Há pessoas que são como velas na nossa vida. Tomara ter uma ou ter tido uma, uma vez que fosse, tomara poder recordar que uma vela ilumina e vive em redor. Por ser vida, melhor seria tê-la sempre acesa, próxima, ao meu lado, minha... Se assim não for, ao menos que ilumine o passado, que aqueça recordações.
Nasceram para nos iluminar as noites escuras e trazer um pouco de calor nos
dias frios...
Velas que se acendem e nos acendem,
que aquecem… que queimam… que se gastam e acabam, também.
Um dia descobrimos que há um côto sujo e gordurento que teima em ficar no castiçal do costume, meio aceso meio apagado, com vontade de sair dali … de deixar de o ser, de abandonar o seu ar bolorento de vela velha, de vela que já não pega e já não quer ser de novo fresca e inteira…
É uma vela velha, cansada e com vontade de partir e de abandonar os seus “iluminados”, que despreza os seres humanos com coração, que quase prefere transmutar-se em pedra de gelo... coisa que também derrete e desaparece. Ou que pensa virar faca afiada que fere e que magoa, vela má ... farta de tudo, egoísta que prefere cortar a amar.
Mas há quem teime e se agarre ao velho coto amachucado, há quem lamba os pingos de cera que deslizam lascivos borda abaixo, há quem lamba os beiços da miséria endémica de que sofre e saboreie a merda podre de uma velha gasta, como se aquela fosse fonte de potencial calor e vida, pensando que assim sobreviverá... e se transformará, não de sapo em príncipe encantado, mas num doce gelado derramante do Santini.
A miséria vê diamantes nos pirilampos e amor no doce afago do egoísmo. A miséria endémica só vê disparates, alimenta-se de ilusões, contenta-se contentinha, come pouco... e imagina muito. Espera e luta.
Coitada da velha que contempla a vela embevecida, definhará acreditando que um dia a tal vela velha será sua e luminosa.
Coitada da vela velha que não admite
que tem um bom castiçal, que poderá ser uma vela novinha e colorida e que poderá voltar a
iluminar a alma de quem lhe quer bem.
Nada se perde na natureza e a cera é tao maleável
quanto o amor, tão transformável em novas velas quanto a imaginacao e o desejo o ditem.
Derretam a vela velha, a cera
carcomida pela chama, suja pelos beijos que rolaram no chão, torta de tanto amasso,
linda de tanto calor que emitiu. Derretam-na e misturem purpurina de várias cores, juntem brilhos, façam riscas, pintem arco-iris e dêem beijos
- uma nova vela se incendiará, massa transformada do antigo amorfo moribundo.
Há vida para além da vela apagada e da porcaria feita por quem derreteu e estragou tão bela luz, por tudo querer...