quarta-feira, 18 de abril de 2018

Partilhar



Partilhar não é possível! Nem faz sentido, quando se trata de bens espirituais, incorpóreos ou infinitos. Partilha-se o que é material, escasso e finito... como o tempo, por exemplo.

Não se partilha afeto, nem amor. Quanto muito vivem-se sentimentos parecidos, mas diferentes na sua essência, com mais de uma pessoa. Mas não se partilha a pessoa.
Não faz sentido eu gostar de um abraço e tu preferires um beijo, tu admirares a força de uma brelaitada e eu gostar de um entalanço morno e querido... 
Não se partilha uma pessoa, nem um afecto, nem um amor. Vive-se, simplesmente, por inteiro... sem partir em bocados, nem em horas, minutos ou locais. Pessoas não são fatias de um bolo, nem servem para comer. São o nosso alimento por inteiro, por excelência, por gosto, por tudo...
Mas infelizmente só gente boa percebe isto. Gente de bom coração, inteligente, sem interesses materiais, sem desejo de lixar o próximo, desrespeitar ou magoar o seu semelhante . 
Em paralelo, há gente que tendo a sensibilidade suficiente para perceber que os seus actos são maléficos, tortuosos, sibilinamente venenosos, usa esses "talentos" para amachucar o próximo. Desses(a)s reza a história, profusamente... e não têm desculpa, nem razão de existir, quando sabem que estão a magoar inocentes. Ninguém deve ter o poder de humilhar o seu semelhante e, muito menos, se este for sério e inocente. No entanto, a maldade e a pequena vingança cerca-nos a todos, todos os dias a propósito de tudo. 
Percebe-se que muitas vezes a maldade radica apenas no instinto de sobrevivência, tão forte que ele é ...
Quem haje de boa fé não devia sofrer por isso. Mas o mundo é um lugar injusto e quem vence é quem tem uma melhor estratégia ou uma tática mais apurada, aqueles que pensam que os meios justiifcam os fins, os que julgam que ficarão impunes às suas malfeitorias, que têm o  direito de dominar os seus amores e os seus irmãos - pela força dos interesses e  pelo egoísmo. 
De gente sem balizas nem valores de seriedade está o mundo cheio. Ou seja, de quem não olha a meios para atingir os seus intentos, sem medo de pisar os outros...



Muitas vezes, quem faz tanto mal, até pode ser um pobre-diabo digno de dó. 

A miséria é uma dos caminhos que leva ao crime, a sobrevivência implica, muitas vezes, um predador que tudo faz para se alimentar e matar a presa.

Nós somos tomos humanos e não devia valer comermo-nos uns aos outros. Esta antropogagia é a causa de tanta sofrimento. Porque quando há um predador que tenta sobreviver a todo o custo, há uma vítima - porventura, gente que gosta de paz, de sentimentos bons  e reciprocos, que quer descartar a vingança, que abomina a intriga, que se afasta dos maus espiritos, da macumba e da maldade, no seu estado mais egoista . E é tão injusto!
É tão injusto que para um vencer o outro tenha de ser um derrotado... que para um comer o outro tenha de passar fome...

O mundo precisa de amor e de gente boa. Gente  que goste de si, porque sem isso não pode ser feliz, nem gostar dos outros. Não precisa de teatro, da representação da peça do "carinho" repetidamente encenada em  maldade e em fantasia, em mentira tão interesseira quanto doce. O mundo seria melhor sem estratégias de dominação e poder, sem gente que pensa que é por abrir as pernas, mandar mensagens, fazer cafunés ou docinhos de coco... comanda os acontecimentos. Até pode conseguir os seus intentos, ter sucesso nesta empreitada, mas um dia a velhice e a sabedoria talvez lhe diga quão vã é a glória de mandar. 
No fundo, no fim da vida, restará o vazio... o vazio que fica no palco quando o pano cai e o actor se consciencializa da futilidade e vacuidade do seu papel. Conquistou um público, talvez, um amante ou um país ...mas ficou só no seu palco, ficou só e preso na sua mentira grandiosamente construída em fantasia... na vã glória de um poder falso e efémero...
E digo tudo isto sem raiva, porque sou otimista e acho que a paz e a harmonia vão prevalecer, se não ligarmos às guerras , se desprezarmos quem não merece sequer o estatuto de concorrente, quanto mais de inimigo.




O amor e os bons sentimentos, em silêncio e em solidão, são a verdade do mundo. 


As palavras leva-as o ventos, tal como a calúnia ou as piadas das supostas amigas. Prevalecerá a verdade dos sentimentos verdadeiros.
Que não são eternos, como nada na nossa curta existência, mas são a melhor coisa que a vida nos dá. tal como a saúde e as pessoas sãs a quem podemos chamar amigos.

E abomino o poder nas suas várias formas. Detesto e assusta-me, sobretudo, o poder dos fracos, daqueles que se assumem como desgraçadinhos e usam esta arma como forma de manipular corações mais moles.
Detesto quem se ache superior porque sofre. Sofrimento de pobre vale tanto quanto sofrimento de rico. Nisso somos todos iguais!

