Às vezes, parece que o mundo
roda, mas está quieto. Tudo parado! O sol parado… os dias iguais, o futuro sem
noite e, por isso, sem dia para acordar amanhã.
Às vezes, não se vê mais além,
porque há nevoeiro e … simplesmente não se vê. Não se vê nada, nem o nevoeiro,
nem o que vem atrás dele. Resta a esperança de pensar que, para lá da névoa,
algo de eterno, de seguro se esconde de nós. Não se vê, não existe…? Mas não é
possível, é certamente ilusão de ótica. A culpa é de quem não enxerga. Onde está?
Onde está essa tábua de navegar que é sólida, na sua fraqueza? Onde está a roda
que faz isto girar? Não está certo que o mundo se finja de adormecido.
Porque quando se muda (e
tudo muda, bem sabemos), o mundo também deve girar. Não faz mais do que a sua
obrigação – girar… sempre, eternamente, como lhe compete. Para nosso bem… E nós
com ele, como nos compete… É assim a lei das coisas - mudar, mudar sempre e em
frente, nem que seja andando em círculo, para dar a volta, manter o movimento e
regressar ao princípio. Ou regressar ao fim, tanto faz. O que importa é andar.
Agora ficar quieto ou andar para trás não é natural, nem é bom!
Quieto, só se for para dormir,
para amar e pouco mais… e por pouco tempo. Sim, só por breves momentos se pode
fechar um olhito, há que estar alerta. A felicidade adormecida e feliz é muito
frágil, tem de ser agitada, de vez em quando. Se ela ficar quieta, parada, o
mundo percebe e pára também. Ora isso é grave, porque a Terra redonda e girante
tem de cumprir a sua missão, para nosso bem…
As vidas curtas e
deslizantes a caminho da morte também não podem adormecer, senão esquecem o seu
caminho e ficam perdidas, paradas… na berma da estrada. Numa estrada onde
ninguém passa para dar boleia. Quem quer prosseguir, tem de correr, correr atrás
do futuro, daquele que tem noite e tem dia, arrumadinhos um a seguir ao outro,
sempre em ordem.
Há que correr em direção ao
nevoeiro, ultrapassá-lo, furá-lo, com força, afastar vigorosamente com os braços
aquelas gotas de vapor de água que teimam em ficar juntinhas e escuras, a
fingir que são uma barreira intransponível. Que não são! São apenas água miúda ofuscando a nossa visão, tapando o que lá vem. Sabemos que por detrás do
nevoeiro nada de estranho se esconde, o que se passa, por lá, é conhecido,
seguro, normal … é a vida.
Não há que ter medo, atrás
do nevoeiro há pessoas, casas, cães, carros, montes e fontes, lagos e mar e crianças a
brincar. Por trás do nevoeiro há tudo. Tudo o que precisamos para dar a volta
ao círculo, em beleza, sem medo, se possível com alegria.
Alegria é a coisa mais
parecida com felicidade (a qual talvez não exista, mas não importa). E a coisa
mais parecida com felicidade é o amor. Esse existe, é um bem escasso mas
existe. Procurando bem, correndo para além do nevoeiro, às vezes encontra-se,
outras vezes não.
Mas o nevoeiro – que também
existe e às vezes em demasia – esse tem de ser varrido. Qual mentira que
impede o caminho!
Uma mentira pretensiosa, que se julga muito importante, capaz
de fazer parar o mundo. Mas não pode, ou seja, não deve … Porque todos
precisamos que a Terra continue a girar, em verdade, em liberdade, em beleza,
para todos nós: os bons e os maus, os mentirosos piedosos e os fingidores
estrategas, os envergonhados e os apaixonados.
Todos precisamos de sol…para
florescer, aqui ou num outro jardim… Todos precisamos de verdade. Porque sem
ela ficamos mais pobres em cumplicidade, amizade e afeto. Sem verdade, teremos fome
de gente boa, fome de encher a alma.
Toldados pelo nevoeiro, perturbador,
mas afinal tão frágil e inofensivo, seremos barrados, manipulados, manietados,
castrados, impedidos de seguir em frente a vida que é a nossa.
A vida que está
para além da névoa do horizonte, sabemos que irá prolongar-se no abismo fatal, mas até lá pode ser saboreada,
devagarinho e ao sol da verdade. Mesmo que o sol por vezes queime!
Mais vale um escaldão por sol a mais, do que ossos carunchados pela humidade do nevoeiro mentiroso.
Um grito na noite acorda
quem não dorme. Mas quem dorme não acorda. Porque não acorda e porque há grito?
Porque não sai lá de dentro
um grito inteiro, de verdade e de mentira, com o bem e com o mal em uníssono? Que
venham os dois passear de mãos dadas, à beira mar.