quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Alegria


Alegria, com se fossem borboletas na barriga!
Que sensação boa, um formigueiro que não é fácil de descrever. Não é amor nem paixão, nem qualquer outra confusão. 
Apenas alegria, tão só, por saber alguém feliz. Uma alegria que, a bem dizer, não me pertence, mas que sinto dentro de mim. Um misto de excitação contida com nervoso miudinho ... talvez, uma certa efusividade. Mas porquê, se não é comigo?
Por que razão sinto tanto uma alegria que não me pertence? Quando imagino um amigo feliz, numa promessa de afectos pluri-coloridos, sinto que o mundo roda, como lhe compete, que as pessoas são o mais importante, como bem sabemos...
É sinal de que estamos vivos, de que gostamos de gostar uns dos outros. É a prova de que o calor humano é o melhor alimento para trazer cor aos nossos dias, é o que nos faz brilhar os olhos de esperança num futuro promissor, um futuro que é já amanhã. Sim, porque é o dia de hoje que importa: o de hoje e o quase-amanhã. Não é o futuro longínquo, esse pode esperar, mas aquele futuro que nos espera já ali ao dobrar da esquina, que sabemos (julgamos) que vamos viver ... com alegria.
Paz é sentirmo-nos bem com aquilo que temos e sentir o prazer da espera do que vem a seguir. Quão importante é saber que há quem goste de nós, quem queira e aprecie a nossa companhia, saber que amigas coloridas (ou não) são o sal do tempo que temos para viver! A cor dos dias são também os amigos, os compinchas de várias causas, os vizinhos e, como se sabe, a família ... são tudo aquilo que precisamos para respirar, o que nos faz acordar pensando: é bom estar vivo!

Melhor do que habitar um mundo rico de afetos, é ter o privilégio de o poder fazer em liberdade. E, ainda, poder saborear, em paz, essa sorte que é ser gostado ... muito e por muita gente.

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Poesia




Poesia é pôr a alma a falar suavemente, com melodia.

Poesia é carregar as palavras com toda a emoção que elas comportam, sabendo que serão fracos suportes ... pois vão transbordar sentimentos, vão sobejar sensações.

Resta a alegria de crer que a música, que a poesia tem, chega ao coração de quem lê. Que a música toca baixinho para quem lê o que não está escrito, o indisível sensível, diferente para cada um nós.

Cada verso, inútil para um todo transmitir, será útil a seu tempo para quem souber ouvir e, por demais, para quem escreve esse sentir.

Quanto pesa carregar, em solidão e silêncio, tudo que há para para viver, para sofrer, para rir ou para chorar? Quanto pesa e quanto pode a poesia aliviar...

Há que partilhar, assim, partilhar em verso ou em prosa... com gente, com o papel, com a net, com o mundo que não nos ouve.

Pouco importa! O que importa é que nos ouçamos a nós mesmos. O que importa, mais do que escrever, é que saibamos ler ... aquilo que a memória registou em palavras .. em poesia. A nossa!

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Às Vezes ...




Às vezes, parece que o mundo roda, mas está quieto. Tudo parado! O sol parado… os dias iguais, o futuro sem noite e, por isso, sem dia para acordar amanhã.

Às vezes, não se vê mais além, porque há nevoeiro e … simplesmente não se vê. Não se vê nada, nem o nevoeiro, nem o que vem atrás dele. Resta a esperança de pensar que, para lá da névoa, algo de eterno, de seguro se esconde de nós. Não se vê, não existe…? Mas não é possível, é certamente ilusão de ótica. A culpa é de quem não enxerga. Onde está? Onde está essa tábua de navegar que é sólida, na sua fraqueza? Onde está a roda que faz isto girar? Não está certo que o mundo se finja de adormecido.

Porque quando se muda (e tudo muda, bem sabemos), o mundo também deve girar. Não faz mais do que a sua obrigação – girar… sempre, eternamente, como lhe compete. Para nosso bem… E nós com ele, como nos compete… É assim a lei das coisas - mudar, mudar sempre  e  em frente, nem que seja andando em círculo, para dar a volta, manter o movimento e regressar ao princípio. Ou regressar ao fim, tanto faz. O que importa é andar. Agora ficar quieto ou andar para trás não é natural, nem é bom!

Quieto, só se for para dormir, para amar e pouco mais… e por pouco tempo. Sim, só por breves momentos se pode fechar um olhito, há que estar alerta. A felicidade adormecida e feliz é muito frágil, tem de ser agitada, de vez em quando. Se ela ficar quieta, parada, o mundo percebe e pára também. Ora isso é grave, porque a Terra redonda e girante tem de cumprir a sua missão, para nosso bem…

As vidas curtas e deslizantes a caminho da morte também não podem adormecer, senão esquecem o seu caminho e ficam perdidas, paradas… na berma da estrada. Numa estrada onde ninguém passa para dar boleia. Quem quer prosseguir, tem de correr, correr atrás do futuro, daquele que tem noite e tem dia, arrumadinhos um a seguir ao outro, sempre em ordem.

Há que correr em direção ao nevoeiro, ultrapassá-lo, furá-lo, com força, afastar vigorosamente com os braços aquelas gotas de vapor de água que teimam em ficar juntinhas e escuras, a fingir que são uma barreira intransponível. Que não são! São apenas água miúda ofuscando a nossa visão, tapando o que lá vem. Sabemos que por detrás do nevoeiro nada de estranho se esconde, o que se passa, por lá, é conhecido, seguro, normal … é a vida.

Não há que ter medo, atrás do nevoeiro há pessoas, casas, cães, carros, montes e fontes, lagos e mar e crianças a brincar. Por trás do nevoeiro há tudo. Tudo o que precisamos para dar a volta ao círculo, em beleza, sem medo, se possível com alegria.

Alegria é a coisa mais parecida com felicidade (a qual talvez não exista, mas não importa). E a coisa mais parecida com felicidade é o amor. Esse existe, é um bem escasso mas existe. Procurando bem, correndo para além do nevoeiro, às vezes encontra-se, outras vezes não.

Mas o nevoeiro – que também existe e às vezes em demasia – esse tem de ser varrido. Qual mentira que impede o caminho! 
Uma mentira pretensiosa, que se julga muito importante, capaz de fazer parar o mundo. Mas não pode, ou seja, não deve … Porque todos precisamos que a Terra continue a girar, em verdade, em liberdade, em beleza, para todos nós: os bons e os maus, os mentirosos piedosos e os fingidores estrategas, os envergonhados e os apaixonados.

Todos precisamos de sol…para florescer, aqui ou num outro jardim… Todos precisamos de verdade. Porque sem ela ficamos mais pobres em cumplicidade, amizade e afeto. Sem verdade, teremos fome de gente boa, fome de encher a alma.

Toldados pelo nevoeiro, perturbador, mas afinal tão frágil e inofensivo, seremos barrados, manipulados, manietados, castrados, impedidos de seguir em frente a vida que é a nossa. 

A vida que está para além da névoa do horizonte, sabemos que irá  prolongar-se no abismo fatal,  mas até lá pode ser saboreada, devagarinho e ao sol da verdade. Mesmo que o sol por vezes queime!
Mais vale um escaldão por sol a mais, do que ossos carunchados pela humidade do nevoeiro mentiroso.

Um grito na noite acorda quem não dorme. Mas quem dorme não acorda. Porque não acorda e porque há grito?


Porque não sai lá de dentro um grito inteiro, de verdade e de mentira, com o bem e com o mal em uníssono? Que venham os dois passear de mãos dadas, à beira mar.