terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Deus Sabe Quanto Amei

Vincente Minnelli, Filme de 1958



O que vale hoje uma história de amor-paixão?
Numa sociedade cada vez mais afastada de grandes lutas e de grandes emoções, que tudo simplifica e racionaliza, incluindo os relacionamentos ditos amorosos, ainda há lugar para o drama passional? Ligações passageiras e descartáveis, interesses materiais e conforto emocional fazem parecer pirosos os enredos românticos de há 50-100 anos. 
Será que as pessoas ainda se apaixonam? Claro que sim, como sempre, aliás, através dos tempos. No entanto, esta sorte é um bem que toca a poucos. Considero sorte amar e ser amado com a intensidade exacerbada e louca dos grandes enredos da literatura ou do cinema. A fição copia a vida, exagerando-a talvez, potenciado a força de sentimentos-limite. Mas se depurarmos as histórias do seu exagero ficcional, que é útil para remarcar a ideia que quer transmitir, fica uma realidade mais real, nem por isso menos intensa e verdadeira. O que não quer dizer que seja normal, vulgar ou vivida igualmente por todos. Estou em crer que vivenciar um amor-paixão não é para todos, mas será para muitos felizes contemplados. Os restantes contentam-se com sucedâneos; provavelmente, serão mais felizes, por amar em paz e em lume-brando, sem sofrimentos nem emoções fortes... para o melhor e para o pior...
Sempre foi assim, mas agora o assunto parece estar mais longe dos interesses da maioria, talvez por pudor ou por rancor, apelidamos isso de parvoíce... coisa de telenovela, na melhor das hipóteses.
A literatura e o cinema perderam o interesse pelo tema do amor-paixão, pelas grandes histórias amorosas, de tensão dramática e intensa, pelo aprofundar do sentir de homens e de mulheres perante a revelação da "paixão" enquanto doença grave, forte... e, certamente, passageira...
A sociedade "amansou", prefere a acalmia do viver das relações, sem sofrimento,  num redor de conforto que alie paz com prazer.
Estamos todos mais mimados, muito preocupados em evitar tensões, problemas e sofrimentos... em evitar a dor de uma paixão impossível, de um amar em silêncio ou em clandestinidade. Uma sociedade de conforto que descarta tudo o que der chatices, desde o trabalho penoso aos bens obsoletos... até relações amorosas complexas.
Neste lugar clean e simplificado, que espaço há para as paixões? Pouco e vivido na privacidade pelos eleitos. E qual o papel da fição? Se copia a vida, dá aos humanos o que eles sabem entender e o que eles gostam de viver - daí o amor-paixão ter passado de moda. Desapareceu do cinema e da literatura? Talvez subsista na poesia...
Seria possível hoje um filme como "Deus Sabe Quanto Amei"?
No entanto, estou em crer que ainda se ama assim... talvez pouco e raramente...

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Sol e Lua



Há uma energia cósmica que espera por mim. Todos temos, nesta terra tão terrena, direito a um pouco do pó das estrelas, à nossa quota parte de transcendência universal... talvez ao pirilampo de luz que sobrou do rabo daquele cometa, que rasgava o infinito no exato momento do nosso nascimento.

Trespassou a nossa existência sem o sabermos, E assim, umas migalhas de brilho ficaram guardadas, no banco dos bens (cósmicos) doados, pronto para acudir aos mais carenciados, aos que precisam de sol e têm fome de alegria, aos que sonham com o sossego e a paz de uma noite de luar, aos que exigem às estrelas ideias que brilhem e se convertam em trabalho, em progresso para si e para os outros. Para quem precisar e tiver fome de bens cósmicos, eles estão lá à nossa espera.
Não sei onde... mas devem estar.
Gente normal vai ao tal banco e recolhe as suas migalhas transformando a energia cósmica em virgens e santos, em religiões e seitas, credos ou bruxarias. A transcendência e a espiritualidade sempre presentes na vida dos homens, que procuram infinitamente de uma explicação para o Infinito...
Gente especial transforma essa energia em amor!

Tentei saber como lá chegar - ao tal banco do pó estrelar - como obter as nano-partículas do "meu" Universo, como fazer para ir ter com o sol, com a lua e com as estrelas que eram minhas por direito próprio. Sonhava descansar na imensidão celeste, adormecida e acordada numa lua qualquer, docemente embalada pela brisa da noite. 

Imaginei-me sentada numa lâmina de quarto crescente, pernas penduradas a baloiçar, cabeça encostada no ramo mais luminoso, lunática e feliz. 
Certa de encontrar a paz na noite escura, no meu encosto lunar, algum brilho passaria para mim... lunática e feliz... lunática e dormente... lunática e esvoaçante. 

Difícil de alcançar esse lugar etéreo onde me sentiria bem. Continuava sonhando... lunaticamente, mas os pés não me saíam do chão. 

Ora bolas, eu não voo, tenho de ir à lua, mas como?
Procurei destino e meio de transporte adequado, no comércio tradicional. As transportadoras rodoviárias - mais conhecidas por camionetas da carreira - interrogaram-se incrédulas sobre o meu pedido. Conheciam vários locais onde havia bancos de bens doados, bancos alimentares, de roupa ou de tarecos. Mas de pós cósmico e de estrelas a granel, não sabiam. Estrelas havia muitas mas de papel, de plástico num armazém chinês, sobras do Natal, ali para os lados da Abrunheira. Quanto à Lua tinham duas alternativas à minha escolha - o Monte da Lua no Alentejo e os Parques da Lua em Sintra, seria coisa simples arranjar bilhetes. Mas não era isso que eu procurava apetecia-me algo de diferente...



Quanto às agências de viagens, mais finas e habituadas a clientes excêntricos, com pedidos sofisticados - não se atrapalharam com o meu pedido, disseram logo que sim, evidentemente. Asseguravam viagens para qualquer destino, bastava aceder aos grossistas ou às plataformas turísticas à escala mundial onde se pode encontrar ou mandar "produzir" qualquer pacote de viagem, por mais complexo que seja. O ramo das naves espaciais tinham lista de espera, mas não era de todo impossível.

Os pedidos que os incomodava um pouco mais - se bem que não fossem raros - eram para a Suiça, para os tais "hotéis" de decoração minimalista, clean,  de serviço rápido e eficiente. Sim, esses mesmos... de onde se entra e não se sai, ou se se sai aconchegado num pequeno pote.

Sem ninguém que me leve à lua, resta-me esperar.

Sou uma lua nova, apesar de caminhar para velha, nova porque escura e apagada, parda do outro lado do universo... sem sol.