissos tal como os contratos têm um fim, podem ser denunciados ... não são uma prisão perpétua. Nem num casamento, quanto mais numa relação ad-hoc.

Verifico, com pena, que esse peso e esse medo do “compromisso-dependente”, nem sempre é visto como ameaça. Há quem venha para a gaiola com uma cartilha estudada, com programa politico, com objetivos a prazo... fingindo leveza e inocência, pode ser uma ameaça à liberdade, mas disfarça bem, consegue prender sem mostrar as algemas. Perde a cueca mas a algema fica, invisível e forte...

Depois há os naif como eu, que passam por aquilo que não são. Mesmo com dois pares de cuecas vestidas, são potencialmente perigosas... um susto, certamente alguém que traz uma pistola escondida dentro do cinto de castidade.

Não espero nada, não exijo compromisso, basta-me amor, carinho e liberdade para exprimir os meus sentimentos, mesmo quando eles envolvem algum comprometlimento.

Poderia  ser tão simples, marcar encontros sem drama, prazenteiros e consensuais. Seria tão bom, poder saltar ao pescoço quando apetece, sem ser vista como uma ameaca!

Se for eu a avançar com iniciativas amorosas, esbarro no medo do compromisso. Medo esse que advém de um trauma passado. Eu nada tenho nada a ver com isso, nem posso ser comparada com a carcereira que durante anos o fez cumprir injusta pena de prisão. Eu pugno por uma politica de gaiola aberta e do respeito mútuo, por um modelo que permita entrar e sair da gaiola - que seja ajustável e livre, que seja confortável para os dois, em que a vontade de estar juntos não esbarre em mentiras, omissões ou encapotadas manipulações.

Há uma ameaça à liberfade, sim, mas não sou eu a causa, não sou eu que sorrindo e negando, fingindo carinho e otimismo, militando num teatro de fantasia, bem encenada... vem no intuito de confirmar sinais de esperança, comprovar que terá lugar na gaiola. Alguém que começa por vir comer as migalhas que escorrem por entre as grades e que se alimenta de fantasias mais grandiosas. Que espera o momento em que o pássaro “supostamente residente”, se vai fartar e fugir. Voar para longe e não voltar.

Fazer amor é um ato de entrega mútua, uma lição de partilha e solidariedade, estamos ali no leito ou no chão para dizer, sem palavras, o que somos, o que gostamos e o que não queremos.

Naqueles breves instantes em que o amor carnal acontece, passa-se muito mais do que isso... fica a memória, a vivência boa, a intimidade ... tudo aquilo que vai para além do desejo que se esgota, fica a vontade da sua renovação futura, fica o elo que nos torna mais coesos. Esquece-se o resto... se somos 3, naquele momento só estamos 2, espaço único de confirmação de liberdade e cumplicidade a dois ...

Eu, quando me entregava, ia sem truques de dominação, ia livre e branca, orgasmo ao longe, sem que fosse esse o objetivo...

Ia pelo prazer único que é a intimidade. Ia, mas já não vou!

Agora sei que deixando de lado essa entrega física, genuína e gratuita, posso estar a perder-me e a fazer com que o interesse por mim desapareça. Porque um homem é homem. E se tiver uma puta que lhe abra as pernas a troco de contrapartidas, não olha a meios ou consequências ... e larga o resto.  Até se esquece que uma queca é um compromisso  bem grande, sobretudo se for repetido e antigo. E não há almoços gratis! Quem hoje se oferece e sai eufórica, na expetativa de que, no futuro, os laços desta relação romântica se transformem em nós. 

