domingo, 18 de novembro de 2018

Bucólico


O que mantém o boi no pasto é a erva, não é a cerca!
Pastam mansamente na frescura verde da Primavera ou no capim seco do estio...
Sirandam por ali, de olhos postos no chão, procurando alimento e vida. A cerca está longe e não é uma fronteira.
Não pensam pular a cerca ... ali é o seu lar e a sua sobrevivência... e por lá ficarão enquanto houver que comer. Só procuram pradarias longínquas se a fome apertar e aí a cerca poderá ser um obstáculo a ultrapassar.
Mas poucos serão capazes de pular a cerca ... por feitio e por raça... talvez só um daqueles toiros bravos, de corrida, dos que saltam as barreiras num ímpeto estranho e imprevisto, assustando os aficionadas calmamente sentados na bancada de uma praça de touros.
Um susto!
Nunca se sabe o calibre do animal...
Por isso, mais vale fazer de vaquinha pachorrenta, daquelas muito queridas de olhar meigo, que até parecem sorrir ... fazer que doce vaquinha, ter muita calma, esperar que o pasto se mantenha fresco e que todos os bichos fiquem onde houver que comer... lado a lado ...
O ciúme não se evita com uma cerca.

O ciúme só existe se houver "nós" e não apenas "laços"... lacinhos cor de rosa com um chocalho na ponta.


terça-feira, 13 de novembro de 2018

Sorte




A vida sempre me deu mais do que o sonho.

Sorte a minha?
Ou apenas sou pouco sonhadora e navego mansamente no mar do realmente possível?


Pragmática e terrena, se sonho tento alcançar o desejado. Evito persistir na busca de imagens sonhadas, de histórias por outros vividas, de romances lidos, de filmes fantásticos, de conversas sussurradas por marias, de sensações maravilhosas por outros contadas... Não embarco na ilusão.
Vivo o eu! Construo o meu próprio universo do desejável-possível. Do it yourself. 
Gosto de tecer o meu mundo com as minhas próprias mãos  e não vou comprá-lo ao pronto a vestir. Também não espreito as "montras das marcas" e das vidas glamourosas... pensando que felicidade é algo se consegue por aí, igualando os modelos de sucesso  e julgando que basta um jeitinho de sorte ou o Euromilhões. 
Não fico à espera que o sonho se torne realidade.
Vivo a realidade como um sonho, o melhor possível, de forma um pouco naif ...
Sem muita espiritualidade mas algum romantismo. Serei pouco imaginativa? Serei pouco ambiciosa? 
Talvez... mas tem corrido bem, tenho tido sorte... 
O melhor do mundo são as pessoas, os afectos, a alegria, o presente.
Se o presente for o sonhado melhor... 
Quando alguém (megalómano) prossegue um sonho extra-normal, avantajado, desmedido ... e a realidade não o segue, instala-se uma de duas coisas:
  - A angústia, o stress e a depressão, por se sentir imponente para realizar os seus desejos;
  - Uma vida etérea e abstrata, num limbo de irrealismo, num mundo de fantasia, por si criado, sem aderência ao chão que pisa.  Há quem flutue assim na nuvem cor de rosa que para si construiu e, ao fim de algum tempo, até consegue acreditar que essa mentira fantasiosa que a si mesmo conta ... é verdadeira!

O sonho! O sonho eterno que tapa a miséria do real.
É o refúgio daqueles infelizes a quem a vida deu menos que o sonho, ou talvez, de quem sonhou demasiado alto, ou ainda, de quem importou para si as paisagens de sonhos alheios.

São os que copiam heróis-modelos-sucesso... vão aos livros, às revistas coloridas, falam com a vizinha e querem igual... para melhor! 
Os que gostam de cópias falsas em vez de originais. 


Esperam sentir o chão tremer debaixo do corpo, fazendo amor deitados na terra, ao relento numa floresta, no espaço tenso da guerra civil de Espanha , num romance de Hemingway... e sentir tal e qual isso, ter a sensação mágica de um orgasmo telúrico num colchão do Ikea.  O tal sonho do corpo que treme com o magma da terra, caindo na desilusão ao verificar que o amor não é um filme, nem um romance, nem uma vida alheia.

É muito melhor do que isso! É a nossa vida, a única que temos, a melhor de todas.


terça-feira, 6 de novembro de 2018

Flores e couves para a sopa



Qual é a diferença que existe entre ter uma relação séria e praticar um relacionamento de encontros lúdicos?

São as rotinas e os atos de domesticidade que mais consolidam o elo entre duas pessoas, que lhe dão a cola, que por vezes se torna compromisso. Não são as festas... essas passam, o seu rasto de cometa louco, quando acaba, deixa uma memória doce ou um esquecimento desprendido. 

A diferença entre o sério e o lúdico está na intimidade verdadeira como contraponto ao gozo, à diversão, ao extraordinário.
Merda para as vidas difíceis, para o equilíbrio entre deslumbrar e fazer a sopa. Sendo que pode haver sopas deslumbrantes (e gostosas) que conseguem levar o deslumbramento do pobre deslumbrado ao ponto de confundir o brilho com o sabor das estrelas (Michelin ou outras).

Entre comprar couves para a sopa, seduzindo pela domesticidade e optar pelo contraponto que seria comprar flores, viagens e sonhos cativando pelo exotismo romântico ou pela excitação do fora do lar, o que fazer ?

Na vida tudo é confuso, caótico, de cores diversas e entendidas diversamente pelos seus atores. Tudo é incompreensão e distanciamento, tudo contribuiu para a longitude entre os seres que, naturalmente, pensam, sentem e amam de modo diverso.
Compreender o outro é tão mais complexo quanto desconstruir esse raciocínio de compreensão e torná-lo lastro de desamor.
É tão fácil desfazer um afecto verdadeiro e transformá-lo em nada... tão fácil quanto está próxima a intolerância do ódio.
Por isso, só a tolerância nos salva! Só a aceitação do outro, tal como ele é, permite a paz..
A paz esse bem inalcansável pelas almas inquietas. Esse bem que sem amor de nada serve.
A paz boa, não aquela que adormece, mas a que nos exalta, nos motiva a ser criativo e bom, a amar em segurança... sem moleza, com empenho.
A utopia eternamente perseguida ...
O triângulo desejado de amor-paz-segurança, irreal inatingível talvez, fonte de angústia porque se corre atrás dele e ele, num instante e sem sabermos como, vira  triângulo das Bermudas... perigoso.
Sempre o triângulo fatídico que não nos quer, que foge, que trama... porque há rochedos e tufões.
Impecilhos, impecilhos e mais tormentas.
Porquê?
Eu quero o mundo todo para brincar, passear, andar, voar e amar ... sem entraves, sem pedras no caminho.
Eu quero um mundo onde possa seguir em frente, dar o tanto que tenho para dar... sem estar constantemente a ser coartada em prosseguir, recebendo golpes na minha criatividade e desejos... São tão honestos os meus desejos, tão simples, legítimos, bons... porque não posso então andar?
Nem dormir...
Presa na liberdade que criei para mim e não me chega.
A liberdade não existe, há demasiada gente neste mundo para que todos possam ser igualmente livres.
Há engarrafamentos de trânsito, esbarramos uns nos outros e não damos passagem a quem quer correr mais depressa.
Vou continuar a correr, a caminho da utopia do triângulo, sabendo que vou tropeçar em muitas pedras e que vou cair, levantar-me e provavelmente voar para uma ilha menos povoada e mais calma.
Preciso de parar o sofrimento desta corrida atropelada, de mim comigo mesma e com os outros que não me merecem...
A liberdade que criei para mim, realmente não me chega!