E eu acredito na vida, nas pessoas verdadeiras e nos afetos!
Por isso, sou feliz! E tento fazer felizes quem de mim gostar.

sexta-feira, 13 de abril de 2018

Palavras



As palavras são bem pobres suportes para o que nos vai na alma.
Transportam mal e porcamente aquilo que queríamos transmitir mas, no fundo, há todo um mar... um mar enorme e profundo onde jaz muito do não dito.
Porque se a mensagem a transportar forem sentimentos e não factos, as palavras são frágeis canoas que vacilam e podem naufragar. Os sentimentos cavalgam a onda e afogam o verbo solitário que, cheio de boa vontade, tenta chegar ao seu destino.
Talvez seja esse o destino da palavra - a de morrer na praia, deixando na melhor das hipóteses um rasto ténue do que queria dizer... fica um traço apenas... uma névoa para o leitor perceber apenas um pouco, apenas um leve sentir, daquilo que os areais absorveram e o mar apagou.

Pobres... pobres e infelizes, incompetentes palavras que não servem de casa para o amor, nem para a amizade, nem de bandeira para sentimentos grandiosos de honra ou de heroísmo, nem de montra para a abnegação ou a solidariedade.
Sobram os actos, para cumprir essa missão.
É pelos actos, é pela honestidade e pela sinceridade com que se praticam que sabemos do outro. 
São os actos que nos fazem acreditar.
Não são as palavras, que de pouco valem para criar uma fé, não são as palavras que comportam valores, não são elas que nos provam a força e a verdade dos sentimentos. São as pessoas, o seu sentir e o seu agir.
As palavras, além de fraquinhas, são mentirosas, fantasistas e, quantas vezes, estrategicamente concebidas e tacitamente usadas para outros fins. Podem ser usadas, para o melhor ou  para o pior, com boa-fé ou por fraude deliberada. 
Em qualquer situação - nefasta ou virtuosa -, as palavras são os instrumentos, de que a mente se serve, que marcam um caminho, que seria eventualmente diferente... se fosse o nosso arbítrio a decidir...
As palavras dos outros conduzem-nos a nós; não conduzem necessariamente os sentimentos que anunciam.
E, no entanto, nós gostamos delas... das palavras! Precisamos de as ouvir, vindas dos amigos, de quem amamos ou até dos nossos inimigos... porque são elas o espelho da nossa cara miserável. Mais vale ver um rosto despenteado no nosso reflexo no olhar dos outros, do que mirar um espelho e ver uma parede... opaca... vazia... sem gente, sem opinião... 

As palavras... as palavras... o ruído que elas fazem...
É uma música de que gostamos... Tantas palavras à nossa volta, uma cabeça cheia de palavras que são mentiras, de mentiras que entram cá dentro com o passaporte legítimo de serem palavras e de terem sido escritas especialmente para nós. E também tantas palavras que são de conforto, que amamos até pela sua mentira... 



As cartas de amor são talvez a mais querida mentira de palavras, bem organizada. 
E se, por causa das palavras, perdermos o dom de saber pensar com a nossa cabeça? 
A verve dos outros, as notícias do jornal, as recebidas por correio ou no ouvido, em direto, ao telefone ou por interpostas pessoas - tudo palavras esperadas, agarradas com carinho ou com rancor... mas nossas.
Há as palavras construídas especialmente para nós e que nos deixam vaidosos - que alguém escreveu para mim, sinceras, ou talvez não, de amizade, de apreço, de incentivo, de agradecimento - como se palavras fossem iguais a sentimentos bons. 
E, contudo, quantas comportam mentira, não porque quem nos as enviou seja mentiroso, mas porque as usou para atingir o seu fim, por si, pelos seus intentos e não para nos dar consolo.
Também, há palavras genuínas de amparo, de solidariedade... de amizade e de parceria quando se vive em união de entendimento de corações, quando se partilha um projeto, um afecto ou um luto, quando algo de comum é suficientememte forte para que seja entendido e aceite... quase sem palavras. 
São casos mais raros, mas existem.
Há corações que se entendem quase sem palavras, sem ruído.

Mas a maior parte das palavras - que supostamente carregam sentimentos - são uma manifestação de interesse, não são uma declaração do apreço de um ser por outro, mas de ele por si mesmo. São uma forma linda e encapotada de egoísmo.

Logo e em conclusão, palavra e sentimento não são uma combinação séria e feliz. Mesmo que os intervenientes pensem que sim. Mesmo que eles estejam convencidos que usaram a palavra certa para transmitir um sentimento verdadeiro. Até nesses casos, podem estragar tudo. 
Por detrás de uma palavra errada pode estar um sentimento certo e verdadeiro, tal como por detrás de uma palavra certa pode estar uma mentira, um mal-entendido ou um  miserável sentir.
Quanto sentimento existe e permanece... para além da palavra!
Pode é ficar impotente e timidamentemente à espera de melhor sorte para se mostrar, para mostrar o que vale... por actos... já que as palavras não chegam...