E que se transformem em casa, reforma, em apoio solidário e em valorização social.  O assediado cego está em perigo de perder graus de liberdade,  porque o fim que o espera será o fechar da gaiola, onde ficará refém de um carinho interessado. Alvo de discretos roubos de liberdade, travestidos de doçura inocente, suavemente estimulado numa libido renovada, pensa estar numa gaiola de porta aberta, não acautela que poderá virar prisão.


quarta-feira, 21 de abril de 2021

Downgrading


 Ninguém gosta de perder! Hoje perdi quase tudo. Morri, qual borboleta, outrora esvoaçante e feliz, desejada e gostada, acabou o seu voo estatelada na pedra.

Deixou de poder voar, de sonhar, de amar, de dar o tanto que tem de si.

Houve um down grading tremendo, na posição relativa que ocupo, na constelação celeste dos amantes felizes, nesta galáctica de amores e de estrelas, onde aos poucos eu vou desaparecendo... A minha pobre e humilde estrela está a perder o brilho, a minguar, a zerar, a tornar-se quase invisível e afastada do sol-rei. 

No universo imenso e povoado de milhões de luzes felizes, vibrantes e amorosas... que falta faz mais uma estrelita moribunda? Há mais quem brilhe e a substitua, com garbo e competência. Há os astros novos que enchem a curiosidade de quem procura no firmamento, mais calor e emoção, mais vida, mais alegria, mais mundo.

A rotina de uma estrela apagada e chata, cansa. 

Depois de mim, virá quem melhor sirva o deslumbramento infinito, que o infinito universal comporta. E é tanto aquilo que o universo contém... imenso, eterno, livre e inesgotável...

Há sempre mais e mais para descobrir. Porquê ficar preso a compromissos espartilhantes e limitadores ?

Se a liberdade é um espaço e não um sentimento interior ... então faz sentido que essa liberdade seja percorrer o mundo, solitariamente... encontrando pessoas só pelo prazer de usufruir delas, como se fossem um bem consumível. Come, usa e deita fora. Pessoas não são para possuir, são para consumir.

Quem assim pensa, tem dificuldade em ver os seres humanos como seus parceiros e iguais, quem olha os seus semelhantes como objetos utilitários e descartáveis, vive desumanizadamente só. E não ama! Porque para amar é preciso emparceirar com um outro ser humano, tido por igual, para que a fusão aconteça.

É preciso que a noção de casal, de “coisa a dois”, qualquer que seja o estatuto que o subescreva essa parceria, seja concebível para essa mente solitária e independente. É preciso que conheça outra realidade: perceber que a dois ou em grupo, se podem fazer acontecer coisas boas , coisas que a sós não existem. Por exemplo, o prazer da intimidade , da cumplicidade, da entre-ajuda.

São maravilhas que a humanidade descobriu há muito e que tantas vantagens pessoais e sociais têm trazido aos homens. A solidão permanente no interior de cada qual, não faz crescer, nem dá prazer . Crescer a dois é melhor. Passear de mãos dadas à beira-mar é melhor do que separados pelo medo do compromisso, idiota e inútil.

Para esse tipo de gente, pessoas são companhias simpáticas ... como um cão. Se ladra muito ou tem sarna, abate-se.

Pessoas verdadeiras, amigos que nos trazem alegrias e tristezas, que nos pedem um ombro, para chorar, um afago de cura, só complicam, não interessam, são para descartar. 

Hoje fui deixada cair! Caí redonda num chão duro de pedra, cortante. Trauma que dói e não tem retorno.

Não há cedências. Nem tolerância. É cada um por si, não há pontes nem linhas de contacto,  a interseção dos conjuntos não ocorre, nem mesmo numa pequena zona de interseção ... um espacito onde ainda seja possível plantar uma rosa, que possa florir.

Não há espaço para o diálogo, para semear um pouco de afecto que possa florescer.

As portas fecharam-se numa teimosia irredutível.  

A negociação não é via, a tolerância não é instrumento para consertar o que parece não ter conserto. Resta-me aceitar as condições rígidas impostas ... ou talvez não! Resta-me a liberdade de partir.

Mais uma vez ouvi: “Quem está mal, muda-se”!

