segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Velas

 

Há pessoas que são como velas na nossa vida. Tomara ter uma ou ter tido uma, uma vez que fosse, tomara poder recordar que uma vela ilumina e vive em redor. Por ser vida, melhor seria tê-la sempre acesa, próxima, ao meu lado, minha... Se assim não for, ao menos que ilumine o passado, que aqueça recordações.

Nasceram para nos iluminar as noites escuras e trazer um pouco de calor nos dias frios...

Velas que se acendem e nos acendem, que aquecem… que queimam…  que se gastam e acabam, também.

Um dia descobrimos que há um côto sujo e gordurento que teima em ficar no castiçal do costume, meio aceso meio apagado, com vontade de sair dali … de deixar de o ser, de abandonar o seu ar bolorento de vela velha, de vela que já não pega e já não quer ser de novo fresca e inteira… 

É uma vela velha, cansada e com vontade de partir e de abandonar os seus “iluminados”, que despreza os seres humanos com coração, que quase prefere transmutar-se em pedra de gelo... coisa que também derrete e desaparece. Ou que pensa virar faca afiada que fere e que magoa, vela má ... farta de tudo, egoísta que prefere cortar a amar.

Mas há quem teime e se agarre ao velho coto amachucado, há quem lamba os pingos de cera que deslizam lascivos borda abaixo, há quem lamba os beiços da miséria endémica de que sofre e saboreie a merda podre de uma velha gasta, como se aquela fosse fonte de potencial calor e vida, pensando que assim sobreviverá... e se transformará, não de sapo em príncipe encantado, mas num doce gelado derramante do Santini.

A miséria vê diamantes nos pirilampos e amor no doce afago do egoísmo.  A miséria endémica só vê disparates, alimenta-se de ilusões, contenta-se contentinha, come pouco... e imagina muito. Espera e luta.

Coitada da velha que contempla a vela embevecida, definhará acreditando que um dia a tal vela velha será sua e luminosa. 

Coitada da vela velha que não admite que tem um bom castiçal, que poderá ser uma vela novinha e colorida e que poderá voltar a iluminar a alma de quem lhe  quer bem.

Nada se perde na natureza e a cera é tao maleável quanto o amor, tão transformável em novas velas quanto a imaginacao e o desejo o ditem.

Derretam a vela velha, a cera carcomida pela chama, suja pelos beijos que rolaram no chão, torta de tanto amasso, linda de tanto calor que emitiu. Derretam-na e misturem purpurina de várias cores, juntem brilhos, façam riscas, pintem arco-iris e dêem beijos  - uma nova vela se incendiará, massa transformada do antigo amorfo moribundo.

Há vida para além da vela apagada e da porcaria feita por quem derreteu e estragou tão bela luz, por tudo querer...