E o sentimento, coitado, pode até morrer na praia, apagado pela onda que vem a seguir... ou pode ser roubado na praia onde se estendeu ao comprido, na alegre espuma da onda, orlado da nudez fria e envolvente do mar, na pureza do ar, do cheiro  a maresia, do sol que brilha e que despe... em silêncio e sem palavras.

Se tivesse força e descernimento, entregar-se-ia aberto inteiro ao arrebatamento do mar... sem palavras. Para que o som dos seus gestos e o silêncio do seu sentir, gritasse naquela imensidão.

Esperando  por quem venha recolher o sentimento no estado puro... sem palavras,  sem livros e sem sons, sem raciocínios nem filosofias, sem complicações ...

Apenas uma mão... ou duas, uma na outra, sem palavras... 
Um simples voar de dois corpos ou de dois espiritos, navegando dali até ao horizonte... dois seres com a ternura e sobretudo com a grande intimidade que só a amizade verdadeira comporta... sós e em silêncio, com o sentimento que tiverem para dar - não importa a quantidade nem a qualidade -  não importa que se amem muito ou pouco, importa é que seja sem palávas, só com gestos, intimidade e entreajuda. 
O que importa é que seja a corporização do sentimento verdadeiro e não a espuma da fantasia, o ruído das palavras já inventadas e repertidas, O que importa é que o ruído das palavras se vá embora, subtraída a calúnia da boca dos homens, limpa a maldade da cabeça da mulheres, varida a inveja. 
Que fique a paz e a coragem, que restem os homens e mulheres mais duras e valentes, mais sérios, amigos dos ventos  de bonança, que sobrevivam os seres que gostam de viver na profuncidade do mar, daqueles que respeitam e admiram (e temem) a profundidade do mar e se aventuram à descoberta. Que vivam os amantes da verdade, os que preferem ir ao limite do desconhecido e ficar mais rico em sabedoria, do que ficar pela espuma da praia e pelo cor de rosa alegres dos bikinis.
Há quem se vista de espuma, de conchas e de flores e tente seduzir o mar, há  quem julgue que o arco iris surgiu no horizonte apenas para seu deleite, que o luar lhe pertence como as palavras que constroi.
Da mesma maneira, que há quem lance sentimentos em posts de facebook ou em blogues como quem pendura bolas na arvore de Natal. 
Como se as palavras derramadas no mundo virtual, substituíssem sentimentos.

Nesta selva em que palavras lutam pelo seu lugar ao sol, que se batem para torrar os neurónios alheios, que o marketing nos tenta engoliar a todos, é preciso sabedoria e um modo diferente de olhar o mundo para aguentar à tona.
É preciso sobreviver e ser feliz porque a vida é curta, é preciso aguentar as palavras e os gestos, que nos fazem mal, com coragem e resistência para não desfalecer ... visto que é aqui, neste mundo, que queremos morar mais algum tempo.

É bom viver num lugar de verdade e de paz, onde seja possivel demorarmo-nos, fechar os olhos, dar a mão a quem merece a nossa confiança e prosseguir em frente... por um caminho de serenidade, onde seja possível dormir abraçado por quem nos quer bem, abraçado por quem entra em nós e traz a luz. onde se fica quente e suavemente em segurança. 
Porque as palavras mesmo poucas... devem ser boas e verdadeiras ou então que sejam más e sinceras, 
Do teatro, esse palco de fantasia oportunistica há que fugir.
Há que fugir desse mundo de fição e de fantasia travestido de verdade, bêbedo de mentira...
Há que resisitir com todas as forças, porque confundir fição como realidade é uma prisão, é dependencia e perda de liberdade.
Liberdade exige autonomia, algum dinheiro, auto-estima, realismo, e não ter medo da solidão nem do silêncio, quando tal for preciso.
É preciso austeridade nos sentimentos sérios e saber descartar a espuma das coisas fúteis, desconfiar de quem se apresenta envolta em acúcar, em promessas de carinho... 
O que é bom não precisa de marketing, nem de palavras inúteis. 
O que é genuino é discreto e reconhece-se, porque a luz interior é mais forte do que aquele holofote articial que incide sobre a artista em palco. Aquela (ou aquele actor) cujo brilho carece da exposição pública e dos seus aplausos para se sentir realizada. Que sonha e  espera ser despertada pelo beijo do príncipe encantado e se veste da fantasia das palavras, reinventando os sentimentos que estão no guião da peça ...que não lhe pertencem (talvez pertençam ao dramaturgo, mas mesmo esse perdeu-os para a mente dos outros, para quem o lê ou vê a peça).
Para o actor, só são verdadeiros os aplausos - a excelência, a virtude está na forma como usa as palavras para fingir os sentimentos ... dos outros!
Para esses - os actores deste mundo - só resta a glória das palavras ditas. Parece pouco, no entanto, quantas vezes, são suficientes para vencer na vida.
Porque a vida é um palco.
Um local onde a verdade e os sentimentos pouco importam, o que vale são as aparências, a fantasia tornada realidade.
Vamos morrer... e até mesmo a nossa passagem por aqui...vai virar aparência...não tarda nada.