Firme e hirto na sua redoma , afastado do mundo humano das emoções, longe do mundo das pessoas com alma... apenas lhe interessa o prazer direto e egoísta.

Apenas recebe (coisas boas), renega as outras ... e não dá nada em troca. 

Nem um simples obrigada...

terça-feira, 20 de abril de 2021

Naïf


 Naïf, assim contado em inglês soa mais chique.
Para disfarçar, resolvo auto intitular-me de naïf. 
Parece-me melhor do que definir-me como tolinha, ingênua, patega, bimba ou mesmo ligeiramente mentecapta. 

Biblicamente, dir-se-ia pobre de espírito... e será dela o reino dos céus... LOL.

Ora eu não ambiciono nem acredito nesse céu transcendente e eterno, visto como destino futuro, para além da vida. Sou terrena.

Queria ter um céu, sim, mas aqui e agora, o que não está fácil. Queria muita coisa, eu sei, sou uma falhada, esforçada sem sucesso. Apesar de tudo, tenho pequenos talentos diversos e simples; sei e gosto de trabalhar, (ou sabia), pinto, escrevo, bordo e tricoto, cozinho comida honesta e simples de mãe de família, e sobretudo sei amar como deve ser - e gosto muito! Tento ser boa, agradar ao próximo... mas não consigo ser plenamente feliz e rodear os outros de alegria . Não consigo partilhar o bem que fervilha e transborda de dentro de mim. Se houvera quem o aceitasse, quem o daria era eu.

O problema é a minha falta de jeito para viver, para me divertir, para pensar em mim. Sou tosca, desastrada nestas coisas do saber-viver, sou trôpega quando se trata de caminhar segura na estrada certa, sou cega e não vejo como agarrar as oportunidades boas que me têm passado tão perto. 

Completamente naïf e baldas, com tendência para a anarquia do “deixa -andar”. 

Nunca forço, nunca busco o amor, deixo-me ficar sentada, parada, quieta e calada porque sei que o importante é o que eu sou e não o que faço. Mais logo, alguém verá a pérola dentro da concha e abrirá uma prenda de amor que está para quem a merecer. Basta esperar e acontecer. E tem acontecido... sem truques da minha parte... naturalmente ... 

Sei o que valho, sei que tenho uma capacidade imensa para amar, para me dar, para me entregar com força e paixão a quem gosto ou aos projetos que me empolgam. Sei que essa força e energia vêem de dentro, e que  há uma luz que a reflete para o exterior. Tipo farol escondido que só alumia e atinge aqueles que me vêem ou que me amam com olhos de ver , com coração de sentir.

Por isso, não preciso de fazer nada, fico quieta e espero que quem interessa dê por mim. Porque se me olharem bem, tal como eu sou, verdadeira, automaticamente serão fulminados pelo tal raio que emito sem saber. Não preciso de montar estratégias de conquista,  nem maquilhar o corpo ou a alma... basta-me ser eu. É assim que gosto de ser , é assim que gosto que os outros me vejam - nua, verdadeira, cheia de defeitos, cheia de qualidades, cheia de sorrisos , de solidariedade  de gosto por amar e de ajudar amigos... pronta a dar tudo (mesmo que o tudo seja demais para quem recebe), pronta a partir e a mudar o rumo da minha vida, a bem da liberdade ou de um melhor destino, sem olhar para o que perco . Porque uma mudança implica sempre perdas... algo fica para trás e não se recupera...

Mas sou assim tolamente ingênua ... em especial no amor. Desprendida das consequências materiais dos meus actos, foco-me no essencial - e o essencial é o Amor. A única coisa que interessa e que gostaria de preservar, sem truques de dominação, sem estratégias para arrasar a concorrência, sem lutas pelo poder. Ganhar o amor por mérito próprio, sem ter de o roubar a ninguém. 

