quarta-feira, 16 de junho de 2021

Poema incompleto


 Quem me dera fazer um poema bom!

Um poema útil.

Um poema capaz de ser lido, entendido, engolido até às entranhas por uma alma sequiosa de palavras e de conforto.

Quem me dera saber escrever pouco e dizer muito! 

De, com poucas palavras, gerar muitas ideias ou apenas uma ideia-mensagem que fizesse a diferença.

Uma palavra só, pode ser um poema se chegar ao destino certo, se for a tal… a certa. A que penetra e diz tudo, a que é nova pelo mundo que abre, a que permanece no tempo por ser de entendimento  universal…

Só os grandes o conseguiram, por isso nós as lembramos.

Por serem eternamente verdadeiras… “todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades…”

E sob este signo de “novas”, guarda-se todo um poema de expetativas e alegrias. Cabe lá tudo: um mundo fantástico de esperanças … um sol radiante e radioso que a expetativa da mudança comporta.

Alguém se lembra de uma mudança para pior quando lê o poema? Não!

Na mudança poética só pode estar a bem aventurança de um futuro melhor.

Alguém pensa na morte, na velhice e na doença quando lhe falam na mudança? Penso que não. Porque logo a seguir vêm as “novas qualidades”.

Um otimismo enganador certamente. Porque mudar é caminhar rumo a um destino em parte desconhecido (logo potencialmente nefasto) e em parte conhecido (há um final à nossa espera). Esta parte não tem de ser negativa. Final haverá certamente - vamos todos, um dia, para nenhures!

Mas, para quem acredita na poesia, será um final feliz. 

Aquele final em que a música do filme sobe de tom, nos envolve e transporta, em que fechando os olhos sentimos o valor do beijo que nos atinge. Poesia é a palavra que se envia, se escreve ou se sente sem escrita… é o beijo musical que penetra e humedece a alma .

Muitas almas se possível… porque há tanta solidão acompanhada por aí… a deixar-se ir… a precisar de um poema humano, de um toque animal, da palavra mudança-esperança..

Tanta gente que gostaria de ajudar , que vejo deixarem-se ficar para trás por inércia, porque sim, porque não sonham, porque não leem… não rimam, porque se esqueceram de saber amar.

Fora eu poeta, escreveria para elas - uma só palavra, ou poucas mais que rimando cantassem a música precisa, o poema capaz de ressuscitar mentes amolecidas pela tristeza sem causa.

Quem me dera saber fazer um poema … 

quinta-feira, 10 de junho de 2021

Corredor

 


Um corredor tem muitas portas. Estou fechada num quarto. Confortavel é certo, mas de onde não posso sair quando me apetece. Talvez por inércia minha, talvez por conforto relativo, talvez porque é uma casa habitada por alguma companhia que me ajuda a combater a solidão... e assim, vou permanecendo no quarto fechada.

Não estou presa!

Sei que posso abrir a porta e sair. Olhar-me no espelho do átrio e perguntar a mim mesma: será que ainda tenho cara para enfrentar o mundo? Partir corredor fora e, quiçá, bater a outra porta ou procurar novos mundos, bem longe deste tipo de casas que tendem a ter muitos quartos que se assemelham a prisões?

Páro à frente do espelho e espero que ele me devolva a resposta. Sou gira? Alguém me irá acolher na porta do lado? Alguém me conhece o suficiente para conseguir avaliar a pérola escondida que reside no meio de mim, nacarada de amor para dar... carregada da felicidade suja do pó da indiferença, mas que bem polida pode voltar a brilhar?

 Para a idade não estou mal, claro... sou simpática, boa rapariga... gosto de ajudar, trabalhar a bem do próximo, gosto de me rodear de pessoas boas, gosto de mim (mas, de momento, sinto-me mal... a alma está meio engripada). 

Incongruências!

Fechada no quarto, vivendo na clandestinidade social, não me aguento por muito mais tempo. Ando fugida, no entanto,  não cometi nenhum crime. 

Sou livre (na teoria), tenho dinheiro, emprego, família, uma amostra de casa, ao menos é um tecto de abrigo... não passo fome, tenho saúde... não vivo na rua, ninguém me odeia... (acho)...mas talvez me desprezem, ou ignorem ou desrespeitem, o que não mereço.

Da injustica pode-se fugir.

Talvez seja isso o que eu preciso. Fugir deste corredor de quartos, porque provavelmente em nenhuma porta vou encontar quem me ame.

Se fosse por aí, corredor fora, teria de passar cada noite em seu quarto até acertar com um leito de conforto afetivo.

