terça-feira, 29 de maio de 2018

Vida


Uma vida sem amigos é como um jardim sem flores.
Até há jardins bem bonitos, só verdes e mais verdes, castanhos escuros e claros, com árvores e com arbustos.
Jardins há muitos!
Mas um jardim sem flores, é coração sem amor! Até bate, até existe... mas não é a mesma coisa.
O amor-perfeito é uma flor quase rara, não pelo seu exotismo mas pela sua tão curta duração, mantém-se fresca tão pouco tempo... 
Flor pequena, intensa na cor e nos sentimentos que disperta, uma beleza que surge em tons diferentes mas todos maravilhosos... diferentes como são as pessoas, como somos todos nós e os nossos afectos... No entanto, ninguém lhes fica indiferentes, a intensidade e o seu calor saltam à vista, em geral, rastejam nas bermas dos canteiros, baixinhas mas cantando alto e aquecendo o coração de quem passa. Lembram alegria, lembram sol, primavera e verão.
Por vezes, até lembram amores menos perfeitos, que guardamos no baú das recordações e dos afectos, como se perfeitos fossem... Imperfeitos mas amados, com o aroma das flores e com a doçura do aveludado das suas pétalas, que mesmo secas não secam no nosso coração.

Amores-perfeitos ou imperfeitos em intensidade, em coloração e alegria que Madrid oferece aos mais românticos e aos mais distraídos... para não esquecer que a vida merece ser vivida mesmo com todas as suas imperfeições. Desde que haja amigos e jardins!



sábado, 26 de maio de 2018

Perder nas trincheiras

Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento.”
Clarice Lispector


 


A rendição pode ser um sinal de derrota ou de vitória. Depende da forma como cada qual vê a guerra, ou mesmo se a guerrra existe.
Por vezes, a guerra não é mais do que um conflito latente, imaginado, fantasiado ou até empolado.
O inimigo até pode ser um objecto real, uma situação desconfortável ou uma pessoa verdadeira e perigosa. No entanto, a sua “existência” na nossa vida e a sua transformação em inimigo, em bruxa ou em fantasma aterrador.... depende sobretudo de nós.
Podemos ignorar o adversário e então não haverá lugar a contenda. Ou podemos assumir que é um inimigo real, mas de tal maneira poderoso e bem apetrechado em armas e talentos, que a atitude mais inteligente é não o enfrentar.
A guerra pode ser jogada no campo de batalha, em campo aberto, com os adversários medindo forças em concorrência, com armas supostamente comparáveis. Mas também pode ser vivida nas trincheiras à defesa.
Não sair à luta e ficar discretamente escondido atrás da trincheira não é, por si só, uma boa estratégia.
Pode-se perder uma guerra atrás das trincheiras ...
A rendição não é derrota, é uma perda, isso sim. Mas é uma perda que resulta da justa incapacidade de lutar e de ganhar, é o lugar certo e inteligente de quem é incompetente ou não tem talento para vencer, para amar, para viver.
Há outros lugares onde se pode ser feliz... lugares de sol e de esperança. A felicidade não é o prémio ganho numa contenda, nem pressupõe que se ganhe uma guerra. 
Não devemos ficar acocorados, cobardemente, atrás da trincheira, à espera que o mundo mude e nós fiquemos na mesma. Humildes e humilhados, parados no tempo, deixando que o inimigo nos paralise de terror... isso não!
O lugar da felicidade é o do paz e esta não se deve confundir com vitória, como se a paz fosse um sub-produto da guerra.
Perder nas trincheiras é possível ... 
No entanto, melhor seria viver em paz, mesmo que a gente não entenda o que se está passando em redor ...


Viver é tão difícil que ultrapassa qualquer entendimento, como diria Clarice.

sábado, 19 de maio de 2018

Estar e Gostar





Estar e Gostar





GOSTAR, silenciosa obsessão, acontece a tempo inteiro,
enquanto que
ESTAR é coisa boa ... para fazer em part-time!

Felizmente que assim é!
Mal seria se o GOSTAR não viesse sempre primeiro,
porque o ESTAR mesmo pouco, é bom ... e muitas vezes on-line

Estar demais, às tantas, enjoa, pode até estragar o gostar.
Mas gostar de menos é pobre e empobrece o gosto de estar.

GOSTAR é como respirar, ESTAR igual a comer.
Pois respirar é preciso, é vida e tem mesmo de ser...
Enquanto comer é um prazer, que não se está sempre a fazer.




terça-feira, 15 de maio de 2018

Viajar





Viajar enquanto lugar de reflexão, porque é de caminho que se trata, de pensamento orientado, na busca do que vem a seguir...
Viajar é ir e ver. Ver com todos os sentidos alerta... sendo que todos são igualmente importantes nessa busca... 
É sentir a alma dos lugares... e arrumar a nossa no sítio certo... 
O tal sítio certo que tanto pode ser ali como noutro lugar qualquer, que umas vezes se encontra e outras não. 
Viajar exige movimento, meio de transporte, vontade, necessidade, curiosidade e alegria de viver. 
E, sobretudo,  inquietação!
Pois se inquieto é o estado de quem não está quieto... não é isso mesmo o que faz o viajante? Sair de si mesmo à procura do mundo, porque carece de um rumo, porque tem fome de movimento, porque precisa de aprender e de se surpreender, não sabe o caminho... e precisa de um barco que o leve por aí.