Nunca optei pelo caminho fácil. Escolhi vários caminhos, tinha auto-estradas razoáveis à minha frente, mas a tendência de uma naif é escolher o caminho das pedras, onde tropecei e me levantei, onde continuo a sofrer acidentes... alguns graves ..  alguns já me deixaram na valeta, moribunda, há uns anos. Mas renasci , passantes carinhosos levantaram-me e deram-me colo, por uns tempos. A convalescença com amizade ... deu-me nova vida. Hoje ainda tropeço mas estou mais preparada, menos ingênua, com mais skills de sobrevivência para enfrentar as perdas desta vida. 

Mesmo assim, continuo naif ,  não luto nem me defendo, não me esforço por definir uma estratégia de ataque aos inimigos ... sei que existem e não faço nada para suplantar as dificuldades, sou parva, portanto. Jogo limpo, num mundo sujo!

Sei dos engulhos que me espreitam, nas curvas do caminho, nos esconsos sombrios, sei que os golpes sujos não acontecem por acaso, só eu e o inimigo os conhecem... mesmo assim fico parada.

Permaneço eu - Palerma,  sem armas, sem guerras, queimando as dores no lume brando das drogas leves, escondendo as lágrimas na solidão, largando a raiva nos dias difíceis ... o que só piora a situação.

O mundo artificial e fútil em que vivemos só admite gente alegre, bonita, amorosa, com um sorriso feliz que sirva de maquilhagem à miséria humana que cada um de nós comporta. 

O que os outros esperam de nós, aquilo de que mais gostam é de teatro, daquele que faça rir, que acarinhe , que faça de conta que a bondade existe e a mentira não. 

Em especial, as almas simples  como as crianças querem palhaços porque estes sorriem sempre e contam histórias maravilhosas . Não interessa que esse palhaço - que lhes alegra o tempo livre - seja um ser humano sofredor e pobre. Se está ali é para o serviço de dar prazer ... não querem saber da dor escondida do palhaco-homem.. porque a dor é porca é humilhante. 

E eu vou tentar deixar de ser tão Naif, assim só tenho a perder... vou carregar no sorriso como o palhaço carrega no batom, vou pintar as unhas com a alegria da ligeira futilidade divertida, vou passear à beira mar de mãos  dadas, na ilusão de um filme de Hollywood, vou conversar de alegrias e de sonhos irrealizáveis, vou idealizar viagens, vou vestir e despir a melhor lingerie, ficar nua e fazer a melhor pirueta de circo, dar ao sexo o lugar do pódio, meter a língua bem fundo na alma impedernida, levar ao céu a avioneta estacionada no hangar, passear no balão mais colorido que houver ... para voar... para voar... bem alto..  e descer à terra, para descansar na paz de um aconchego pleno de sentimento puro... natural e limpo, como devem ser os sentimentos bons.

Num aconchego sem futuro, vivido num presente radioso, de intimidade total. 

Se a guerra não voltar, ficarei bem assim, em paz... 

Mas se o regresso apoteótico das forças poderosas da ambição voltarem, eu pobre naïf , sucumbirei, porque não sei defender -me.

A minha única arma sou Eu - nua e crua, ao natural, apenas vestida de flores e de afectos, prontos a ser desfolhados.


domingo, 18 de abril de 2021

Tristeza


Nosso sonho morreu. Devagarinho,
Rezemos uma prece doce e triste
Por alma desse sonho! Vá… baixinho…
Por esse sonho, amor, que não existe!

Vamos encher-lhe o seu caixão dolente
De roxas violetas; triste cor!
Triste como ele, nascido ao sol poente,
O nosso sonho… ai!… reza baixo… amor…

Foste tu que o mataste! E foi sorrindo,
Foi sorrindo e cantando alegremente,
Que tu mataste o nosso sonho lindo!

Nosso sonho morreu… Reza mansinho…
Ai, talvez que rezando, docemente,
O nosso sonho acorde… mais baixinho…

Florbela Espanca