Não espero apaixonar-me, não peço tanto. Já tive a minha conta. Tive sorte e sei o que foi viver momentos grandes de paixão absoluta... são únícos, intensos,  totais... valem por uma vida.

Sei que são transitórios, de curta duração face à longevidade da vida.

Para mim, são o meu mais rico capital, os filhos também, mas  não estão neste contexto. Tenho a minha conta de amor bem vivido, em dose maior do que a maioria das pessoas, estou em crer.

Talvez seja presunção minha, mas sinto-me uma privilegiada nesse campo. Tive amor a sério, vivi!

Não dura sempre, o que não tem de ser uma tragédia.

Porque também sei que depois da paixãp, pode-se instalar o amor suave de uma parceria intima e boa.

A melhor herança que se pode ter de uma paixão é uma amizade de intimidade verdadeira e essa pode ser eterna...

Uma relação de afeto calmo e feliz devia ser possivel, sem grandes dramas, nem complicações,...  devia ser possivel.

Sobretudo no meu caso, em que não vislumbro que tivesse havido zangas nem problemas de maior, devia ser possível, garantir um lugar feliz de afecto... Devia, mas...

É no mas que está o busilis - foi-me recusada,  chumbada a possibilidade de existir qualquer tipologia de relação, que envolva comprometimento, qualquer forma de afeto com visibilidade pública. Não se trata de casamento, nem de união de facto, nem de namoro em casa partilhada. Tratar-se-ia, tão só, de uma relação de sã conjugalidade, com compromisso amoroso, enquanto durasse, com casas separadas e férias junto, com intimidade, no sentido mais amplo do termo, com uma parceria de entre-ajuda verdadeira, um ombro para chorar, por exemplo, um pôr do sol para ver em conjunto, um luar especial, sei lá...nada mais! Um nada de mais que para mim seria tudo!

Estabilizar num quadro confortável e amigo, com alguma segurança e algum tempo... seria para mim um modelo de vida aceitável. Não preciso de muito, apenas assumir uma relaçao de conjugalidade amorosa, de tipo informal, sem papeis, nem tecto comum, apenas gostava de poder passear à luz do dia, livremente, sem clandestinidade, ver amigos, sem tabús. Apenas gostava de partilhar amizades, conhecer alguns membros das familias respetivas... andar na rua de cabeça levantada, 

As outras que se escondam, que sejam discretas. Não me importa nada. que tenha uma cambalhota externa, de vez em quando, isso não me incomoda desde que esses casos não tragam atrás de si a expetativa de um compromisso sério. 

Mas julgo que já vou tarde para inverter a situação, o compromisso consolidou-se em relação a pelo menos um caso e não vai mudar. O pior é quando isso é motivo para eu ficar para trás. O pior é que a seguir à cama, à intimidade e às coisas rotineiras dos dias em comum, vem o terreno da dominância doméstica - a dominação territorial -  tão feminina - alastra na justa proporção do espaço e do tempo de cama. O pior é a suspeita de que essa expetativa e dominância cresça, à medida que as sementes poisam nos lençóis.

Não há cambalhalhotas grátis!

Não cambalhotas gratis, nem panos sujos de truques macacos que, um dia, não se venham a traduzir em amparo, em bengalas, penicos para despejar, lares para morrer...

Sou velha e a velhice trará, um dia, o total esquecimento das coisas boas do amor.

Só queria usufruir do pouco tempo que me resta, com paz, afcto e calma, sem a insegurança permanente de ter um cutelo em cima da cabeça ... Ele a dizer-me a toda a hora; pode cair-te sobre a cabeça e matar-te. O potencial matador não tem sentimentos nem escrúpulos em deixar cair o cutelo, se eu abrir demasiado a boca. Leia-se: se eu refilar...

De todos os meus defeitos, este é o pior: sou refilona, frontal e demasiado sensível para conseguir calar as dores da alma... que me torturam mais do que seria razoavel.

A minha salvação está em 2 alternativas totalemente opostas:

1) Ou me calo e aceito as desfeitas de cara alegre, à custa de engolir lexotans em vez de sapos vivos (não me parceem lá muito saborosos).

2) Ponho fim a esta vida - atiro-me da ponte, mergulho no mar com os bolsos cheios de Virginia Wolf.

Qualquer solução, lhe será indiferente: passa bem sem mim... sem ninguém, até.

A única a perder serei eu.. .talvez a minha filha note a minha falta... talvez o meu neto venha a gostar de mim.

Porque neste momento, a minha vida é um quarto trancado num corredor cheio de portas que não se vão abrir para mim.