Uma gôndola parada à noite é uma promessa de rumo, ainda não é a viagem mas o início de um despertar ...


Mas o caminho, faz-se acordado, de dia, de olhos bem abertos à vida... seguindo em frente. Viajamos para nos sentirmos vivos, para que a emoção nos surpreenda... Mesmo que se viaje quieto, dentro de nós, de olhos nas coisas, na natureza, nos outros humanos que circulam por aí e que viajam perdidos como nós.
Gosto dos que não sabem bem o caminho, mas não desistem de o procurar, não desistem de encontrar as emoções de um lugar novo, de um quadro velho, de uma escultura partida. Gosto de quem segue a rir sem saber porque o faz, de quem ri apesar de perdido, mas sem vergonha de continuar a procurar o seu rumo, tal como a gôndola de quilha empinada, altiva, certeira ... aparentemente... porque até pode encalhar na próxima curva do canal. Mas vai...


Sabemos o que é ter fome de carícias, sabemos tão bem a falta nos pode fazer a sua falta. Porque será? Porque desejamos um beijo, um abraço, gente que goste de nós, gente que goste que gostemos delas? A resposta está na emoção esperada...
É tal qual como com as viagens - buscamos o toque da emoção, da surpresa, do afago emocional, intelectual, da novidade, da beleza, da diferença...
Uma emoção que até pode ser conhecida, experenciada ou, pelo contrário, ser simplesmente sonhada, uma fantasia ou um absurdo. Mas é a emoção que buscamos...
Tanto nas viagens, como nos afectos... procuramos o que mexe connosco, procuramos o que nos mate a fome, o que nos preenche as faltas e as falhas. Remendos!
Sim, remendos para consertar buracos da vida, a fome de conhecimento. Buscamos encontrar o que falta conhecer. E há tanto ainda para aprender!

Precisamos de sentir a arte, tanto quanto gostamos do suave toque da nossa pele na superfície de outra pele gostada. 
Procuram-se lugares como se procura o amor. O qual - como sabemos - não se procura, encontra-se!
Marcar uma viagem é como comprar um bilhete de lotaria, pode ser que saia. Porque quem não procura, não encontra. Quem não arrisca a viagem pode perder a oportunidade de ganhar...a sorte, a emoção.

Fui à procura ... porque ir é dar mais um passo a caminho do futuro e o futuro está sempre um passinho à nossa frente, mesmo ali, logo a seguir...

Fui viajar porque não se pode parar... e o tempo corre, mesmo que fiquemos parados. O tempo corre, sòzinho, não espera por nós.
Viajar é andar ao ritmo do tempo, para que o futuro não nos fuja.  
É um modo de não perder o passado, conhecê-lo, amá-lo, vê-lo com outros olhos, com o olhar do presente... porque o presente é tudo quanto existe de certo e de seguro.


O presente é a casa onde moramos... 
Olhar para as casas dos outros, daqueles que nos antecederam, ajuda a focar o "aqui e agora" e pensar que o lar é onde está o nosso coração...






sexta-feira, 4 de maio de 2018

Lírios do Campo







Não havia cravos vermelhos! Mas havia lírios do campos...

Era 25 de abril, os cravos - flor de cidade e de jardins burgueses - voaram para os locais habituais...
No campo, na sua calma habitual, no seu lugar natural...restavam as flores do campo.


E eram muitas, algumas pareciam humildes lírios roxos...que se misturavam com pequenos antepassados de orquideas lilazes, flores amarelas (das azedas e das outras não provadas) e, ainda, parentes próximos dos malmequeres brancos e amarelos, além das primas afastadas dos brincos-de-princesa cor de rosa chocking. 






Muitas e muitas flores em ponto pequenino, caoticamente misturadas e dispersas na paisagem.
Sobre um fundo verde..que em breve será castanho e seco, branco e loiro...



E todas pareciam estrelas brilhantes e coloridas ao sol.



Quando a noite caiu, as estrelinhas coloridas viraram fogo e cairam com estrondo sobre as pessoas expetantes que festejavam a festa ... sem cravos (ou muito poucos!) ... 



... mas festejavam a memória que é o que importa!


Fiquemos pelos lírios do campo, esses reais, mais do que memória...
Lembrando apenas a Biblia, que às vezes tanto nos ensina sobre os lírios do campo:

«Ninguém pode servir a dois senhores; pois ou há de aborrecer a um e amar ao outro, ou há de unir-se a um e desprezar ao outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas. Por isso vos digo: Não andeis cuidadosos da vossa vida pelo que haveis de comer ou beber, nem do vosso corpo pelo que haveis de vestir; não é a vida mais que o alimento, e o corpo mais que o vestido? Olhai para as aves do céu, que não semeiam, nem ceifam, nem ajuntam em celeiros, e vosso Pai celestial as alimenta; não valeis vós muito mais do que elas? Qual de vós, por mais ansioso que esteja, pode acrescentar um cúbito à sua estatura? Por que andais ansiosos pelo que haveis de vestir? Considerai como crescem os lírios do campo: eles não trabalham nem fiam, contudo vos digo que nem Salomão em toda a sua glória se vestiu como um deles. Se Deus, pois, assim veste a erva do campo, que hoje existe, e amanhã é lançada no forno, quanto mais a vós, homens de pouca fé? Assim não andeis ansiosos ..."