quarta-feira, 20 de junho de 2018

Poema




Quero ir contigo viajar
Quero ficar quieta no teu colo
Quero ir e ficar!
Passear de mão dada à volta do quarteirão
ou à volta do chão…
da erva, das flores, do lago que se derrama azul, aos nossos pés.
Ir por aí, de lés a lés!

Quero ir, quero dormir
e, também, ficar, amar, para voltar a partir…
E voltar para voltar,
no prazer da espera, do retorno e do estar.
Voltar para vermos velhos filmes como um velho casal de manta partilhada ou para fechar os olhos dormentes no calor da mesma sesta parada.

Seja Inverno ou seja Verão, quero a tua mão!
Seja pelo tempo curto, que a tua repartilha me destinou, eu quero a tua mão.
Pego e largo, livre e leve, transitoriamente a tua mão.
Transitória, passageira, como a viagem que a vida é…
E, quando um dia, a tua mão, o teu corpo e coração seguirem outro rumo…
talvez de mão dada com outra mão, mesmo nesse dia, eu quero a tua mão!

Procurarei na noite, no aconchego do fundo da almofada, onde em sonhos eu encontro a tua mão e tê-la-ei, decerto, comigo.
Porque na minha mente, lá longe no tempo da memória, quanto tu fores passado, existirá a tua mão: a primeira, a fundadora, aquela cuja pele tocou a minha e seguiu em frente, até à beira de um lugar à beira-mar,
onde um beijo se tornou sério, quando a mão já avançava seriamente pelo mar…

(2010)

terça-feira, 19 de junho de 2018

Casimiro e Carolina




Ser pessimista é sinal de inteligência. Ou seria antes: um homem inteligente tem de ser pessimista!?
Para o efeito não interessa qual a frase ouvida, a ideia era essa, foi assim que Casimiro falou - peça de teatro já clássica em adaptação moderna, personagens a viverem um período de crise económica, escrita sobre a Alemanha de 1929, mas num registo transposto para a crise atual. 
Casimiro e Carolina são um casal em desintegração, por causa da crise, por causa deles... que têm alegrias diferentes... e diferentes formas de encarar o que é "estar aqui e agora", o modo como olham para o futuro (tão transitório e tão imprevisível como só o futuro pode ser).
Viver o presente é sempre o melhor remédio! Com cerveja, deboche... o que houver de melhor ou de pior...
Dizia-me um amigo recente, que mal conheço: um homem vem com um prazo de validade de quatro anos, as relações são como o champanhe, perdem o gás.
Não concordo. O champanhe dura poucas horas de borbulhas e deixa-nos a levitar meia hora entre um salão e uma cama. Muito menos que quatro anos... 
Um homem quando vem é para sempre... mesmo que a vida dê as suas curvas. Vem para ficar para sempre no meu coração, mesmo que não fique na minha vida, na minha cama ou que deixe de passear de mãos dadas. 
Vem como o amor inventado que lhe colamos à pele; eterno enquanto dura e se for com cola de contacto dura muito, não desgruda!
Pode partir... apagar-se ...afastar/se, redefinir-se em
interesses e companhias... mas fica cá dentro para sempre.
Porque fui eu que o inventei e o construí, serei eu quem alimentará essa ilusão, como se de realidade se tratasse.
Porque sou eu que choro lágrimas de alegria, por existirem sentimentos que me fazem sentir tão bem na ausência, no silêncio, na distância... e até na concorrência. Com a clara consciência de que a minha “invenção” será sempre minha. Importa é que haja vida para viver a fantasia nos seus momentos de realidade. Momentos aleatórios, que caiem de imprevisto no horário que não escolho... mas que espero que sejam felizes.
E quando não há momentos presentes, há memórias, essas ficam mesmo depois da morte, do afastamento ou da fantasia. Enquanto eu viver, serei eu a inventar os momentos de felicidade construídos com as pedras que restarem de ruínas antigas ou com tijolos novos comprados ali ou no aki. Construídos, muitas vezes, com sobras, com peças sobressalentes de outras construções avulsas, umas mais sólidas outras mais precárias, com restos de afectos requentados ou descartados mas, se bem reciclados, capazes de fazer algo de belo.

Talvez sejam diferentes estes meus momentos de felicidade, apenas porque são meus... São o fruto da aceitação, da tolerância, da bondade ... porque enquanto eu choro de saudade, alguém ri.
Porque enquanto eu gozo o prazer da paz e do silêncio acompanhado, enquanto lembro um campo de flores e de afectos genuínos do Alentejo puro (pessoas incluídas)... há quem prefira a festa, a perda dos sentidos numa cerveja, ou duas ... até resvalar na ilusão da abundância, no medo da solidão ou na confusão dos sentidos. Misturando o álcool que desliza na garganta com o amor que desliza inteiro, entre lugares sombrios.
Há quem prefira a festa, o popular São João ou outro qualquer totém menos santo... para se atordoar na miragem do fugaz prazer... com o sem álcool, mas de cabeça à roda, como o zepelim de Casimiro e Carolina (seja lá o que for um zepelim...).
Porque há festas coletivas e festas solitárias ou solidárias.
Festas dentro e fora de nós... é por essas que espero, pacientemente, porque vale a pena.
Estar vivo é isto, é achar que tudo vale a pena porque é doce, nos exalta e é, também, aceitar aquilo que foi mau ou nos deixou à margem ou desafiou a coragem.
Diria Carolina: a vida não é para pessoas sensíveis!
No entanto, estas também existem e têm direito a ser assim: sofredoras e livres. Felizes porque sabem mais, sentem mais ... caminham mais depressa, pensam com mais intensidade e recebem o troco em moeda mais valiosa.
E por isso quando perdem, também perdem muito, porque um dia tiveram mais.
Porque sentem e sabem mais, talvez tenham a obrigação de aceitar com tolerância e inteligência o que a vida lhes dá.  Se procurarem outro caminho, vão certamente procurar o mais tortuoso, pelo desafio, pelo prazer da descoberta, da entrega total, do gosto pelo absurdo, do amor que sentem pelo Amor - qualquer que seja o objecto deste sentimento, a que chamo de loucura.
É tão bom ser louca e poder dizê-lo com força. É tão bom saber que, para além do amor, da bondade e da aceitação, nada mais existe de importante!
Ah... esquecia-me do mar e das flores... 
Vejo-os como presidindo à pré-história dos homens, vêm de um tempo em que a vida eram anémonas, células simples que evoluíram até hoje, à forma humana admirável: muitas células com um coração com amor lá dentro ou com espaço para o rechear desse creme que sabe ao mesmo...