sábado, 26 de maio de 2018

Perder nas trincheiras

Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento.”
Clarice Lispector


 


A rendição pode ser um sinal de derrota ou de vitória. Depende da forma como cada qual vê a guerra, ou mesmo se a guerrra existe.
Por vezes, a guerra não é mais do que um conflito latente, imaginado, fantasiado ou até empolado.
O inimigo até pode ser um objecto real, uma situação desconfortável ou uma pessoa verdadeira e perigosa. No entanto, a sua “existência” na nossa vida e a sua transformação em inimigo, em bruxa ou em fantasma aterrador.... depende sobretudo de nós.
Podemos ignorar o adversário e então não haverá lugar a contenda. Ou podemos assumir que é um inimigo real, mas de tal maneira poderoso e bem apetrechado em armas e talentos, que a atitude mais inteligente é não o enfrentar.
A guerra pode ser jogada no campo de batalha, em campo aberto, com os adversários medindo forças em concorrência, com armas supostamente comparáveis. Mas também pode ser vivida nas trincheiras à defesa.
Não sair à luta e ficar discretamente escondido atrás da trincheira não é, por si só, uma boa estratégia.
Pode-se perder uma guerra atrás das trincheiras ...
A rendição não é derrota, é uma perda, isso sim. Mas é uma perda que resulta da justa incapacidade de lutar e de ganhar, é o lugar certo e inteligente de quem é incompetente ou não tem talento para vencer, para amar, para viver.
Há outros lugares onde se pode ser feliz... lugares de sol e de esperança. A felicidade não é o prémio ganho numa contenda, nem pressupõe que se ganhe uma guerra. 
Não devemos ficar acocorados, cobardemente, atrás da trincheira, à espera que o mundo mude e nós fiquemos na mesma. Humildes e humilhados, parados no tempo, deixando que o inimigo nos paralise de terror... isso não!
O lugar da felicidade é o do paz e esta não se deve confundir com vitória, como se a paz fosse um sub-produto da guerra.
Perder nas trincheiras é possível ... 
No entanto, melhor seria viver em paz, mesmo que a gente não entenda o que se está passando em redor ...


Viver é tão difícil que ultrapassa qualquer entendimento, como diria Clarice.

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